Autogenesis é um podcast em que alguém fala sozinho, refletindo com espanto sobre a consciência de existir. Quinzenalmente aqui me apresentarei, fingindo falar para paredes, mas esperando secretamente que estas minhas divagações encontrem destinatários, como folhas de papel escrito, engarrafadas e deitadas ao mar.
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Comunicar é preciso. Seja o que for. Mas estas linhas que nos unem também nos afastam, cada um no seu retângulo. Cada um fechado em sua casa, e dentro de casas cada um no seu ecrã. Cá fora os pássaros parecem não se deter nestes considerandos. Param nos cabos sem escutar notícias ou conversas.Por H. Fortunato
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As cidades são por vezes chamadas de “selva urbana”. A expressão é pouco adequada pois pouco há de natural numa cidade, em qualquer cidade. A natureza, quando existe, está em parques e jardins, ordenada, confinada e aparada. É como uma réplica de natureza, o produto do humano a imitar o natural.Por H. Fortunato
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Nunca tinha pensado sobre o outro lado de uma trotineta de uso partilhado, o lado de baixo. Riscado, mas pintado da mesma cor que tinge o resto da máquina, há um ventre onde se guarda eletricidade para disponibilizar (mediante pedido e pagamento) a quem quiser ir de A para B. Ou de A para A, pois à trotineta e à empresa fornecedora de serviços tant…
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A planta de uma cidade conta a sua história em séculos, revelando as civilizações que a construíram e reconstruíram. Parto à aventura da redescoberta da cidade numa erva nova no passeio, num carreiro de formigas que nasce da calçada ou num novo rabisco feito a marcador preto onde devia estar uma parede branca.…
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A noite vai-se diluindo, como se o céu escuro perdesse a cor. Surgem os sons dos carros, cada vez mais frequentes, despertam máquinas e pessoas que vão compondo uma espécie de sinfonia que varre o silencio. Deixam de se ouvir os frigoríficos, perdem utilidade os candeeiros de rua.Por H. Fortunato
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Dizer “espaço físico” é redundante pois todo o espaço parece ter alguma fisicalidade ou manifestação material. Mas há um espaço psicológico, uma perceção de espaço que pode diferir em grande medida das medidas verificáveis de um lugar.Por H. Fortunato
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O som é composto por ondas mecânicas. Parece incrível que todas as conversas marcantes que tivemos, que todas as músicas que escutámos e que a irritação de ter uma festa fora de horas no andar de cima tenham em comum o facto de chegarem até nós pela vibração de partículas. A sensação de ouvir remete para o incorpóreo, para a ausência de matéria. Na…
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Um relógio que se adiante ou atrase pode causar dissabor e um relógio parado é fonte de espanto e de terror. Se a vida passada se mede através dessas máquinas, se o momento presente é assinalável por elas, então qual é o medo que temos da paragem do tempo?Por H. Fortunato
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A repetição é uma forma de recusar a passagem do tempo. Os pequenos rituais diários – lavar a cara ou beber café; os rituais sociais – o almoço de família ou o jantar de natal da empresa; os rituais individuais – revisitar um lugar ou reler um livro... Todos eles repetem, atualizando assim um momento passado, um ato fundador do ritual que se perdeu…
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O significado de uma imagem não é imune à mudança dos tempos, assim como não é imune à mudança a função de um objeto. As gárgulas foram criadas como goteiras, afastando a água da chuva das paredes, poupando assim os edifícios à inevitabilidade do efeito da água mole em pedra dura.Por H. Fortunato
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O sono e a morte são dois dos grandes enigmas da humanidade. O sono é uma espécie de morte na qual vamos temporariamente para uma outra vida, para mundos por vezes tão parecidos com o nosso que não se distingue se é sono ou vigília o que estamos a experienciar.Por H. Fortunato
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Será que é a noite que chega ou é o dia se vai embora? Há sempre uma noite escondida atrás de cada dia, por mais luminoso que este seja. E sobre noites escuras da alma e outras tristezas? É a tristeza que chega ou a felicidade que parte? Enquanto penso nisto as nuvens passam, a noite passa e a insónia permanece.…
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Os candeeiros de rua mantêm-se acesos precisamente na altura em que menos gente circula pelas ruas. Como tantos outros objetos (e até pessoas) com que nos cruzamos no dia a dia, só sentimos a sua presença em retrospetiva e por oposição - definida pela ausência num momento que se torna presente.Por H. Fortunato
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As varandas servem para estender roupa, fumar cigarros, apanhar ar fresco, espreitar acontecimentos invulgares sinalizados por estrondos, gritos, motores de avião, buzinas de carro, música ou luzes de emergência. Nestas alturas há algo que as varandas oferecem e que as janelas não podem nunca oferecer.…
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Autogenesis é a voz de alguém que deu consigo a falar em voz alta sobre o que já escreveu ou tem intenção de escrever. É um podcast que podia ter sido um indivíduo a falar para paredes. Mas se eu falasse para as paredes sem ninguém a ouvir, haveria som? Podcast não haveria certamente...Por H. Fortunato
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