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A essência do treinamento: compaixão além das bolhas e identidades | Lama Padma Samten

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Ensinamento oferecido por Lama Padma Samten em 19 de setembro de 2016 no CEBB Darmata (Timbaúba, PE).

“Pode ser que haja um grupo muito grande de seres atrás de cada um de vocês aguardando que vocês também atinjam um nível de realização, sejam capazes de olhar com lucidez e purificar as experiências da vida de vocês e aí, dotados desse medicamento que brota da purificação de suas próprias vidas, vocês consigam oferecer benefícios para aqueles que têm carmas semelhantes, penetrando em suas bolhas.”

Duração: 45 minutos. Principais temas: quatro nobres verdades, duka, lokas e bolhas de realidade, papéis e identidades, prajnaparamita, vacuidade, natureza livre, morte e impermanência, bodicita, a diversão dos bodisatvas, a essência do treinamento, compaixão, lucidez em meio ao mundo, carma e meios hábeis, purificação da vida, transformação dos venenos em remédio, Darma no ocidente, voto vajra.

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Transcrição de um trecho

Nós nos construímos de um certo jeito, dentro de cenários de um certo jeito, depois nós temos que nos reconstruir. E vamos indo. Vamos nos construindo e reconstruindo, construindo e reconstruindo. É assim. Aí vocês veem figuras históricas, que parecem que são eternas: elas vêm existem de um certo modo e cessam. É inacreditável isso. Essa é a transmigração. Todos nós estamos submetidos a isso.
Nós não encontramos o nosso verdadeiro papel. Não há um verdadeiro papel. A multiplicidade dos papéis que nós fazemos exerce ou aponta para a natureza verdadeira. A nossa verdadeira é uma natureza livre, luminosa, que constrói realidades. Esse é o nosso verdadeiro papel. Desse papel nós não conseguimos escapar. Como um artista de teatro, tentamos nos identificar com algum dos papéis, mas não é possível. A gente não consegue se identificar. A peça sempre termina. E, mesmo que a gente se apaixone pela mocinha da peça, aquilo não vai funcionar. Ainda que aquilo funcione por um tempo como uma outra peça, uma metapeça num metacenário, aquilo de modo geral termina também. Eventualmente a mocinha envelhece ou o herói fica de cabelos brancos, se encurva e não serve mais como herói. Então nós trocamos de papéis, inevitavelmente.
Esse é um ponto super interessante. Quem vive há mais tempo e está submetido à influência da Rede Globo, a pessoa vê as meninas entrando num papel de coadjuvante, depois elas viram as mocinhas da novela, depois elas viram as senhoras da novela, depois viram as vovós da novela, depois elas viram as bruxas da novela, depois elas viram as grandes divas que fizeram não sei quantas coisas, depois elas morrem! É assim. Então é interessante ver os atores passando por isso. Eles são convidados para diferentes papéis, eles vão transmigrando o tempo todo, vão transmigrando. A arte e a realidade se fundem, a arte aponta a realidade, aponta diretamente a realidade. É muito extraordinário isso.
Quando nós não entendemos isso, nós estamos presos em bolhas de realidade. Dentro dessas bolhas nós tentamos defender as características daquilo, a gente faz esforços, tenta prolongar ao máximo aquilo. Ainda que a gente saiba que vai morrer, a gente brinca que não vai morrer. Ainda que a gente saiba que a impermanência é inevitável, a gente tenta não ver isso. A gente tenta andar. Ainda que a gente saiba que as nossas identidades são um tanto fake — ou cem porcento fake — as nossas identidades, a gente tenta torná-las totalmente reais, e tenta descrever isso como se fosse alguma coisa de grande importância. Então, na medida em que nós passamos por essa situação, tentando segurar aquilo que é transitório, o sofrimento é inevitável. Ele surge também com a cara do sofrimento que a gente sente. Porque quando nós nos defrontamos com a fragmentação das bolhas de realidade onde nós operamos, justo porque nós lutamos constantemente para preservá-las, isso se manifesta como sofrimento em nós mesmos. Então, esse é o cenário que nós vivemos.
O Buda contemplou esse processo. O Buda, desde o ponto que não se move, desde o ponto que está além das transmigrações, desde o ponto que está além das bolhas e das realidades ilusórias, contemplou todo esse cenário, contemplou tudo isso. Então ele descreve o sofrimento e descreve as causas do sofrimento como a prisão a esse processo. Na terceira nobre verdade, o Buda descreve a liberdade diante do sofrimento, a possibilidade que nós temos de ultrapassar isso. Por que que nós temos essa possibilidade? Porque isso não é a nossa realidade. Isso é uma construção. Nós não precisamos operar desse modo. Nós não temos como ter êxito dentro disso.
Por outro lado, a realidade tal como ela é se impõe sobre as coisas. Ela se impõe porque a nossa ilusão, seja qual for, seja qual for a bolha dourada, ela se rompe. A realidade não fica contida pelas aparências ilusórias, a realidade se move sem dó — nós poderíamos dizer assim. Então, quando nós estamos presos a realidades com muito apego, lutando contra, e a gente escuta o que nós estamos ouvindo [agora], isso é como se fosse um ensinamento irado porque ele dói um pouco. Por outro lado, quando nós estamos presos em bolhas de realidade e a gente pensa que a gente quer ultrapassar essas bolhas de realidade, a gente quer encontrar a realidade tal como ela é, a gente ouve esse ensinamento e esse ensinamento parece que vem de Chenrezig, parece que é um ensinamento compassivo que pode efetivamente nos liberar. São as mesmas palavras. É a mesma coisa.
Os mestres sempre dizem que nós deveríamos olhar nós mesmos reconhecendo essa natureza que não é aprisionável. […] Eu acho que para a maior parte dos seres há esse ponto: nós temos uma intuição de que nossa natureza não é aprisionável. Eu diria que até mesmo as crianças manifestam isso de uma forma mais ampla, mais direta. A natureza delas não parece aprisionável.
Esse é um ponto super importante. Os mestres vão dizer: é importante que a gente entenda que essa natureza não aprisionável, isso é a nossa natureza. Se nós procurarmos por ela, não vamos encontrar. Vamos encontrar a substância dessa natureza não aprisionável. Justamente porque se a gente colocar substância a gente já está aprisionando, a gente já está criando um modelo. Ela tem essa liberdade radical. Se nós tentarmos descrever o conteúdo disso, não vamos conseguir, não vamos encontrar esse conteúdo. O próprio Buda diz: quando atingi a iluminação, não encontrei nada que pudesse servir de referencial artificial. Quando nós estudarmos Prajnaparamita vamos entender que na vacuidade não há forma, sensação, percepção, formação mental e consciência; não há olhos, ouvidos, nariz, língua, tato e mente; e não há também as categorias de ensinamento. Essa natureza livre transcende os próprios ensinamentos. Então, por exemplo, nesse aspecto profundo da nossa própria natureza, nesse aspecto não aprisionável da nossa natureza, não há sofrimento, não há as causas do sofrimento, não há a liberação do sofrimento e também não há caminho para a liberação do sofrimento. Nós estamos livres do próprio budismo.
Então vocês se alegrem! Vocês podem entrar no Budismo e no fim vocês se livram disso. Eu considero isso completamente tranquilizador, maravilhoso! Eu também confesso pra vocês que, quando eu entrei de fato no budismo, o que me deu tranquilidade de entrar foi o fato de que eu vi a porta de saída. […] Então, o que acontece? Se nós olharmos as nossas múltiplas vidas, nós não temos as frustrações das bolhas. O que nós temos é a liberdade frente as múltiplas bolhas em que a gente entrou, se manifestando enquanto a dissolução da própria bolha. A realidade que nós vivemos é o fato de que as bolhas podem se dissolver a qualquer momento. Nós podemos nos movimentar e sair das bolhas. E não só isso: se a gente tentar ficar nas bolhas, também a nossa própria natureza termina vendo o fim da bolha, e quando a bolha termina nós não terminamos. Isso é muito interessante. Como que a gente sabe que não termina? Dependendo das circunstâncias nós já corremos para fazer uma outra bolha. Não sei se vocês notaram…
Então nós temos esse direcionamento. Essa sequência das bolhas é a transmigração. São os ciclos de mortes e renascimentos. Nós estamos ligados a esse processo. Mas esse processo mesmo mostra que não há como nós ficarmos presos a alguma coisa. Quando nós geramos a compreensão disso, nós podemos gerar a motivação de ultrapassar a fixação às bolhas e todo o sofrimento que vem da tentativa de nós nos mantermos fixados às bolhas que são transitórias. Junto com isso pode brotar compaixão que é a intenção bodicita, que é de nós podermos penetrar nas múltiplas bolhas com lucidez. Lucidez é a compreensão fora das bolhas. E a gente possa penetrar nessas bolhas para ajudar as pessoas que estão dentro a se movimentarem. Essa é a parte mais divertida! O trabalho dos bodisatvas. Enfim, os bodisatvas têm alguma coisa para fazer…
Então se diz que eles são os últimos a sair do samsara. Porque, enfim, eles se divertem nesse processo de entrar nas bolhas e se mover. E aquilo, ao mesmo tempo, é a prática deles, porque é o exercício da lucidez e conseguir não ficar preso à própria bolha e é também o exercício de trazer benefício às pessoas e livrá-las de seu sofrimento. Isso produz o aspecto paradoxal de ver alguém chorando, alguém em sofrimento, e a pessoa socorre alguém em sofrimento mesmo sabendo que o sofrimento do outro é ilusório, vem de uma construção que não tem substancialidade.
Como o próprio Buda diz: “Eu manifestei um corpo de sonho, para benefício de seres de sonho, imersos em sofrimentos de sonho. Eu não vim, eu não vou.” Ele não veio! Ele sempre esteve no mesmo lugar, mas ele se manifestou ali dentro. Mas tem esse aspecto paradoxal, extraordinário. Quando nós compreendemos isso, pode ser que brote no nosso coração bodicita. Talvez o aspecto mais importante de bodicita seja a sensação de que nós podemos nos libertar também. Que inevitavelmente não há a possibilidade de nós nos fixarmos. E não tem por que nós ficarmos fixados nas bolhas de realidade sacudindo e sofrendo no meio disso. Nós podemos gerar lucidez e nos movimentar dentro das bolhas com uma energia própria para benefício dos seres. Isso é a essência do treinamento, é isso que nós estamos treinando. Tentando atingir, através da motivação bodicita, esse tipo de realização. É isto que nós estamos fazendo.
Junto com isso, naturalmente, é extraordinário o surgimento da compaixão. É extraordinário. É um fenômeno. É uma estrela que surge no céu. Porque dentro das bolhas cada ser está focado no seu movimento. Ele não pararia o seu movimento para olhar o que está acontecendo com o outro para socorrer o outro dentro do sofrimento das limitações que o outro está mostrando. A lei usual do samsara é nós predarmos os seres. Se os seres estão frágeis, nós os predamos. Assim funciona o reino dos animais, assim funcionam todos os reinos inferiores. O reino humano é o reino que tem compaixão e amor. É inacreditável! Nós olhamos alguém que está frágil e nós corremos para ajudar esses seres. É o único reino que há essa motivação. Nos outros reinos os seres jovens são predados e os velhos são predados. Porque os jovens são frágeis, são predados. Os velhos são frágeis, são predados.
Essa qualidade do reino humano está ligada ao fato de que nós temos a possibilidade de praticar a sabedoria do espelho, que é entender o outro no mundo dele, e a sabedoria da igualdade, que é nos alegrarmos com coisas que o outro possa passar, como se fosse a nossa própria vida. Isso já é a manifestação da mente transcendente, a mente que não tem localização, a mente onisciente, que se desloca — se desloca sem se deslocar porque a mente não tem local — a mente que acessa as circunstâncias mentais dos outros seres. Isso é extraordinário! A qualquer distância, no mesmo tempo. Não há distância, não há separação entre as mentes. A experiência sensorial é separada, ela se separa, mas a mente não se separa.
Então nós temos essa capacidade. E assim surgem as cinco sabedorias búdicas. Cinco sabedorias búdicas são o nosso meio de expressão em meio ao mundo enquanto a realização da motivação bodicita de auxilar os seres e manter a lucidez em meio às circunstâncias. Nós não precisamos abandonar o mundo e viver em mosteiros ou lugares separados. A gente não precisa disso. Na verdade nós podemos passar por estágios assim e depois nós retornamos ao mundo que é o o nosso lugar, para beneficiar os seres. É assim…
O Buda também. Ele se manteve em retiro por seis anos e depois ele saiu, ele saiu para beneficiar os seres nesse tempo. Então os grandes mestres também fizeram isso. Eles também tiveram a intuição de que fazendo a sua prática poderiam desenvolver métodos, poderiam desenvolver a capacidade de estar prontos e acessar os seres. Quando nós desenvolvemos a motivação bodicita e começamos a desenvolver algum tipo de habilidade, a gente percebe que não só a lucidez é importante, mas também a conexão cármica com os âmbitos dos seres. Tudo aquilo que nós já vivemos, pelo qual passamos no mundo, começa a se transformar num tipo de néctar, num tipo de remédio, que nos permite curar as pessoas que têm carmas semelhantes. Entendemos que há pessoas com visões semelhantes às que nós manifestamos e podemos penetrar em suas bolhas porque nós temos os códigos convencionais para isso. Só que agora nós purificamos essas percepções e essas percepções podem se transformar em remédio para auxiliá-las.
Agora, quando vocês olham isso, vocês deveriam entender que a experiência de cada pessoa, como, por exemplo, aqui nessa sala, a experiência de cada um aqui é uma experiência diferente, a experiência convencional de cada um. O que cada um fez na sua vida é diferente. Portanto, nós temos um potencial de medicamento diferente em cada um. Pode ser que haja um grupo muito grande de seres atrás de cada um de vocês aguardando que vocês também atinjam um nível de realização, sejam capazes de olhar as suas próprias vidas e purificar suas experiências. E aí, dotados desse medicamento que brota da purificação da própria vida de vocês, da experiência de vida de vocês, vocês consigam oferecer para aqueles que têm carmas semelhantes.
Vocês deveriam também entender que o próprio Buda não foi visto por todos como libertador. O Buda teve oposição, ele teve seres que se opuseram, que consideraram que era negativo, que tentaram derrubar o Buda, tentaram causar problemas para o Buda. Isso significa que nem todos os seres tinham conexões cármicas positivas com o Buda. A sanga se manifestou de forma maravilhosa, muitos diferentes ensinamentos surgiram a partir de diferentes mestres que eram alunos do próprio Buda. O Buda ordenou quinhentos grandes discípulos, reconhecendo que cada um deles teve a capacidade de operar com a mente igual a dele mesmo, isso significa a mente da vacuidade. Esses discípulos produziram uma vastidão de ensinamentos. A sequência de mestres que se sucedeu gerou um número de dois milhões e quatrocentos mil ensinamentos. A partir dos oitenta e quatro mil ensinamentos do Buda, os mestres que o sucederam, geraram essa vastidão de ensinamentos. Por que eles geraram isso? Porque eles tinham pontos particulares a partir dos quais eles eram capazes de beneficiar os seres. É uma quantidade de medicamentos muito maior.
No tempo que nós estamos vivendo aqui, é muito precioso o fato de que nós estamos imersos em uma sociedade estranha. Uma sociedade única e talvez curta que se estabeleceu. Então é muito importante que a gente também aproveite da nossa própria experiência, que é um experiência complexa, que encontra diálogo, que está imersa, na psicologia, na filosofia, na ciência em geral, na física, na química, que são cenários muito diferentes dos cenários do tempo do Buda e dos mestres que sucederam o Buda. Então nós temos o desafio de ajudar as pessoas a compreender esse ambiente que é diferente e a compreender também o ambiente humano em que nós vivemos, a forma como nós nos estruturamos nesse tempo que é diferente também. Nós precisamos transformar essas situações auspiciosas e inauspiciosas em remédios que possam ajudar as pessoas nesse tempo. Essa ação estabelece o Darma no ocidente ou no tempo atual, livre de localização geográfica, mas o Darma nos tempos da cultura como ela se estabelece agora.
Então seria muito importante nós manifestarmos bodicita e manifestarmos essa motivação de gerar esses remédios, gerar esses medicamentos, a partir do nosso próprio veneno. O símbolo do Vajarayana é esse: nós tomarmos o veneno e transformarmos em ornamento, em medicamento. A força dessa capacidade vem da vacuidade, vacuidade e luminosidade. A força da vacuidade e luminosidade vem da nossa capacidade de repousar nesse ambiente que está além das bolhas, nesse ambiente livre, nessa natureza livre que é a nossa natureza que nós não conseguimos devolver. Diz-se que essa incapacidade de rejeitar a natureza livre dentro de nós mesmos é o voto vajra. O voto que não pode ser devolvido. O voto vajra que não pode ser devolvido é o fato de que nós somos naturalmente livres, a nossa natureza é naturalmente livre e não há com submergi-la. É como se ela fosse algo que não quebra, não torce, não se configura de modo artificial, não pode ser derrotada, está presente em todos os lugares, não há como devolver, como negar, como rejeitar.
Essa compreensão em si mesma delimita o caminho de guru ioga. O caminho onde nós, focando essa natureza última, exercitamos bodicita e geramos os medicamentos através de nossos sofrimentos, de nossas dificuldades, e nos dedicamos a beneficiar os seres.

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“Pode ser que haja um grupo muito grande de seres atrás de cada um de vocês aguardando que vocês também atinjam um nível de realização, sejam capazes de olhar com lucidez e purificar as experiências da vida de vocês e aí, dotados desse medicamento que brota da purificação de suas próprias vidas, vocês consigam oferecer benefícios para aqueles que têm carmas semelhantes, penetrando em suas bolhas.”

Duração: 45 minutos. Principais temas: quatro nobres verdades, duka, lokas e bolhas de realidade, papéis e identidades, prajnaparamita, vacuidade, natureza livre, morte e impermanência, bodicita, a diversão dos bodisatvas, a essência do treinamento, compaixão, lucidez em meio ao mundo, carma e meios hábeis, purificação da vida, transformação dos venenos em remédio, Darma no ocidente, voto vajra.

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Transcrição de um trecho

Nós nos construímos de um certo jeito, dentro de cenários de um certo jeito, depois nós temos que nos reconstruir. E vamos indo. Vamos nos construindo e reconstruindo, construindo e reconstruindo. É assim. Aí vocês veem figuras históricas, que parecem que são eternas: elas vêm existem de um certo modo e cessam. É inacreditável isso. Essa é a transmigração. Todos nós estamos submetidos a isso.
Nós não encontramos o nosso verdadeiro papel. Não há um verdadeiro papel. A multiplicidade dos papéis que nós fazemos exerce ou aponta para a natureza verdadeira. A nossa verdadeira é uma natureza livre, luminosa, que constrói realidades. Esse é o nosso verdadeiro papel. Desse papel nós não conseguimos escapar. Como um artista de teatro, tentamos nos identificar com algum dos papéis, mas não é possível. A gente não consegue se identificar. A peça sempre termina. E, mesmo que a gente se apaixone pela mocinha da peça, aquilo não vai funcionar. Ainda que aquilo funcione por um tempo como uma outra peça, uma metapeça num metacenário, aquilo de modo geral termina também. Eventualmente a mocinha envelhece ou o herói fica de cabelos brancos, se encurva e não serve mais como herói. Então nós trocamos de papéis, inevitavelmente.
Esse é um ponto super interessante. Quem vive há mais tempo e está submetido à influência da Rede Globo, a pessoa vê as meninas entrando num papel de coadjuvante, depois elas viram as mocinhas da novela, depois elas viram as senhoras da novela, depois viram as vovós da novela, depois elas viram as bruxas da novela, depois elas viram as grandes divas que fizeram não sei quantas coisas, depois elas morrem! É assim. Então é interessante ver os atores passando por isso. Eles são convidados para diferentes papéis, eles vão transmigrando o tempo todo, vão transmigrando. A arte e a realidade se fundem, a arte aponta a realidade, aponta diretamente a realidade. É muito extraordinário isso.
Quando nós não entendemos isso, nós estamos presos em bolhas de realidade. Dentro dessas bolhas nós tentamos defender as características daquilo, a gente faz esforços, tenta prolongar ao máximo aquilo. Ainda que a gente saiba que vai morrer, a gente brinca que não vai morrer. Ainda que a gente saiba que a impermanência é inevitável, a gente tenta não ver isso. A gente tenta andar. Ainda que a gente saiba que as nossas identidades são um tanto fake — ou cem porcento fake — as nossas identidades, a gente tenta torná-las totalmente reais, e tenta descrever isso como se fosse alguma coisa de grande importância. Então, na medida em que nós passamos por essa situação, tentando segurar aquilo que é transitório, o sofrimento é inevitável. Ele surge também com a cara do sofrimento que a gente sente. Porque quando nós nos defrontamos com a fragmentação das bolhas de realidade onde nós operamos, justo porque nós lutamos constantemente para preservá-las, isso se manifesta como sofrimento em nós mesmos. Então, esse é o cenário que nós vivemos.
O Buda contemplou esse processo. O Buda, desde o ponto que não se move, desde o ponto que está além das transmigrações, desde o ponto que está além das bolhas e das realidades ilusórias, contemplou todo esse cenário, contemplou tudo isso. Então ele descreve o sofrimento e descreve as causas do sofrimento como a prisão a esse processo. Na terceira nobre verdade, o Buda descreve a liberdade diante do sofrimento, a possibilidade que nós temos de ultrapassar isso. Por que que nós temos essa possibilidade? Porque isso não é a nossa realidade. Isso é uma construção. Nós não precisamos operar desse modo. Nós não temos como ter êxito dentro disso.
Por outro lado, a realidade tal como ela é se impõe sobre as coisas. Ela se impõe porque a nossa ilusão, seja qual for, seja qual for a bolha dourada, ela se rompe. A realidade não fica contida pelas aparências ilusórias, a realidade se move sem dó — nós poderíamos dizer assim. Então, quando nós estamos presos a realidades com muito apego, lutando contra, e a gente escuta o que nós estamos ouvindo [agora], isso é como se fosse um ensinamento irado porque ele dói um pouco. Por outro lado, quando nós estamos presos em bolhas de realidade e a gente pensa que a gente quer ultrapassar essas bolhas de realidade, a gente quer encontrar a realidade tal como ela é, a gente ouve esse ensinamento e esse ensinamento parece que vem de Chenrezig, parece que é um ensinamento compassivo que pode efetivamente nos liberar. São as mesmas palavras. É a mesma coisa.
Os mestres sempre dizem que nós deveríamos olhar nós mesmos reconhecendo essa natureza que não é aprisionável. […] Eu acho que para a maior parte dos seres há esse ponto: nós temos uma intuição de que nossa natureza não é aprisionável. Eu diria que até mesmo as crianças manifestam isso de uma forma mais ampla, mais direta. A natureza delas não parece aprisionável.
Esse é um ponto super importante. Os mestres vão dizer: é importante que a gente entenda que essa natureza não aprisionável, isso é a nossa natureza. Se nós procurarmos por ela, não vamos encontrar. Vamos encontrar a substância dessa natureza não aprisionável. Justamente porque se a gente colocar substância a gente já está aprisionando, a gente já está criando um modelo. Ela tem essa liberdade radical. Se nós tentarmos descrever o conteúdo disso, não vamos conseguir, não vamos encontrar esse conteúdo. O próprio Buda diz: quando atingi a iluminação, não encontrei nada que pudesse servir de referencial artificial. Quando nós estudarmos Prajnaparamita vamos entender que na vacuidade não há forma, sensação, percepção, formação mental e consciência; não há olhos, ouvidos, nariz, língua, tato e mente; e não há também as categorias de ensinamento. Essa natureza livre transcende os próprios ensinamentos. Então, por exemplo, nesse aspecto profundo da nossa própria natureza, nesse aspecto não aprisionável da nossa natureza, não há sofrimento, não há as causas do sofrimento, não há a liberação do sofrimento e também não há caminho para a liberação do sofrimento. Nós estamos livres do próprio budismo.
Então vocês se alegrem! Vocês podem entrar no Budismo e no fim vocês se livram disso. Eu considero isso completamente tranquilizador, maravilhoso! Eu também confesso pra vocês que, quando eu entrei de fato no budismo, o que me deu tranquilidade de entrar foi o fato de que eu vi a porta de saída. […] Então, o que acontece? Se nós olharmos as nossas múltiplas vidas, nós não temos as frustrações das bolhas. O que nós temos é a liberdade frente as múltiplas bolhas em que a gente entrou, se manifestando enquanto a dissolução da própria bolha. A realidade que nós vivemos é o fato de que as bolhas podem se dissolver a qualquer momento. Nós podemos nos movimentar e sair das bolhas. E não só isso: se a gente tentar ficar nas bolhas, também a nossa própria natureza termina vendo o fim da bolha, e quando a bolha termina nós não terminamos. Isso é muito interessante. Como que a gente sabe que não termina? Dependendo das circunstâncias nós já corremos para fazer uma outra bolha. Não sei se vocês notaram…
Então nós temos esse direcionamento. Essa sequência das bolhas é a transmigração. São os ciclos de mortes e renascimentos. Nós estamos ligados a esse processo. Mas esse processo mesmo mostra que não há como nós ficarmos presos a alguma coisa. Quando nós geramos a compreensão disso, nós podemos gerar a motivação de ultrapassar a fixação às bolhas e todo o sofrimento que vem da tentativa de nós nos mantermos fixados às bolhas que são transitórias. Junto com isso pode brotar compaixão que é a intenção bodicita, que é de nós podermos penetrar nas múltiplas bolhas com lucidez. Lucidez é a compreensão fora das bolhas. E a gente possa penetrar nessas bolhas para ajudar as pessoas que estão dentro a se movimentarem. Essa é a parte mais divertida! O trabalho dos bodisatvas. Enfim, os bodisatvas têm alguma coisa para fazer…
Então se diz que eles são os últimos a sair do samsara. Porque, enfim, eles se divertem nesse processo de entrar nas bolhas e se mover. E aquilo, ao mesmo tempo, é a prática deles, porque é o exercício da lucidez e conseguir não ficar preso à própria bolha e é também o exercício de trazer benefício às pessoas e livrá-las de seu sofrimento. Isso produz o aspecto paradoxal de ver alguém chorando, alguém em sofrimento, e a pessoa socorre alguém em sofrimento mesmo sabendo que o sofrimento do outro é ilusório, vem de uma construção que não tem substancialidade.
Como o próprio Buda diz: “Eu manifestei um corpo de sonho, para benefício de seres de sonho, imersos em sofrimentos de sonho. Eu não vim, eu não vou.” Ele não veio! Ele sempre esteve no mesmo lugar, mas ele se manifestou ali dentro. Mas tem esse aspecto paradoxal, extraordinário. Quando nós compreendemos isso, pode ser que brote no nosso coração bodicita. Talvez o aspecto mais importante de bodicita seja a sensação de que nós podemos nos libertar também. Que inevitavelmente não há a possibilidade de nós nos fixarmos. E não tem por que nós ficarmos fixados nas bolhas de realidade sacudindo e sofrendo no meio disso. Nós podemos gerar lucidez e nos movimentar dentro das bolhas com uma energia própria para benefício dos seres. Isso é a essência do treinamento, é isso que nós estamos treinando. Tentando atingir, através da motivação bodicita, esse tipo de realização. É isto que nós estamos fazendo.
Junto com isso, naturalmente, é extraordinário o surgimento da compaixão. É extraordinário. É um fenômeno. É uma estrela que surge no céu. Porque dentro das bolhas cada ser está focado no seu movimento. Ele não pararia o seu movimento para olhar o que está acontecendo com o outro para socorrer o outro dentro do sofrimento das limitações que o outro está mostrando. A lei usual do samsara é nós predarmos os seres. Se os seres estão frágeis, nós os predamos. Assim funciona o reino dos animais, assim funcionam todos os reinos inferiores. O reino humano é o reino que tem compaixão e amor. É inacreditável! Nós olhamos alguém que está frágil e nós corremos para ajudar esses seres. É o único reino que há essa motivação. Nos outros reinos os seres jovens são predados e os velhos são predados. Porque os jovens são frágeis, são predados. Os velhos são frágeis, são predados.
Essa qualidade do reino humano está ligada ao fato de que nós temos a possibilidade de praticar a sabedoria do espelho, que é entender o outro no mundo dele, e a sabedoria da igualdade, que é nos alegrarmos com coisas que o outro possa passar, como se fosse a nossa própria vida. Isso já é a manifestação da mente transcendente, a mente que não tem localização, a mente onisciente, que se desloca — se desloca sem se deslocar porque a mente não tem local — a mente que acessa as circunstâncias mentais dos outros seres. Isso é extraordinário! A qualquer distância, no mesmo tempo. Não há distância, não há separação entre as mentes. A experiência sensorial é separada, ela se separa, mas a mente não se separa.
Então nós temos essa capacidade. E assim surgem as cinco sabedorias búdicas. Cinco sabedorias búdicas são o nosso meio de expressão em meio ao mundo enquanto a realização da motivação bodicita de auxilar os seres e manter a lucidez em meio às circunstâncias. Nós não precisamos abandonar o mundo e viver em mosteiros ou lugares separados. A gente não precisa disso. Na verdade nós podemos passar por estágios assim e depois nós retornamos ao mundo que é o o nosso lugar, para beneficiar os seres. É assim…
O Buda também. Ele se manteve em retiro por seis anos e depois ele saiu, ele saiu para beneficiar os seres nesse tempo. Então os grandes mestres também fizeram isso. Eles também tiveram a intuição de que fazendo a sua prática poderiam desenvolver métodos, poderiam desenvolver a capacidade de estar prontos e acessar os seres. Quando nós desenvolvemos a motivação bodicita e começamos a desenvolver algum tipo de habilidade, a gente percebe que não só a lucidez é importante, mas também a conexão cármica com os âmbitos dos seres. Tudo aquilo que nós já vivemos, pelo qual passamos no mundo, começa a se transformar num tipo de néctar, num tipo de remédio, que nos permite curar as pessoas que têm carmas semelhantes. Entendemos que há pessoas com visões semelhantes às que nós manifestamos e podemos penetrar em suas bolhas porque nós temos os códigos convencionais para isso. Só que agora nós purificamos essas percepções e essas percepções podem se transformar em remédio para auxiliá-las.
Agora, quando vocês olham isso, vocês deveriam entender que a experiência de cada pessoa, como, por exemplo, aqui nessa sala, a experiência de cada um aqui é uma experiência diferente, a experiência convencional de cada um. O que cada um fez na sua vida é diferente. Portanto, nós temos um potencial de medicamento diferente em cada um. Pode ser que haja um grupo muito grande de seres atrás de cada um de vocês aguardando que vocês também atinjam um nível de realização, sejam capazes de olhar as suas próprias vidas e purificar suas experiências. E aí, dotados desse medicamento que brota da purificação da própria vida de vocês, da experiência de vida de vocês, vocês consigam oferecer para aqueles que têm carmas semelhantes.
Vocês deveriam também entender que o próprio Buda não foi visto por todos como libertador. O Buda teve oposição, ele teve seres que se opuseram, que consideraram que era negativo, que tentaram derrubar o Buda, tentaram causar problemas para o Buda. Isso significa que nem todos os seres tinham conexões cármicas positivas com o Buda. A sanga se manifestou de forma maravilhosa, muitos diferentes ensinamentos surgiram a partir de diferentes mestres que eram alunos do próprio Buda. O Buda ordenou quinhentos grandes discípulos, reconhecendo que cada um deles teve a capacidade de operar com a mente igual a dele mesmo, isso significa a mente da vacuidade. Esses discípulos produziram uma vastidão de ensinamentos. A sequência de mestres que se sucedeu gerou um número de dois milhões e quatrocentos mil ensinamentos. A partir dos oitenta e quatro mil ensinamentos do Buda, os mestres que o sucederam, geraram essa vastidão de ensinamentos. Por que eles geraram isso? Porque eles tinham pontos particulares a partir dos quais eles eram capazes de beneficiar os seres. É uma quantidade de medicamentos muito maior.
No tempo que nós estamos vivendo aqui, é muito precioso o fato de que nós estamos imersos em uma sociedade estranha. Uma sociedade única e talvez curta que se estabeleceu. Então é muito importante que a gente também aproveite da nossa própria experiência, que é um experiência complexa, que encontra diálogo, que está imersa, na psicologia, na filosofia, na ciência em geral, na física, na química, que são cenários muito diferentes dos cenários do tempo do Buda e dos mestres que sucederam o Buda. Então nós temos o desafio de ajudar as pessoas a compreender esse ambiente que é diferente e a compreender também o ambiente humano em que nós vivemos, a forma como nós nos estruturamos nesse tempo que é diferente também. Nós precisamos transformar essas situações auspiciosas e inauspiciosas em remédios que possam ajudar as pessoas nesse tempo. Essa ação estabelece o Darma no ocidente ou no tempo atual, livre de localização geográfica, mas o Darma nos tempos da cultura como ela se estabelece agora.
Então seria muito importante nós manifestarmos bodicita e manifestarmos essa motivação de gerar esses remédios, gerar esses medicamentos, a partir do nosso próprio veneno. O símbolo do Vajarayana é esse: nós tomarmos o veneno e transformarmos em ornamento, em medicamento. A força dessa capacidade vem da vacuidade, vacuidade e luminosidade. A força da vacuidade e luminosidade vem da nossa capacidade de repousar nesse ambiente que está além das bolhas, nesse ambiente livre, nessa natureza livre que é a nossa natureza que nós não conseguimos devolver. Diz-se que essa incapacidade de rejeitar a natureza livre dentro de nós mesmos é o voto vajra. O voto que não pode ser devolvido. O voto vajra que não pode ser devolvido é o fato de que nós somos naturalmente livres, a nossa natureza é naturalmente livre e não há com submergi-la. É como se ela fosse algo que não quebra, não torce, não se configura de modo artificial, não pode ser derrotada, está presente em todos os lugares, não há como devolver, como negar, como rejeitar.
Essa compreensão em si mesma delimita o caminho de guru ioga. O caminho onde nós, focando essa natureza última, exercitamos bodicita e geramos os medicamentos através de nossos sofrimentos, de nossas dificuldades, e nos dedicamos a beneficiar os seres.

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