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UE/Mercosul: “Este acordo é crucial para a afirmação da UE no contexto global”

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O acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul continua a dividir os países europeus. Se a Itália, a Polónia, os Países Baixos e, principalmente, a França estão contra, a Alemanha, a Espanha e Portugal reconhecem os benefícios deste tratado comercial. Ricardo Ferreira Reis- economista e director do Centro de Estudos Aplicados da Universidade Católica- sublinha que este acordo é de "crucial importância para a afirmação da União Europeia no contexto global".

RFI: Qual é o objectivo deste acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosur?

Ricardo Ferreira Reis, economista e director do Centro de Estudos Aplicados da Universidade Católica: Estes acordos comerciais, na prática, são extensões do livre comércio que existe dentro do Mercado único Europeu para blocos que sejam parceiros comerciais da União Europeia. Com este acordo, pretende-se que os bens e, em fase posterior, pessoas possam circular sem estarem sujeitos a grandes restrições, acabando-se com as barreiras e com isso beneficiar os consumidores.

Na eventualidade de este acordo ser assinado, seria o mais importante tratado de comércio livre celebrado pela União Europeia, tanto em termos de população envolvida cerca de 780 milhões de pessoas como de volumes comerciais…

Sem dúvida. A União Europeia tem já uma série de acordos estabelecidos com outros países. De longe, o mais importante- que estaria na perspectiva de ser assinado- seria o acordo com a América do Norte (Canadá, os Estados Unidos e o México). Um outro, muito importante, seria o acordo com a China, mas a nível global, este seria sempre o terceiro e o mais importante que a União Europeia viria a fazer.

No entanto, os outros dois acordos ainda estão mais atrasados do que este e, portanto, este é de longe o mais importante. Isto porque iria praticamente duplicaria, por assim dizer, a dimensão do mercado comunitário- em termos de fornecimento de indústria europeia- passaria a fornecer não apenas as centenas de milhões de habitantes europeus, mas algumas dezenas de milhões de parceiros comerciais que temos e também as centenas de milhões de consumidores que existem na América do Sul. Isto teria uma importância muito grande para a indústria europeia, mas também abriria as fronteiras à entrada de produtos oriundos desses cinco países. E é aqui que, de facto, as resistências aparecem.

Este acordo EU- Mercosul continua a dividir os países europeus. A França, a Itália, a Polónia, os Países Baixos estão contra o facto destes produtos, isentos de taxas e a um preço mais acessível, poderem entrar no mercado, sem obedecerem às regras europeias. Há aqui uma competição desleal?

Essa competição já existe. Ela é, de certa forma, ultrapassada pela imposição de tarifas que tornam competitiva uma agricultura europeia, que não seria competitiva neste patamar internacional. A verdade é que a Política Agrícola Comum da Europa tem apoiado a agricultura e os agricultores europeus, nomeadamente os destes países que citou e ao qual juntaria a Irlanda. Neste contexto, fez-se com que produtos- que não são competitivos- competitivas por subsidiação. Por exemplo, a produção de carne, os laticínios, os cereais que na Europa não têm uma escala suficientemente grande, quando comparados com os mercados da América do Sul, da América do Norte ou da Austrália.

Há ainda a questão ambiental e de saúde. Os agricultores europeus dizem que nos países do Mercosul a utilização de pesticidas e antibióticos não respeita as regras da Europa. Não há aqui um problema de saúde pública?

Há uma questão que é pertinente nesse contexto e que está relacionada com os padrões de saúde pública e os padrões de exigência regulatória de qualidade alimentar da europa. Depois há a questão de bem-estar animal, dos pesticidas, como disse na parte da agricultura, mas também, por exemplo, o uso dos antibióticos na carne. Num conjunto de outras disposições, [essas regras] não só são muito mais suaves nesses outros países [do Mercosul] como a própria fiscalização e imposição desses padrões não é tão apertada como é na Europa. Olhe aquilo que os brasileiros com alguma graça chamam, pedindo emprestado o termo do futebol, o padrão FIFA.

O argumento do Brasil é que estamos a falar de um país que tem várias colheitas por ano e que se olha para a utilização dos pesticidas de forma global e não por colheita, por exemplo.

A intensidade da agricultura é muito maior no Brasil, permitindo que haja uma utilização maior desse argumento. Todavia, se olharmos para os dados estatísticos de utilização de pesticidas, esse argumento não colhe. Ou seja, de facto, o padrão seguido no Brasil ainda não atingiu o patamar de exigência, nestas determinações, que são obrigatórios na Europa. A opção seria restringirem-se as importações a uma capacidade de verificação de qualidade daquilo que está a ser importado e, portanto, não haver restrições por tarifas, mas sim por qualidade.

Do outro lado, a Alemanha, a Espanha e Portugal são favoráveis à assinatura deste acordo. Quais serão as vantagens para estes países?

Se do lado da agricultura, que não é competitiva em termos internacionais, este acordo traria grandes concorrentes da América do Sul. Para a indústria europeia, ultra-competitiva, existe um grande interesse em que os seus produtos sejam vendidos, com muito maior liberdade, nos países da América Latina.

No Brasil, por exemplo, há uma distinção dos automóveis produzidos na Europa, dos automóveis- das mesmas marcas- que são produzidas nas linhas de montagem do Brasil, com os brasileiros a darem preferência -em termos de qualidade- aos automóveis produzidos na Europa.

Imagine-se um cenário em que deixa de haver diferenças tarifárias e o que eles importavam passariam a custar o mesmo que os produtos feitos na Europa? Por isso, à imagem da resistência dos agricultores europeus, existem algumas indústrias na América do Sul que- nesta altura- receiam o impacto da entrada dos produtos europeus, como é o caso dos carros da Alemanha, nos seus mercados.

Para Portugal e Espanha as vantagens têm muito mais a ver com a dimensão dos serviços, onde as barreiras linguísticas e culturais são atenuadas e, portanto, vêem naqueles mercados- de língua portuguesa ou espanhola- um potencial de prestação de serviços muito grande e que ficariam liberalizados se houvesse esta abertura.

A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der leyen pretende chegar a um compromisso até ao final do ano. Acredita que este acordo terá luz verde na próxima cimeira do Mercosul em Dezembro, no Uruguai? Ou a França, que vive um movimento de contestação dos agricultores, vai bloquear este acordo?

Parece-me que a resistência, neste momento, vem mais do lado europeu, embora ela se tenha alternado, ao longo dos mais de 20 anos de negociações.

Este tipo de acordo, em termos geopolíticos, é de crucial importância para a afirmação da União Europeia no contexto global. Os Estados Unidos vão mudar de doutrina em relação às questões comerciais, porque o Presidente eleito, Donald Trump, avisou que vai impor uma doutrina muito mais tarifária -fechamento de fronteiras- mais protecionista e de isolamento dos Estados Unidos.

Isto deixa-nos face a uma situação de orfandade do comércio livre e este comércio é algo que traz imensa prosperidade, porque vamos procurando as zonas mais eficazes de produção e de venda dos produtos, contribuindo para a paz. A noção da paz, através do comércio livre, é muito mais valiosa, muito mais consistente na história, do que a paz através da força que é a doutrina que Donald Trump defende.

Este tipo de comércio livre é também uma oportunidade para a Europa abrir, cada vez mais, um canal de diálogo e de negociação e, volto a dizer de paz através do comércio livre, com um bloco como a China. Na prática, fazer um pouco daquilo que Richard Nixon, antigo Presidente dos Estados Unidos, fez nos anos 70. Acho que era muito oportuno e muito inteligente da parte da Europa, aproveitar o vazio de orfandade que vai ser deixado pela administração Trump.

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RFI: Qual é o objectivo deste acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosur?

Ricardo Ferreira Reis, economista e director do Centro de Estudos Aplicados da Universidade Católica: Estes acordos comerciais, na prática, são extensões do livre comércio que existe dentro do Mercado único Europeu para blocos que sejam parceiros comerciais da União Europeia. Com este acordo, pretende-se que os bens e, em fase posterior, pessoas possam circular sem estarem sujeitos a grandes restrições, acabando-se com as barreiras e com isso beneficiar os consumidores.

Na eventualidade de este acordo ser assinado, seria o mais importante tratado de comércio livre celebrado pela União Europeia, tanto em termos de população envolvida cerca de 780 milhões de pessoas como de volumes comerciais…

Sem dúvida. A União Europeia tem já uma série de acordos estabelecidos com outros países. De longe, o mais importante- que estaria na perspectiva de ser assinado- seria o acordo com a América do Norte (Canadá, os Estados Unidos e o México). Um outro, muito importante, seria o acordo com a China, mas a nível global, este seria sempre o terceiro e o mais importante que a União Europeia viria a fazer.

No entanto, os outros dois acordos ainda estão mais atrasados do que este e, portanto, este é de longe o mais importante. Isto porque iria praticamente duplicaria, por assim dizer, a dimensão do mercado comunitário- em termos de fornecimento de indústria europeia- passaria a fornecer não apenas as centenas de milhões de habitantes europeus, mas algumas dezenas de milhões de parceiros comerciais que temos e também as centenas de milhões de consumidores que existem na América do Sul. Isto teria uma importância muito grande para a indústria europeia, mas também abriria as fronteiras à entrada de produtos oriundos desses cinco países. E é aqui que, de facto, as resistências aparecem.

Este acordo EU- Mercosul continua a dividir os países europeus. A França, a Itália, a Polónia, os Países Baixos estão contra o facto destes produtos, isentos de taxas e a um preço mais acessível, poderem entrar no mercado, sem obedecerem às regras europeias. Há aqui uma competição desleal?

Essa competição já existe. Ela é, de certa forma, ultrapassada pela imposição de tarifas que tornam competitiva uma agricultura europeia, que não seria competitiva neste patamar internacional. A verdade é que a Política Agrícola Comum da Europa tem apoiado a agricultura e os agricultores europeus, nomeadamente os destes países que citou e ao qual juntaria a Irlanda. Neste contexto, fez-se com que produtos- que não são competitivos- competitivas por subsidiação. Por exemplo, a produção de carne, os laticínios, os cereais que na Europa não têm uma escala suficientemente grande, quando comparados com os mercados da América do Sul, da América do Norte ou da Austrália.

Há ainda a questão ambiental e de saúde. Os agricultores europeus dizem que nos países do Mercosul a utilização de pesticidas e antibióticos não respeita as regras da Europa. Não há aqui um problema de saúde pública?

Há uma questão que é pertinente nesse contexto e que está relacionada com os padrões de saúde pública e os padrões de exigência regulatória de qualidade alimentar da europa. Depois há a questão de bem-estar animal, dos pesticidas, como disse na parte da agricultura, mas também, por exemplo, o uso dos antibióticos na carne. Num conjunto de outras disposições, [essas regras] não só são muito mais suaves nesses outros países [do Mercosul] como a própria fiscalização e imposição desses padrões não é tão apertada como é na Europa. Olhe aquilo que os brasileiros com alguma graça chamam, pedindo emprestado o termo do futebol, o padrão FIFA.

O argumento do Brasil é que estamos a falar de um país que tem várias colheitas por ano e que se olha para a utilização dos pesticidas de forma global e não por colheita, por exemplo.

A intensidade da agricultura é muito maior no Brasil, permitindo que haja uma utilização maior desse argumento. Todavia, se olharmos para os dados estatísticos de utilização de pesticidas, esse argumento não colhe. Ou seja, de facto, o padrão seguido no Brasil ainda não atingiu o patamar de exigência, nestas determinações, que são obrigatórios na Europa. A opção seria restringirem-se as importações a uma capacidade de verificação de qualidade daquilo que está a ser importado e, portanto, não haver restrições por tarifas, mas sim por qualidade.

Do outro lado, a Alemanha, a Espanha e Portugal são favoráveis à assinatura deste acordo. Quais serão as vantagens para estes países?

Se do lado da agricultura, que não é competitiva em termos internacionais, este acordo traria grandes concorrentes da América do Sul. Para a indústria europeia, ultra-competitiva, existe um grande interesse em que os seus produtos sejam vendidos, com muito maior liberdade, nos países da América Latina.

No Brasil, por exemplo, há uma distinção dos automóveis produzidos na Europa, dos automóveis- das mesmas marcas- que são produzidas nas linhas de montagem do Brasil, com os brasileiros a darem preferência -em termos de qualidade- aos automóveis produzidos na Europa.

Imagine-se um cenário em que deixa de haver diferenças tarifárias e o que eles importavam passariam a custar o mesmo que os produtos feitos na Europa? Por isso, à imagem da resistência dos agricultores europeus, existem algumas indústrias na América do Sul que- nesta altura- receiam o impacto da entrada dos produtos europeus, como é o caso dos carros da Alemanha, nos seus mercados.

Para Portugal e Espanha as vantagens têm muito mais a ver com a dimensão dos serviços, onde as barreiras linguísticas e culturais são atenuadas e, portanto, vêem naqueles mercados- de língua portuguesa ou espanhola- um potencial de prestação de serviços muito grande e que ficariam liberalizados se houvesse esta abertura.

A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der leyen pretende chegar a um compromisso até ao final do ano. Acredita que este acordo terá luz verde na próxima cimeira do Mercosul em Dezembro, no Uruguai? Ou a França, que vive um movimento de contestação dos agricultores, vai bloquear este acordo?

Parece-me que a resistência, neste momento, vem mais do lado europeu, embora ela se tenha alternado, ao longo dos mais de 20 anos de negociações.

Este tipo de acordo, em termos geopolíticos, é de crucial importância para a afirmação da União Europeia no contexto global. Os Estados Unidos vão mudar de doutrina em relação às questões comerciais, porque o Presidente eleito, Donald Trump, avisou que vai impor uma doutrina muito mais tarifária -fechamento de fronteiras- mais protecionista e de isolamento dos Estados Unidos.

Isto deixa-nos face a uma situação de orfandade do comércio livre e este comércio é algo que traz imensa prosperidade, porque vamos procurando as zonas mais eficazes de produção e de venda dos produtos, contribuindo para a paz. A noção da paz, através do comércio livre, é muito mais valiosa, muito mais consistente na história, do que a paz através da força que é a doutrina que Donald Trump defende.

Este tipo de comércio livre é também uma oportunidade para a Europa abrir, cada vez mais, um canal de diálogo e de negociação e, volto a dizer de paz através do comércio livre, com um bloco como a China. Na prática, fazer um pouco daquilo que Richard Nixon, antigo Presidente dos Estados Unidos, fez nos anos 70. Acho que era muito oportuno e muito inteligente da parte da Europa, aproveitar o vazio de orfandade que vai ser deixado pela administração Trump.

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