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Freira brasileira cria programa de microcrédito para mulheres na Etiópia

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Ela optou por não ter filhos biológicos, mas perdeu a conta de quantas pessoas tiveram dela o amor digno de uma mãe. Como já são mais de 40 anos vivendo fora do Brasil, às vezes irmã Maria Bandieira até se esquece como algumas palavras são ditas em Português.

Vinícius de Assis, correspondente da RFI na África

Mas além do sotaque gaúcho, ela não deixa de lado a fé que a faz seguir em frente, ainda mais morando em um lugar com tantos desafios.

Uma religiosa que já cavou covas para enterrar muita gente, mas que se orgulha em dizer que crianças também vieram ao mundo através das mãos dela.

Irmã Maria revela que uma vez pensou em desistir da missão no continente africano, diante das dificuldades iniciais, mas persistiu e chegou até aqui, ensinando e aprendendo com o povo etíope, principalmente com as mulheres.

Ela destaca a diversidade da Etiópia, onde lida, na capital Adis Abeba, com médicas e outras profissionais bem esclarecidas, mas no interior o contato mais próximo foi com mulheres mais simples, pobres, muitas delas viúvas.

Depois de tantas mortes devido à seca que castigou o país em 1984 ela conta que muitos homens desapareceram das vilas próximas de onde ela vivia. “Quando a gente perguntava 'onde está o pai da criança?', elas diziam 'foi procurar trabalho, foi procurar comida'”, disse. Para ela, o homem normalmente não suportaria ver os filhos morrerem de fome e todo o sofrimento causado por essa situação. “Ele sai. As mães ficam até o fim. São as últimas a morrer. Vinham ali com aquela última criança no colo... era um desespero aquele tempo”, lembra.

Nascida em Erechim, Rio Grande do Sul, a freira brasileira que hoje tem 77 anos já passou mais da metade da vida na Etiópia, uma das cinco maiores economias da África, mas que ainda enfrenta grandes problemas internos, como desigualdade e conflitos. São cerca de 80 etinias no segundo país mais populoso da África.

O idioma foi um dos desafios da religiosa que se mudou para a Etiópia no início dos anos 1980 e começou a dar aulas para crianças em uma área rural.

“Para conseguir me comunicar com o povo, eu usava gestos, algumas palavras que sabia. Era uma dificuldade até um certo ponto, porque eles aceitavam e eu aceitava a situação. Era uma troca e nos divertíamos também”, disse a brasileira que hoje em dia conversa em pelo menos dois idiomas etíopes, oromo e amárico.

Ela contou à reportagem que decidiu que queria ser freira e trabalhar em um país africano aos cinco anos, antes mesmo de ser alfabetizada. Irmã Maria tem ao todo quatro irmãos. Ela estava sempre por perto quando as três mais velhas estudavam. Um dia, viu em uma revista que as irmãs liam uma foto de freiras em missão no continente africano. A imagem nunca saiu da cabeça de Maria que cresceu e seguiu sua vocação.

A mudança para a Etiópia foi em fevereiro de 1981. Os primeiros anos foram os mais difíceis, quando mudanças climáticas já mandavam seus sinais. “Cada ano a época da chuva encurtava, começava depois e terminava antes”, lembrou.

Muita gente que ela conhecia morreu de fome, tuberculose e outras doenças. “O povo não tinha mais comida por toda a Etiópia. A TB (tuberculose) começou a aumentar muito no país”, conta. Naquela época a brasileira vivia a 20 km da cidade de Nekemte, em uma área sem luz, água e com transporte precário.

Hoje os tempos são outros, para ela e para o país. A religiosa vive em um espaço onde funciona uma escola coordenada por freiras, em Adis Abeba. Embora dificuldades ainda existam para boa parte da população, a Etiópia conseguiu, nos últimos anos, até antes da pandemia, estar entre os países que mais cresciam.

A brasileira destaca que nem todas as etnias do país ainda convivem em perfeita harmonia. Atualmente a Etiópia enfrenta uma guerra civil que começou em novembro de 2020, antes do conflito entre Rússia e Ucrânia atrair a atenção de todo o planeta. A guerra em andamento no norte etíope já deixou milhares de mortos, fez mais de 2 milhões de pessoas fugirem das áreas onde viviam, mas não foi o suficiente para fazer irmã Maria voltar para o Brasil.

“Eu já vi tantas (guerras) que eu acho que estou um pouco acostumada com essa situação”, esclareceu.

No país de maioria cristã, os católicos são minoria. Mas a brasileira lembra que isso nunca foi problema desde que ela chegou aqui. Prova disso é que crianças muçulmanas são mais da metade dos centenas de alunos nas escolas que a freira coordena.

Ela ressalta que o trabalho dela é também voltado para a alfabetização de adultos, principalmente mulheres. O curso para aprender a ler e a escrever chegou a ser frequentado por 250 mulheres. Ela explicou que “em Adis Abeba a alfabetização é procurada porque elas se sentem muito diferentes depois de aprender a ler um pouquinho, escrever e contar o dinheiro”.

No primeiro ano apareceram cinco mulheres e um homem. Mas só as alunas seguiram. “Acho que ele tinha que trabalhar”, disse.

Irmã Maria começou também, há 20 anos, um programa de microcrédito para emprestar dinheiro para que mulheres pudessem começar a trabalhar e ter a própria renda, como, por exemplo, vendendo café ou legumes. As vendedoras da tradicional bebiba etíope estão por toda parte no país, assim como é comum ver pessoas vendendo batatas, tomates e cebolas na porta de casa ou na beira da estrada.

O dinheiro do empréstimo era pouco, mas dava para comprar os materiais necessários para começar o pequeno negócio, depois de aulas sobre empreendedorismo, e o capital tinha que voltar para que outras mulheres pudessem se beneficiar do projeto.

“Quando elas registram uma atividade que querem experimentar a gente dá um capital inicial. A gente não dá muito. Dá pouco. Procurem fazer alguma coisa com isso”, explica, antes de lamentar o fato do prograna estar atualmente suspenso por conta da pandemia.

O fato de ter vivido por 15 anos no interior e depois ido para a capital, deu à religiosa experiência suficiente para entender que é fundamental respeitar as diferenças culturais neste país. Mas para ela as mulheres etíopes têm uma característica em comum: a dedicação à maternidade.

“Elas são capazes de morrer realmente para o bem dessas crianças. Elas têm uma força especial. São doces, mães queridas”, diz.

A vida da brasileira na Etiópia é um grande exemplo de que, sempre, mesmo para quem vai para ensinar, é possível aprender grandes lições em um país africano. “Eu vi que aqui a gente pode ser feliz com muito pouco”, conclui.

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Vinícius de Assis, correspondente da RFI na África

Mas além do sotaque gaúcho, ela não deixa de lado a fé que a faz seguir em frente, ainda mais morando em um lugar com tantos desafios.

Uma religiosa que já cavou covas para enterrar muita gente, mas que se orgulha em dizer que crianças também vieram ao mundo através das mãos dela.

Irmã Maria revela que uma vez pensou em desistir da missão no continente africano, diante das dificuldades iniciais, mas persistiu e chegou até aqui, ensinando e aprendendo com o povo etíope, principalmente com as mulheres.

Ela destaca a diversidade da Etiópia, onde lida, na capital Adis Abeba, com médicas e outras profissionais bem esclarecidas, mas no interior o contato mais próximo foi com mulheres mais simples, pobres, muitas delas viúvas.

Depois de tantas mortes devido à seca que castigou o país em 1984 ela conta que muitos homens desapareceram das vilas próximas de onde ela vivia. “Quando a gente perguntava 'onde está o pai da criança?', elas diziam 'foi procurar trabalho, foi procurar comida'”, disse. Para ela, o homem normalmente não suportaria ver os filhos morrerem de fome e todo o sofrimento causado por essa situação. “Ele sai. As mães ficam até o fim. São as últimas a morrer. Vinham ali com aquela última criança no colo... era um desespero aquele tempo”, lembra.

Nascida em Erechim, Rio Grande do Sul, a freira brasileira que hoje tem 77 anos já passou mais da metade da vida na Etiópia, uma das cinco maiores economias da África, mas que ainda enfrenta grandes problemas internos, como desigualdade e conflitos. São cerca de 80 etinias no segundo país mais populoso da África.

O idioma foi um dos desafios da religiosa que se mudou para a Etiópia no início dos anos 1980 e começou a dar aulas para crianças em uma área rural.

“Para conseguir me comunicar com o povo, eu usava gestos, algumas palavras que sabia. Era uma dificuldade até um certo ponto, porque eles aceitavam e eu aceitava a situação. Era uma troca e nos divertíamos também”, disse a brasileira que hoje em dia conversa em pelo menos dois idiomas etíopes, oromo e amárico.

Ela contou à reportagem que decidiu que queria ser freira e trabalhar em um país africano aos cinco anos, antes mesmo de ser alfabetizada. Irmã Maria tem ao todo quatro irmãos. Ela estava sempre por perto quando as três mais velhas estudavam. Um dia, viu em uma revista que as irmãs liam uma foto de freiras em missão no continente africano. A imagem nunca saiu da cabeça de Maria que cresceu e seguiu sua vocação.

A mudança para a Etiópia foi em fevereiro de 1981. Os primeiros anos foram os mais difíceis, quando mudanças climáticas já mandavam seus sinais. “Cada ano a época da chuva encurtava, começava depois e terminava antes”, lembrou.

Muita gente que ela conhecia morreu de fome, tuberculose e outras doenças. “O povo não tinha mais comida por toda a Etiópia. A TB (tuberculose) começou a aumentar muito no país”, conta. Naquela época a brasileira vivia a 20 km da cidade de Nekemte, em uma área sem luz, água e com transporte precário.

Hoje os tempos são outros, para ela e para o país. A religiosa vive em um espaço onde funciona uma escola coordenada por freiras, em Adis Abeba. Embora dificuldades ainda existam para boa parte da população, a Etiópia conseguiu, nos últimos anos, até antes da pandemia, estar entre os países que mais cresciam.

A brasileira destaca que nem todas as etnias do país ainda convivem em perfeita harmonia. Atualmente a Etiópia enfrenta uma guerra civil que começou em novembro de 2020, antes do conflito entre Rússia e Ucrânia atrair a atenção de todo o planeta. A guerra em andamento no norte etíope já deixou milhares de mortos, fez mais de 2 milhões de pessoas fugirem das áreas onde viviam, mas não foi o suficiente para fazer irmã Maria voltar para o Brasil.

“Eu já vi tantas (guerras) que eu acho que estou um pouco acostumada com essa situação”, esclareceu.

No país de maioria cristã, os católicos são minoria. Mas a brasileira lembra que isso nunca foi problema desde que ela chegou aqui. Prova disso é que crianças muçulmanas são mais da metade dos centenas de alunos nas escolas que a freira coordena.

Ela ressalta que o trabalho dela é também voltado para a alfabetização de adultos, principalmente mulheres. O curso para aprender a ler e a escrever chegou a ser frequentado por 250 mulheres. Ela explicou que “em Adis Abeba a alfabetização é procurada porque elas se sentem muito diferentes depois de aprender a ler um pouquinho, escrever e contar o dinheiro”.

No primeiro ano apareceram cinco mulheres e um homem. Mas só as alunas seguiram. “Acho que ele tinha que trabalhar”, disse.

Irmã Maria começou também, há 20 anos, um programa de microcrédito para emprestar dinheiro para que mulheres pudessem começar a trabalhar e ter a própria renda, como, por exemplo, vendendo café ou legumes. As vendedoras da tradicional bebiba etíope estão por toda parte no país, assim como é comum ver pessoas vendendo batatas, tomates e cebolas na porta de casa ou na beira da estrada.

O dinheiro do empréstimo era pouco, mas dava para comprar os materiais necessários para começar o pequeno negócio, depois de aulas sobre empreendedorismo, e o capital tinha que voltar para que outras mulheres pudessem se beneficiar do projeto.

“Quando elas registram uma atividade que querem experimentar a gente dá um capital inicial. A gente não dá muito. Dá pouco. Procurem fazer alguma coisa com isso”, explica, antes de lamentar o fato do prograna estar atualmente suspenso por conta da pandemia.

O fato de ter vivido por 15 anos no interior e depois ido para a capital, deu à religiosa experiência suficiente para entender que é fundamental respeitar as diferenças culturais neste país. Mas para ela as mulheres etíopes têm uma característica em comum: a dedicação à maternidade.

“Elas são capazes de morrer realmente para o bem dessas crianças. Elas têm uma força especial. São doces, mães queridas”, diz.

A vida da brasileira na Etiópia é um grande exemplo de que, sempre, mesmo para quem vai para ensinar, é possível aprender grandes lições em um país africano. “Eu vi que aqui a gente pode ser feliz com muito pouco”, conclui.

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