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O ano da implosão

 
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Dois mil e vinte e dois não foi um ano bom para aquela sensação tecno-utópica que nos tomou nas últimas duas décadas. Quem defende a certeza quase religiosa de que tecnologia só serve para o bem teve que dar piruetas argumentativas dignas de Daiane dos Santos. Por outro lado, quem encara a questão com ceticismo — eu e toda a galera envolvida no Manual do Usuário — termina o ano com uma sensação de surpresa, de não esperar algumas implosões tão rápidas e definitivas como vistas em 2022.

No começo do ano, os céticos não fomos apocalípticos o suficiente. No 13º e último episódio da quarta temporada do Tecnocracia, a gente vai fazer, como já é padrão, uma retrospectiva do ano para entender para onde a tecnologia caminha em 2023. Todo recorte temporal é feito de resultados bons e ruins. É no saldo que a gente consegue ter um panorama e entender aonde o ponteiro está apontando.

Eu sou o Guilherme Felitti. O Tecnocracia está na campanha de financiamento coletiva do Manual do Usuário — a partir de R$ 16 por mês ou R$ 179 por ano, você entra no grupo fechado no Telegram, ganha adesivos e do Manual e participa do Balcão, o programa ao vivo.

Dois mil e vinte e dois foi um péssimo ano para a ideia de que inovadores são geniais em todos seus empreendimentos. O descarrilamento que se tornou a aquisição do Twitter por Elon Musk se explica por duas histórias de origem. De um lado, o Twitter faz parte das plataformas que atraíram milhões de usuários há mais de uma década permitindo que você se expressasse como quisesse, mas, ao contrário do Facebook e do YouTube, nunca foi capaz de transformar essa manada em lucro enorme e crescente.

O peso que o Twitter sempre teve no debate público, principalmente pela plataforma ter se tornado a favorita de pesquisadores, jornalistas e políticos, nunca se refletiu em seus balanços trimestrais. Relevante e incapaz de se tornar muito lucrativo, o Twitter virou um alvo saboroso para aquisição.

Por outro lado, Elon Musk passou os últimos 15 anos cultivando a imagem de grande disruptor pós-Steve Jobs, de Homem de Ferro da vida real. Há respaldo para essa imagem — os investimentos na Tesla e na SpaceX feitos há 20 anos, quando carros elétricos e companhias privadas de foguetes espaciais pareciam mais delírios que modelos de negócio viáveis, são casos a serem estudados por décadas em escolas de negócios, principalmente quando consideramos que Musk fez ambas ao mesmo tempo. Após passar pela prova de fogo simultânea de garantir que a SpaceX era confiável o suficiente para colocar seguidos satélites em órbita reaproveitando seus foguetes e garantir que a Tesla conseguiria fabricar veículos atraentes e funcionais para competir com montadoras estabelecidas, Musk deitou em berço esplêndido e acreditou nas capas de revista que lhe conferiam um dom quase sagrado de “inovar”, independente do que essa palavra signifique a essa altura do campeonato.

Faltou ao sul-africano lembrar as sábias palavras que o Chuck D e o Flavor Flav disseram em 1988: “don’t believe the hype”, algo que Luciana Gimenez traduziria como “não acredite na empolgação em torno de si, bonitinho”. Musk acreditou e, tal qual a SoftBank depois de acertar na loteria com o Alibaba (falamos no Tecnocracia #21), achou que qualquer coisa que fizesse seria um sucesso estrondoso. Validado pelo sucesso comercial dos seus empreendimentos, enaltecido como inovador e observado de perto por todo o mercado, Musk começou a dar vazão a ideias em transporte que, na teoria, pareciam esdrúxulas, mas acabavam sendo financiadas do mesmo jeito. “Viu o que o sujeito fez com carros elétricos e foguetes privados? Ele sabe o que está fazendo”, diriam os muskistas. Nasceu a The Boring Company, um sistema de túneis que resolveria o problema do trânsito, mas que em vez disso só o levou para debaixo da terra. Milhões de dólares no lixo, mas, após fazer o que fez com Tesla e SpaceX, não ia ser uma cagada desse calibre que arranharia a imagem de visionário construída por — e para — Musk.

Com a conta cheia graças à hiper-valorização dos papéis da Tesla, os negócios no modo piloto automático e uma posição política que se aproximava perigosamente do libertarianismo mais simplista que engana a molecada recém saída da Farinha Láctea no Brasil, Musk parece ter decidido a descobrir quantas patetices poderia fazer até que sua imagem de grande inovador e mestre dos negócios fosse arranhada. Vendo o Twitter dando sopa, um serviço em que parece ser viciado, Musk vendeu alguns bilhões em ações da Tesla e estruturou um financiamento polpudo para inteirar os US$ 44 bilhões anunciados junto à sua intenção de comprar a plataforma em março.

Sua avó já diria que o começa mal não tem como continuar de outra forma e não existe um ditado popular melhor para ilustrar a tragédia que tem sido o Twitter sob Musk: a antiga direção aceitou a proposta e, após um processo de due diligence ou um ataque de pirraça, Musk acusou publicamente o Twitter — o alvo da sua compra — de forjar dados sobre bots na plataforma. Seguiu-se uma briga pública entre os dois lados, amarrados pelos tais US$ 44 billhões: Musk parecendo querer romper o contrato e a antiga gestão lhe dizendo sim para tudo como forma de se livrarem do pepino ao mesmo tempo em que embolsavam uma bolada que financiaria algumas casas de praia nos Hamptons ou em Malibu1. Que nem aquele namoro dos seus amigos que você já falou para ambos que era bom terminar em nome da sanidade mental coletiva, Twitter e Musk ficaram num tango entre acusações, notificações, advogados ganhando dinheiro e o público assistindo em choque. Tudo indicava que os dois lados resolveriam na Justiça quando, em outubro, Musk mudou de ideia2 e confirmou o negócio.

Assim que Musk assumiu oficialmente no Twitter, o assunto dominou a cobertura tecnológica não pela inovação, mas pelo crescente teor do bizarro. Começou o show do Musk, calcado na premissa da “liberdade de expressão” absoluta. O Twitter era apenas um pano de fundo, o cenário onde um bilionário que se acha um gênio ia, diariamente, assustando anunciantes, enfurecendo funcionários, alienando pares do mercado de tecnologia (mesmo gente que endeusava Musk) e roubando toda atenção da cobertura de tecnologia para si mesmo, um outro ponto de contato com Trump3

Com os dois pés afundados na certeza do liberalismo simplista (sempre tão teórico, tão “olha como é fácil”), Musk demitiu milhares de funcionários pelo mundo, desmontou conselhos que discutiam moderação e ética, simplificou a arquitetura do produto tirando do ar microsserviços fundamentais, como o que escangalhou a autenticação 2FA, e decidiu pelo retorno de usuários banidos em uma votação. Os lambedores aprovavam todas as decisões de Musk, embalando-as sempre com interpretações positivas: como a desativação dos microsserviços manteve o Twitter rodando em curto prazo, muitos se uniram questionando, entre a ironia e o julgamento, “o que estas pessoas e estes serviços faziam de tão importante?” Em notícias relacionadas, se você demitir toda a divisão de infraestrutura de uma cidade, os encanamentos, fiação elétrica e estradas seguirão a funcionar normalmente até que o desgaste do uso (que, ao contrário dos problemas de física do colegial, seguem a existir) romperá fios, entupirá canos e rachará asfalto. Nesse momento, onde estará a manutenção? Já trabalhando em outros lugares, sem um chefe maníaco.

Pela lógica de Musk, seu show é um sucesso — pelo menos pelas métricas que ele segue compartilhando no Twitter, como número de usuários ativos diários. Mas e o dinheiro? O afrouxamento das políticas de moderação aliado ao restabelecimento de contas banidas, tudo dentro daquela premissa da “liberdade de expressão” radical, deu a extremistas, racistas e preconceituosos de toda estirpe um sinal verde no novo Twitter. Estudo do Network Contagion Research Institute mostrou que as menções à N-word, termo em inglês profundamente racista, aumentaram 500% após Musk assumir o negócio e desmontar o sistema de moderação que existia antes.

Que empresa vai querer ter sua campanha burilada durante semanas, colada a um post racista e preconceituoso no Twitter? Sob Musk, pipocaram notícias de empresas como Pfizer, Audi, Volkswagen e Mondelez congelando seus investimentos publicitários no Twitter. Bom lembrar que a maior receita do Twitter sempre veio e, tudo indica, sempre virá da publicidade. Musk está nadando contra a corrente: ao assumir, anunciou a intenção de vender planos e passou a jogar possíveis benefícios. O principal deles era ser verificado — por US$ 8 por mês, qualquer assinante o Twitter Blue ganharia o selinho azul.

Sem um preço claro, Musk fez sua pesquisa de mercado como qualquer executivo sério: discutindo com desconhecidos e com o escritor Stephen King no próprio Twitter. Assim que o novo Twitter Blue passou a ser vendido, gente entediada com US$ 8 sobrando na conta fingiu ser multinacionais ou governos, com selinho de verificado e tudo. Laboratórios, produtoras de bananas e até agências de governo foram falsamente personificadas e, em alguns casos, mensagens causaram prejuízos na casa dos bilhões — prejuízo, vamos lembrar, não atinge diretamente no bolso de Musk, mas é fatal que uma hora chegará já que ele mesmo acelerou o processo.

Em novembro, o próprio Musk vazou dados das equipes de moderação do Twitter e embarcou na onda da extrema-direita mais amalucada, repetindo inclusive frases e teorias QAnon, para tentar enquadrar decisões sobre moderação como um plano maligno de prejudicar Donald Trump na campanha presidencial de 2020. O chamado Twitter Files criou frenesi nas bolhas de extrema-direita online (cada vez mais o próprio Twitter), mas, após ser analisado por quem entende do delicado processo de moderação de plataformas, o conteúdo só se mostrou isso: uma plataforma tentando decidir o que infringia suas regras.

Deu certo a ideia das pessoas físicas pagando? O programador Travis Brown criou um código que tenta responder à dúvida. Seus dados mostram 12,2 mil contas de Twitter Blue se autenticando, com alguns perfis bastante famosos de extrema-direita ganhando o selinho azul. Isso dá menos de US$ 100 mil por mês. Só uma campanha de amaciante de uma multinacional rende mais.

Ao acordar todo dia, Musk se pergunta o que fará para que o Twitter e, principalmente, ele mesmo se mantenham no centro do picadeiro. A cada nova pirueta o risco de se chamuscar aumenta — para seguir chocando, é preciso fazer malabarismo com mais facas em fogo, aumentar a altura do trapézio ou tirar a rede de proteção. Enfurecido com um universitário que montou um bot avisando quando seu avião particular pousa ou decola, uma informação pública, Musk baniu não apenas a conta como suspendeu jornalistas que vinham cobrindo suas empresas há anos por supostamente publicarem o link para o monitoramento dos aviões.

Seguiram-se dias de discussões sobre liberdade de imprensa e como Musk tinha mordido a própria língua — ao assumir o Twitter, ele tinha prometido manter até seus inimigos na plataforma em nome da “liberdade de expressão” radical. Com as contas devolvidas após dias, Musk dobrou a aposta durante a final da Copa do Mundo e mudou as regras do Twitter para banir o compartilhamento de links para outras redes, o que inclui o rival direto Mastodon, o Facebook, o Instagram e por aí vai. Até quem enaltecia publicamente Musk malhou a decisão: Paul Graham, do famoso fundo Y Combinator, discordou publicamente e mencionou seu perfil no Mastodon, o que levou à suspensão da sua conta no Twitter. A decisão de Musk de banir rivais é uma afronta direta à vindoura legislação que protege a competição na União Europeia. Ou seja: punir o Twitter pela medida não deve ser difícil. Mesmo revertida a decisão, é impressionante ver ao vivo uma dinâmica tão comumente perpetrada nos bastidores, longe dos olhos de todos: o bilionário que compra um produto/serviço para achacar rivais e perseguir quem o critica. Não dá para ficar mais literal que isso.

Tal qual um acidente de trânsito, o Twitter de Musk é o tipo de tragédia da qual não se consegue tirar os olhos. A gente não quer olhar, mas é tentador demais. Eu comecei esse roteiro esperando escrever alguns parágrafos sobre Musk e, cá estamos, 3 páginas depois, eu me freando para não escrever mais, me lembrando que “calma, Guilherme, 2022 não foi só Musk”. É verdade, não foi, embora para todo lado que você olhe na tecnologia em 2022, Musk estará lá, seja nas diretas, como o Twitter, como nas indiretas.

Dois mil e vinte e dois foi o ano em que começamos a entender, fora dos círculos de tecnologia, o efeito da inteligência artificial no nosso dia a dia. A principal responsável por isso é uma startup dos Estados Unidos chamada OpenAI, fundada por seis executivos: o CEO Sam Altman4, o presidente Greg Brockman, o cientista-chefe Ilya Sutskever, a CTO Mira Murati, o COO Brad Lightcap e um sujeito chamado Elon Musk. No ano passado, a OpenAI introduziu uma tecnologia pouco comentada chamada Contrastive Language-Image Pre-training (CLIP). O CLIP é a tecnologia por trás do DALL-E2, o serviço onde você escreve uma frase e o algoritmo te devolve uma imagem com os elementos citados e no estilo pictórico pedido.

Quatro imagens de Teletubbies como se tivessem sido pintados (ou com o estilo do) Rembrandt.
Teletubbies no estilo Rembrandt. Imagens: Stable Diffusion/Reprodução.

Teletubbies no estilo de Rembrandt? É o Tchan pintado por Van Gogh? Um filhote de Fausto Silva com Cthulhu? Tudo pronto em segundos. O beta do DALL-E2 abriu em julho e foi um sucesso estrondoso — nossas timelines se encheram de imagens e memes produzidos por um robô e não demorou muito até que sites semelhantes entrassem no ar. No fim do ano, a OpenAI mostrou ao mundo o ChatGPT, um prompt onde você descreve um texto em algum estilo e o algoritmo lhe devolve um texto coerente em segundos.

Tanto o DALL-E como o ChatGPT desengatilharam discussões sobre o impacto da inteligência artificial no mercado de trabalho fora dessa nossa bolha. Produzir imagens e textos em segundos vai fatalmente substituir várias aplicações e eliminar milhões de empregos pelo mundo num ritmo muito mais acelerado do que se supunha — a OpenAI espera que o ChatGPT fature US$ 1 bilhão em 2024, logo ali. Este dinheiro todo no bolso da OpenAI estava indo, em alguma medida, para o bolso de humanos. O que será feito? O impacto laboral não é a única discussão: artistas, roteiristas e professores estão tendo que quebrar a cabeça para entender se e onde haverá este impacto. O que a Luciana Gimenez chamaria de “generative AI” mostrou seu potencial ao mundo em 2022 e não vai voltar para uma caverna.

Dois mil e vinte e dois foi péssimo para o mercado de cripto. O rei, vejam só, estava pelado mesmo. Nem o mais cético esperava um ano tão ruim para o mercado e a gente nem precisa falar da FTX ainda. Antes de Sam Bankman-Fried (SBF, para os íntimos) ser desmascarado como um picareta que enganou investidores, atletas e cantores, as criptomoedas já estavam numa situação ruim. O bitcoin perdeu 65% do seu valor desde janeiro; a grande queda ocorreu em junho, cinco meses antes da implosão da FTX. A dogecoin caiu 58%, o ethereum caiu 68%. Após estrear com o pé na porta e movimentar bilhões de dólares, os NFTs tiveram um 2022 bastante amargo: a maior plataforma de comercialização de GIF de macaco com um charuto na boca, OpenSea, viu o volume de usuários cair 99% em 3 meses. Tal qual pirâmides, só ganhou dinheiro quem entrou MUITO no comecinho. Os três NFTs que Neymar comprou em janeiro por cerca de R$ 6,48 milhões valem hoje menos de um quarto disso. Não é o primeiro atleta que tomou uma decisão de investimento que encolheu ou que tenha feito diferença na conta bancária da maioria dos compradores, mas ajuda a ilustrar o quão ruim foi o 2022 de cripto.

Teve notícias boas, claro, como o The Merge que fez com que a rede Ethereum consumisse 99% menos energia, mas são vitórias marginais perto do cataclisma total. Aí chegou novembro e o mundo descobriu que a FTX, a terceira maior exchange de criptomoedas, era um castelo de cartas prestes a desabar.

Em 2 de novembro, o CoinDesk publicou que a Alameda Research, empresa do próprio fundador da FTX, tinha uma posição muito relevante de FTT, a cripto da FTX. Uma das grandes rivais da FTX, a Binance anunciou que venderia toda sua posição de FTT, o que desencadeou uma corrida de outros investidores vendendo e clientes da FTX pedindo saques. Criou-se o que o mercado chama de crise de liquidez: com o preço da FTT em queda livre, não existia dinheiro para honrar todos os pedidos de saque. A Binance ensaiou uma aquisição, mas o due diligence se revelou algo tão assustador que a empresa desistiu.

Investigação do jornal Wall Street Journal mostrou que, com o dinheiro fluindo para a FTX, Sam Bankman-Fried pegou US$ 10 bilhões da exchange para financiar apostas arriscadas da Alameda, algo proibido pelos termos de serviço da FTX. Em dias, tanto a FTX como a Alameda quebraram e uma onda de pânico atingiu o mercado inteiro de cripto. Gente famosa e cheirosa está até hoje com centenas de milhões de dólares presos na massa falida da FTX. Celebridades que tiveram seus nomes envolvidos com a FTX, como Lebron James, Steph Curry, Gisele Bundchen e Larry David, agora são questionados sobre a responsabilidade de representar ou anunciar uma empresa com pés de barro5. O fundador da FTX foi preso nas Bahamas e deve ser extraditado para os EUA, onde responderá por crimes financeiros suficientes para passar décadas na cadeia. O nome de Sam Bankman-Fried já entrou para os livros de história como o sucessor de Bernie Madoff6. O mesmo WSJ fez outra reportagem muito boa elencando os passos da implosão, classificada pelo executivo que limpou a bagunça da Enron como pior que… a Enron.

Dois mil e vinte e dois foi excelente para o Pix, que continua a fazer sua revolução silenciosa no sistema bancário brasileiro. Em 2022, o número de transações mais que dobrou e passou do R$ 1 trilhão pela primeira vez em outubro. É um nono do PIB brasileiro. Sessenta por cento da população brasileira já usou Pix em dois anos. É um sucesso inegável. Funciona, é rápido, não custa nada e facilita a vida de todo mundo. É como toda tecnologia deveria ser.

Dois mil e vinte e dois foi um ano péssimo para aquela imagem sustentada há quase duas décadas de que o céu é o limite para a tecnologia. De que não existe teto para o crescimento. De que era questão de tempo até elas crescerem a ponto de englobar todos os setores. Embalada pela histeria provocada pela pandemia, a Big Tech bateu o cocuruto no teto:

  • A Meta conheceu a primeira queda de receita da sua história em julho, quando o balanço do segundo trimestre de 2022 mostrou uma queda de 1% na comparação com o mesmo período de 2021. Pouco, mas significativo, ainda mais que o investimento no famigerado metaverso está consumindo uma bolada sem dar frutos7.
  • Em abril, o Google registrou uma desaceleração no crescimento da sua receita. Pelos meses seguintes, a tônica foi cortar custos.
  • Em novembro, a empresa de Zuckerberg demitiu 11 mil funcionários, quase 13% da sua força de trabalho global. Não foi a única: a Amazon, cerca de 10 mil, a Microsoft, cerca de mil e até a Netflix, cujo ritmo de novos assinantes estagnou, demitiu cerca de 450.

Acostumada à abundância, a Big Tech encontrou um limite. Quem melhor definiu essa pisada no freio foi um nome não tradicionalmente associada às Big Tech: após a processadora de pagamentos Stripe demitir mais de mil funcionários em novembro, os fundadores admitiram em comunicado para os funcionários:

“Nós contratamos mais do que o necessário no mundo em que estamos. Fomos otimistas demais.”

No acumulado do ano, o cenário é ruim: as ações da Meta caíram 68%, as do Google, 39%, as da Microsoft, 28%, as da Amazon foram cortadas pela metade e as da Apple encolheram 27%, o que torna Apple e Microsoft, as rivais desde a década de 1980 que já enfrentaram todo tipo de ciclo econômico, as grandes “vencedoras” do ano. As ações da Tesla caíram 62%, mas Musk fazendo cosplay de defensor da “liberdade de expressão” radical teve um papel tão relevante quanto o cenário macroeconômico. A dúvida sobre o tema: Big Tech encontrou um teto, mas qual é a altura dele? É o teto definitivo ou ainda tem um mais alto? Voltaremos ao tempo da abundância ou a Big Tech terá que aprender a fazer mais com menos?

O Brasil não passou incólume pela ressaca: startups nacionais demitiram mais de 2 mil funcionários em 2022, segundo o Layoffs Brasil, que tabula estes dados. Quem melhor resume o cenário é Martín Escobari, copresidente do fundo General Atlantic, em entrevista ao Brazil Journal: as startups acostumadas à abundância de capital “se perderam, perderam o foco, a direção. Abriram frentes demais e criaram modelos de negócio não sustentáveis que só sobreviveriam num mundo com dinheiro grátis. Dinheiro nunca devia ter sido grátis ou quase grátis”.

Dois mil e vinte e dois foi um ano excelente para a regulamentação das plataformas. Aquela onda que vinha se formando nos últimos anos (já discutida no Tecnocracia) tomou forma de um vergalhão. Em setembro, a Câmara dos Estados Unidos aprovou lei que dá aos governos estaduais mais poder e às agências federais mais verba para processar as empresas de tecnologia por comportamento anticompetitivo. Após eleições de meio de mandato com resultados melhores que o esperado, o presidente Joe Biden colocou em prática um plano para aumentar a fervura na Big Tech. Liderado por Lina Khan, presença frequente no Tecnocracia, a FTC anunciou processo em julho para bloquear aquisição da Meta de startup focada em realidade virtual, no primeiro grande desafio regulatório à Big Tech nos EUA.

Se está apertado nos EUA, sempre mais leniente, imagina na União Europeia, que leva a questão a sério há décadas. No Reino Unido, o governo decidiu que a Meta deveria se desfazer da Giphy, comprada em 2020 por US$ 400 milhões, para proteger a competição online em anúncios digitais. “No coração do processo do FTC está a ideia de que reguladores podem aplicar leis antitruste sem esperar que o mercado esteja maduro no ponto em que esteja claro quais companhias terão mais poder. A FTC disse que tal processo era justificado já que o negócio da Meta provavelmente eliminaria a competição no jovem mercado de realidade virtual”, diz reportagem do New York Times detalhando a postura cada vez mais confrontadora de Khan. Mais uma vez: ano que vem ela será figura central a se observar, principalmente em duas áreas: publicidade digital e lojas de apps. Como resposta, a Big Tech já começou a articular ataques contra Khan. Longe está o tempo em que a Big Tech comprava quem queria, esmagava rivais e consolidava seu poder? Mais ou menos: a nova moda dos apps, o BeReal, já foi copiado não apenas pela Meta mas também pelo TikTok, cujo modelo já tinha sido copiado por YouTube e Meta. Se a ideia é dar um tapa na mão para evitar novos problemas, o tapa ainda não doeu o suficiente.

Dois mil e vinte e dois foi péssimo para os SPACs, moda nos últimos anos em tecnologia: fundos cheios de dinheiro tinham toda a estrutura pronta para fazer IPOs. Só faltava o principal: um negócio interessante. No primeiro semestre de 2021, foram 362 SPACs com preços definidos para IPO. Em 2022, o número desabou para 69, segundo estudo publicado em dezembro na Harvard Law School Forum on Corporate Governance. Principal incentivador dos SPACs, a Palantir de Peter Thiel foi arrastada por uma série de apostas avaliadas em mais de US$ 400 milhões em SPACs que nunca saíram do chão. Fica a lição: num mercado desacelerando, abrir capital de empresa com cliente já é difícil, que dirá de uma ainda se formando.

Dois mil e vinte e dois foi um ano em que a sociedade brasileira escolheu (por uma fina margem, é verdade) manter a democracia em vez de mergulhar na autocracia já sinalizada por Jair Bolsonaro. A troca de presidente é muito bem-vinda (principalmente se quem sai da cadeira é um sujeito brigando pelo posto de pior presidente da história do Brasil), mas as coisas ainda demorarão a melhorar. O papel eleitoral das plataformas se divide em dois: antes, os anúncios com fanfarra sobre os acordos fechados com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No durante, o equilíbrio entre a tradicional leniência e um certo interesse motivado por pressões externas. Não vou detalhar demais já que nós falaremos sobre o tema em 2023, mas o resumo é que houve uma preocupação inédita, o que também não é dizer muito quando sua base é próxima a zero, ao mesmo tempo em que brechas inacreditáveis seguem abertas.

Por fim, há muito a se analisar para 2023: o teto da Big Tech, a regulamentação lá fora e no Brasil, como o mercado de veículos elétricos vai se comportar, a popularização de inteligência artificial no dia a dia, um possível cansaço pelos excessos da cultura de influenciadores… A lista é longa.

Tudo isso está no radar, mas pode esperar. Há algo bem mais prioritário agora. Eu terminei a temporada passada dizendo que era bom todo mundo descansar para a pedreira que seria 2022. Tal qual a implosão do mercado de tecnologia, o que a realidade nos trouxe foi maior e mais pesado do que a mensagem sugeria. Tudo isso para dizer que descansar no fim de ano é sempre obrigatório, mas em 2022 é um pouco mais que a média.

Então descansa. Todos precisamos. Medita, dedica seu tempo a quem você ama e quem te ama de volta. Cozinha, come bem, faz exercício, transa, leia coisas boas, veja TV boa, ouve Paulinho da Viola, sai para tomar um café e ficar olhando para o nada. Limpa a cabeça. Começa de novo. Sai desta espiral que a internet coloca a gente. Alimenta a pulsão de vida. Deixa a civilidade voltar.

A gente volta em 2023 para a quinta temporada do Tecnocracia.

  1. Malibu ainda é point de rico na Califórnia?
  2. Provavelmente porque a briga jurídica que se avizinhava seria muito mais danosa aos seus bolsos do que simplesmente honrar a comprar.
  3. Por uma dessas coincidências do universo (ou não), este trecho do roteiro foi escrito horas antes da final da Copa do Mundo, presenciada in loco por Musk ao lado, veja só, do genro de Trump, Jared Kuschner.
  4. Perfilado pelo WSJ em dezembro.
  5. Há quase duas décadas aconteceu algo parecido no Brasil quando a Sadia investiu no mercado financeiro, abriu um rombo no próprio balanço e só sobreviveu por uma fusão com a Perdigão costurada pelo então governo. Nasceu ali a BRF. A história foi muito bem contada pela jornalista Consuelo Dieguez na revista Piauí de novembro de 2009.
  6. Se você quiser entender quem é o Madoff e o que ele fez, a HBO fez um filme bom (para variar) chamado O mago das mentiras, com o Robert De Niro no papel de Madoff.
  7. Aliás, uma curiosidade: os US$ 10 bilhões investidos pela Meta no metaverso representam o mesmo valor que a NASA gastou no telescópio James Webb, responsável por dar à humanidade as melhores fotos do espaço. Dois usos diametralmente opostos para a mesma cifra.

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Dois mil e vinte e dois não foi um ano bom para aquela sensação tecno-utópica que nos tomou nas últimas duas décadas. Quem defende a certeza quase religiosa de que tecnologia só serve para o bem teve que dar piruetas argumentativas dignas de Daiane dos Santos. Por outro lado, quem encara a questão com ceticismo — eu e toda a galera envolvida no Manual do Usuário — termina o ano com uma sensação de surpresa, de não esperar algumas implosões tão rápidas e definitivas como vistas em 2022.

No começo do ano, os céticos não fomos apocalípticos o suficiente. No 13º e último episódio da quarta temporada do Tecnocracia, a gente vai fazer, como já é padrão, uma retrospectiva do ano para entender para onde a tecnologia caminha em 2023. Todo recorte temporal é feito de resultados bons e ruins. É no saldo que a gente consegue ter um panorama e entender aonde o ponteiro está apontando.

Eu sou o Guilherme Felitti. O Tecnocracia está na campanha de financiamento coletiva do Manual do Usuário — a partir de R$ 16 por mês ou R$ 179 por ano, você entra no grupo fechado no Telegram, ganha adesivos e do Manual e participa do Balcão, o programa ao vivo.

Dois mil e vinte e dois foi um péssimo ano para a ideia de que inovadores são geniais em todos seus empreendimentos. O descarrilamento que se tornou a aquisição do Twitter por Elon Musk se explica por duas histórias de origem. De um lado, o Twitter faz parte das plataformas que atraíram milhões de usuários há mais de uma década permitindo que você se expressasse como quisesse, mas, ao contrário do Facebook e do YouTube, nunca foi capaz de transformar essa manada em lucro enorme e crescente.

O peso que o Twitter sempre teve no debate público, principalmente pela plataforma ter se tornado a favorita de pesquisadores, jornalistas e políticos, nunca se refletiu em seus balanços trimestrais. Relevante e incapaz de se tornar muito lucrativo, o Twitter virou um alvo saboroso para aquisição.

Por outro lado, Elon Musk passou os últimos 15 anos cultivando a imagem de grande disruptor pós-Steve Jobs, de Homem de Ferro da vida real. Há respaldo para essa imagem — os investimentos na Tesla e na SpaceX feitos há 20 anos, quando carros elétricos e companhias privadas de foguetes espaciais pareciam mais delírios que modelos de negócio viáveis, são casos a serem estudados por décadas em escolas de negócios, principalmente quando consideramos que Musk fez ambas ao mesmo tempo. Após passar pela prova de fogo simultânea de garantir que a SpaceX era confiável o suficiente para colocar seguidos satélites em órbita reaproveitando seus foguetes e garantir que a Tesla conseguiria fabricar veículos atraentes e funcionais para competir com montadoras estabelecidas, Musk deitou em berço esplêndido e acreditou nas capas de revista que lhe conferiam um dom quase sagrado de “inovar”, independente do que essa palavra signifique a essa altura do campeonato.

Faltou ao sul-africano lembrar as sábias palavras que o Chuck D e o Flavor Flav disseram em 1988: “don’t believe the hype”, algo que Luciana Gimenez traduziria como “não acredite na empolgação em torno de si, bonitinho”. Musk acreditou e, tal qual a SoftBank depois de acertar na loteria com o Alibaba (falamos no Tecnocracia #21), achou que qualquer coisa que fizesse seria um sucesso estrondoso. Validado pelo sucesso comercial dos seus empreendimentos, enaltecido como inovador e observado de perto por todo o mercado, Musk começou a dar vazão a ideias em transporte que, na teoria, pareciam esdrúxulas, mas acabavam sendo financiadas do mesmo jeito. “Viu o que o sujeito fez com carros elétricos e foguetes privados? Ele sabe o que está fazendo”, diriam os muskistas. Nasceu a The Boring Company, um sistema de túneis que resolveria o problema do trânsito, mas que em vez disso só o levou para debaixo da terra. Milhões de dólares no lixo, mas, após fazer o que fez com Tesla e SpaceX, não ia ser uma cagada desse calibre que arranharia a imagem de visionário construída por — e para — Musk.

Com a conta cheia graças à hiper-valorização dos papéis da Tesla, os negócios no modo piloto automático e uma posição política que se aproximava perigosamente do libertarianismo mais simplista que engana a molecada recém saída da Farinha Láctea no Brasil, Musk parece ter decidido a descobrir quantas patetices poderia fazer até que sua imagem de grande inovador e mestre dos negócios fosse arranhada. Vendo o Twitter dando sopa, um serviço em que parece ser viciado, Musk vendeu alguns bilhões em ações da Tesla e estruturou um financiamento polpudo para inteirar os US$ 44 bilhões anunciados junto à sua intenção de comprar a plataforma em março.

Sua avó já diria que o começa mal não tem como continuar de outra forma e não existe um ditado popular melhor para ilustrar a tragédia que tem sido o Twitter sob Musk: a antiga direção aceitou a proposta e, após um processo de due diligence ou um ataque de pirraça, Musk acusou publicamente o Twitter — o alvo da sua compra — de forjar dados sobre bots na plataforma. Seguiu-se uma briga pública entre os dois lados, amarrados pelos tais US$ 44 billhões: Musk parecendo querer romper o contrato e a antiga gestão lhe dizendo sim para tudo como forma de se livrarem do pepino ao mesmo tempo em que embolsavam uma bolada que financiaria algumas casas de praia nos Hamptons ou em Malibu1. Que nem aquele namoro dos seus amigos que você já falou para ambos que era bom terminar em nome da sanidade mental coletiva, Twitter e Musk ficaram num tango entre acusações, notificações, advogados ganhando dinheiro e o público assistindo em choque. Tudo indicava que os dois lados resolveriam na Justiça quando, em outubro, Musk mudou de ideia2 e confirmou o negócio.

Assim que Musk assumiu oficialmente no Twitter, o assunto dominou a cobertura tecnológica não pela inovação, mas pelo crescente teor do bizarro. Começou o show do Musk, calcado na premissa da “liberdade de expressão” absoluta. O Twitter era apenas um pano de fundo, o cenário onde um bilionário que se acha um gênio ia, diariamente, assustando anunciantes, enfurecendo funcionários, alienando pares do mercado de tecnologia (mesmo gente que endeusava Musk) e roubando toda atenção da cobertura de tecnologia para si mesmo, um outro ponto de contato com Trump3

Com os dois pés afundados na certeza do liberalismo simplista (sempre tão teórico, tão “olha como é fácil”), Musk demitiu milhares de funcionários pelo mundo, desmontou conselhos que discutiam moderação e ética, simplificou a arquitetura do produto tirando do ar microsserviços fundamentais, como o que escangalhou a autenticação 2FA, e decidiu pelo retorno de usuários banidos em uma votação. Os lambedores aprovavam todas as decisões de Musk, embalando-as sempre com interpretações positivas: como a desativação dos microsserviços manteve o Twitter rodando em curto prazo, muitos se uniram questionando, entre a ironia e o julgamento, “o que estas pessoas e estes serviços faziam de tão importante?” Em notícias relacionadas, se você demitir toda a divisão de infraestrutura de uma cidade, os encanamentos, fiação elétrica e estradas seguirão a funcionar normalmente até que o desgaste do uso (que, ao contrário dos problemas de física do colegial, seguem a existir) romperá fios, entupirá canos e rachará asfalto. Nesse momento, onde estará a manutenção? Já trabalhando em outros lugares, sem um chefe maníaco.

Pela lógica de Musk, seu show é um sucesso — pelo menos pelas métricas que ele segue compartilhando no Twitter, como número de usuários ativos diários. Mas e o dinheiro? O afrouxamento das políticas de moderação aliado ao restabelecimento de contas banidas, tudo dentro daquela premissa da “liberdade de expressão” radical, deu a extremistas, racistas e preconceituosos de toda estirpe um sinal verde no novo Twitter. Estudo do Network Contagion Research Institute mostrou que as menções à N-word, termo em inglês profundamente racista, aumentaram 500% após Musk assumir o negócio e desmontar o sistema de moderação que existia antes.

Que empresa vai querer ter sua campanha burilada durante semanas, colada a um post racista e preconceituoso no Twitter? Sob Musk, pipocaram notícias de empresas como Pfizer, Audi, Volkswagen e Mondelez congelando seus investimentos publicitários no Twitter. Bom lembrar que a maior receita do Twitter sempre veio e, tudo indica, sempre virá da publicidade. Musk está nadando contra a corrente: ao assumir, anunciou a intenção de vender planos e passou a jogar possíveis benefícios. O principal deles era ser verificado — por US$ 8 por mês, qualquer assinante o Twitter Blue ganharia o selinho azul.

Sem um preço claro, Musk fez sua pesquisa de mercado como qualquer executivo sério: discutindo com desconhecidos e com o escritor Stephen King no próprio Twitter. Assim que o novo Twitter Blue passou a ser vendido, gente entediada com US$ 8 sobrando na conta fingiu ser multinacionais ou governos, com selinho de verificado e tudo. Laboratórios, produtoras de bananas e até agências de governo foram falsamente personificadas e, em alguns casos, mensagens causaram prejuízos na casa dos bilhões — prejuízo, vamos lembrar, não atinge diretamente no bolso de Musk, mas é fatal que uma hora chegará já que ele mesmo acelerou o processo.

Em novembro, o próprio Musk vazou dados das equipes de moderação do Twitter e embarcou na onda da extrema-direita mais amalucada, repetindo inclusive frases e teorias QAnon, para tentar enquadrar decisões sobre moderação como um plano maligno de prejudicar Donald Trump na campanha presidencial de 2020. O chamado Twitter Files criou frenesi nas bolhas de extrema-direita online (cada vez mais o próprio Twitter), mas, após ser analisado por quem entende do delicado processo de moderação de plataformas, o conteúdo só se mostrou isso: uma plataforma tentando decidir o que infringia suas regras.

Deu certo a ideia das pessoas físicas pagando? O programador Travis Brown criou um código que tenta responder à dúvida. Seus dados mostram 12,2 mil contas de Twitter Blue se autenticando, com alguns perfis bastante famosos de extrema-direita ganhando o selinho azul. Isso dá menos de US$ 100 mil por mês. Só uma campanha de amaciante de uma multinacional rende mais.

Ao acordar todo dia, Musk se pergunta o que fará para que o Twitter e, principalmente, ele mesmo se mantenham no centro do picadeiro. A cada nova pirueta o risco de se chamuscar aumenta — para seguir chocando, é preciso fazer malabarismo com mais facas em fogo, aumentar a altura do trapézio ou tirar a rede de proteção. Enfurecido com um universitário que montou um bot avisando quando seu avião particular pousa ou decola, uma informação pública, Musk baniu não apenas a conta como suspendeu jornalistas que vinham cobrindo suas empresas há anos por supostamente publicarem o link para o monitoramento dos aviões.

Seguiram-se dias de discussões sobre liberdade de imprensa e como Musk tinha mordido a própria língua — ao assumir o Twitter, ele tinha prometido manter até seus inimigos na plataforma em nome da “liberdade de expressão” radical. Com as contas devolvidas após dias, Musk dobrou a aposta durante a final da Copa do Mundo e mudou as regras do Twitter para banir o compartilhamento de links para outras redes, o que inclui o rival direto Mastodon, o Facebook, o Instagram e por aí vai. Até quem enaltecia publicamente Musk malhou a decisão: Paul Graham, do famoso fundo Y Combinator, discordou publicamente e mencionou seu perfil no Mastodon, o que levou à suspensão da sua conta no Twitter. A decisão de Musk de banir rivais é uma afronta direta à vindoura legislação que protege a competição na União Europeia. Ou seja: punir o Twitter pela medida não deve ser difícil. Mesmo revertida a decisão, é impressionante ver ao vivo uma dinâmica tão comumente perpetrada nos bastidores, longe dos olhos de todos: o bilionário que compra um produto/serviço para achacar rivais e perseguir quem o critica. Não dá para ficar mais literal que isso.

Tal qual um acidente de trânsito, o Twitter de Musk é o tipo de tragédia da qual não se consegue tirar os olhos. A gente não quer olhar, mas é tentador demais. Eu comecei esse roteiro esperando escrever alguns parágrafos sobre Musk e, cá estamos, 3 páginas depois, eu me freando para não escrever mais, me lembrando que “calma, Guilherme, 2022 não foi só Musk”. É verdade, não foi, embora para todo lado que você olhe na tecnologia em 2022, Musk estará lá, seja nas diretas, como o Twitter, como nas indiretas.

Dois mil e vinte e dois foi o ano em que começamos a entender, fora dos círculos de tecnologia, o efeito da inteligência artificial no nosso dia a dia. A principal responsável por isso é uma startup dos Estados Unidos chamada OpenAI, fundada por seis executivos: o CEO Sam Altman4, o presidente Greg Brockman, o cientista-chefe Ilya Sutskever, a CTO Mira Murati, o COO Brad Lightcap e um sujeito chamado Elon Musk. No ano passado, a OpenAI introduziu uma tecnologia pouco comentada chamada Contrastive Language-Image Pre-training (CLIP). O CLIP é a tecnologia por trás do DALL-E2, o serviço onde você escreve uma frase e o algoritmo te devolve uma imagem com os elementos citados e no estilo pictórico pedido.

Quatro imagens de Teletubbies como se tivessem sido pintados (ou com o estilo do) Rembrandt.
Teletubbies no estilo Rembrandt. Imagens: Stable Diffusion/Reprodução.

Teletubbies no estilo de Rembrandt? É o Tchan pintado por Van Gogh? Um filhote de Fausto Silva com Cthulhu? Tudo pronto em segundos. O beta do DALL-E2 abriu em julho e foi um sucesso estrondoso — nossas timelines se encheram de imagens e memes produzidos por um robô e não demorou muito até que sites semelhantes entrassem no ar. No fim do ano, a OpenAI mostrou ao mundo o ChatGPT, um prompt onde você descreve um texto em algum estilo e o algoritmo lhe devolve um texto coerente em segundos.

Tanto o DALL-E como o ChatGPT desengatilharam discussões sobre o impacto da inteligência artificial no mercado de trabalho fora dessa nossa bolha. Produzir imagens e textos em segundos vai fatalmente substituir várias aplicações e eliminar milhões de empregos pelo mundo num ritmo muito mais acelerado do que se supunha — a OpenAI espera que o ChatGPT fature US$ 1 bilhão em 2024, logo ali. Este dinheiro todo no bolso da OpenAI estava indo, em alguma medida, para o bolso de humanos. O que será feito? O impacto laboral não é a única discussão: artistas, roteiristas e professores estão tendo que quebrar a cabeça para entender se e onde haverá este impacto. O que a Luciana Gimenez chamaria de “generative AI” mostrou seu potencial ao mundo em 2022 e não vai voltar para uma caverna.

Dois mil e vinte e dois foi péssimo para o mercado de cripto. O rei, vejam só, estava pelado mesmo. Nem o mais cético esperava um ano tão ruim para o mercado e a gente nem precisa falar da FTX ainda. Antes de Sam Bankman-Fried (SBF, para os íntimos) ser desmascarado como um picareta que enganou investidores, atletas e cantores, as criptomoedas já estavam numa situação ruim. O bitcoin perdeu 65% do seu valor desde janeiro; a grande queda ocorreu em junho, cinco meses antes da implosão da FTX. A dogecoin caiu 58%, o ethereum caiu 68%. Após estrear com o pé na porta e movimentar bilhões de dólares, os NFTs tiveram um 2022 bastante amargo: a maior plataforma de comercialização de GIF de macaco com um charuto na boca, OpenSea, viu o volume de usuários cair 99% em 3 meses. Tal qual pirâmides, só ganhou dinheiro quem entrou MUITO no comecinho. Os três NFTs que Neymar comprou em janeiro por cerca de R$ 6,48 milhões valem hoje menos de um quarto disso. Não é o primeiro atleta que tomou uma decisão de investimento que encolheu ou que tenha feito diferença na conta bancária da maioria dos compradores, mas ajuda a ilustrar o quão ruim foi o 2022 de cripto.

Teve notícias boas, claro, como o The Merge que fez com que a rede Ethereum consumisse 99% menos energia, mas são vitórias marginais perto do cataclisma total. Aí chegou novembro e o mundo descobriu que a FTX, a terceira maior exchange de criptomoedas, era um castelo de cartas prestes a desabar.

Em 2 de novembro, o CoinDesk publicou que a Alameda Research, empresa do próprio fundador da FTX, tinha uma posição muito relevante de FTT, a cripto da FTX. Uma das grandes rivais da FTX, a Binance anunciou que venderia toda sua posição de FTT, o que desencadeou uma corrida de outros investidores vendendo e clientes da FTX pedindo saques. Criou-se o que o mercado chama de crise de liquidez: com o preço da FTT em queda livre, não existia dinheiro para honrar todos os pedidos de saque. A Binance ensaiou uma aquisição, mas o due diligence se revelou algo tão assustador que a empresa desistiu.

Investigação do jornal Wall Street Journal mostrou que, com o dinheiro fluindo para a FTX, Sam Bankman-Fried pegou US$ 10 bilhões da exchange para financiar apostas arriscadas da Alameda, algo proibido pelos termos de serviço da FTX. Em dias, tanto a FTX como a Alameda quebraram e uma onda de pânico atingiu o mercado inteiro de cripto. Gente famosa e cheirosa está até hoje com centenas de milhões de dólares presos na massa falida da FTX. Celebridades que tiveram seus nomes envolvidos com a FTX, como Lebron James, Steph Curry, Gisele Bundchen e Larry David, agora são questionados sobre a responsabilidade de representar ou anunciar uma empresa com pés de barro5. O fundador da FTX foi preso nas Bahamas e deve ser extraditado para os EUA, onde responderá por crimes financeiros suficientes para passar décadas na cadeia. O nome de Sam Bankman-Fried já entrou para os livros de história como o sucessor de Bernie Madoff6. O mesmo WSJ fez outra reportagem muito boa elencando os passos da implosão, classificada pelo executivo que limpou a bagunça da Enron como pior que… a Enron.

Dois mil e vinte e dois foi excelente para o Pix, que continua a fazer sua revolução silenciosa no sistema bancário brasileiro. Em 2022, o número de transações mais que dobrou e passou do R$ 1 trilhão pela primeira vez em outubro. É um nono do PIB brasileiro. Sessenta por cento da população brasileira já usou Pix em dois anos. É um sucesso inegável. Funciona, é rápido, não custa nada e facilita a vida de todo mundo. É como toda tecnologia deveria ser.

Dois mil e vinte e dois foi um ano péssimo para aquela imagem sustentada há quase duas décadas de que o céu é o limite para a tecnologia. De que não existe teto para o crescimento. De que era questão de tempo até elas crescerem a ponto de englobar todos os setores. Embalada pela histeria provocada pela pandemia, a Big Tech bateu o cocuruto no teto:

  • A Meta conheceu a primeira queda de receita da sua história em julho, quando o balanço do segundo trimestre de 2022 mostrou uma queda de 1% na comparação com o mesmo período de 2021. Pouco, mas significativo, ainda mais que o investimento no famigerado metaverso está consumindo uma bolada sem dar frutos7.
  • Em abril, o Google registrou uma desaceleração no crescimento da sua receita. Pelos meses seguintes, a tônica foi cortar custos.
  • Em novembro, a empresa de Zuckerberg demitiu 11 mil funcionários, quase 13% da sua força de trabalho global. Não foi a única: a Amazon, cerca de 10 mil, a Microsoft, cerca de mil e até a Netflix, cujo ritmo de novos assinantes estagnou, demitiu cerca de 450.

Acostumada à abundância, a Big Tech encontrou um limite. Quem melhor definiu essa pisada no freio foi um nome não tradicionalmente associada às Big Tech: após a processadora de pagamentos Stripe demitir mais de mil funcionários em novembro, os fundadores admitiram em comunicado para os funcionários:

“Nós contratamos mais do que o necessário no mundo em que estamos. Fomos otimistas demais.”

No acumulado do ano, o cenário é ruim: as ações da Meta caíram 68%, as do Google, 39%, as da Microsoft, 28%, as da Amazon foram cortadas pela metade e as da Apple encolheram 27%, o que torna Apple e Microsoft, as rivais desde a década de 1980 que já enfrentaram todo tipo de ciclo econômico, as grandes “vencedoras” do ano. As ações da Tesla caíram 62%, mas Musk fazendo cosplay de defensor da “liberdade de expressão” radical teve um papel tão relevante quanto o cenário macroeconômico. A dúvida sobre o tema: Big Tech encontrou um teto, mas qual é a altura dele? É o teto definitivo ou ainda tem um mais alto? Voltaremos ao tempo da abundância ou a Big Tech terá que aprender a fazer mais com menos?

O Brasil não passou incólume pela ressaca: startups nacionais demitiram mais de 2 mil funcionários em 2022, segundo o Layoffs Brasil, que tabula estes dados. Quem melhor resume o cenário é Martín Escobari, copresidente do fundo General Atlantic, em entrevista ao Brazil Journal: as startups acostumadas à abundância de capital “se perderam, perderam o foco, a direção. Abriram frentes demais e criaram modelos de negócio não sustentáveis que só sobreviveriam num mundo com dinheiro grátis. Dinheiro nunca devia ter sido grátis ou quase grátis”.

Dois mil e vinte e dois foi um ano excelente para a regulamentação das plataformas. Aquela onda que vinha se formando nos últimos anos (já discutida no Tecnocracia) tomou forma de um vergalhão. Em setembro, a Câmara dos Estados Unidos aprovou lei que dá aos governos estaduais mais poder e às agências federais mais verba para processar as empresas de tecnologia por comportamento anticompetitivo. Após eleições de meio de mandato com resultados melhores que o esperado, o presidente Joe Biden colocou em prática um plano para aumentar a fervura na Big Tech. Liderado por Lina Khan, presença frequente no Tecnocracia, a FTC anunciou processo em julho para bloquear aquisição da Meta de startup focada em realidade virtual, no primeiro grande desafio regulatório à Big Tech nos EUA.

Se está apertado nos EUA, sempre mais leniente, imagina na União Europeia, que leva a questão a sério há décadas. No Reino Unido, o governo decidiu que a Meta deveria se desfazer da Giphy, comprada em 2020 por US$ 400 milhões, para proteger a competição online em anúncios digitais. “No coração do processo do FTC está a ideia de que reguladores podem aplicar leis antitruste sem esperar que o mercado esteja maduro no ponto em que esteja claro quais companhias terão mais poder. A FTC disse que tal processo era justificado já que o negócio da Meta provavelmente eliminaria a competição no jovem mercado de realidade virtual”, diz reportagem do New York Times detalhando a postura cada vez mais confrontadora de Khan. Mais uma vez: ano que vem ela será figura central a se observar, principalmente em duas áreas: publicidade digital e lojas de apps. Como resposta, a Big Tech já começou a articular ataques contra Khan. Longe está o tempo em que a Big Tech comprava quem queria, esmagava rivais e consolidava seu poder? Mais ou menos: a nova moda dos apps, o BeReal, já foi copiado não apenas pela Meta mas também pelo TikTok, cujo modelo já tinha sido copiado por YouTube e Meta. Se a ideia é dar um tapa na mão para evitar novos problemas, o tapa ainda não doeu o suficiente.

Dois mil e vinte e dois foi péssimo para os SPACs, moda nos últimos anos em tecnologia: fundos cheios de dinheiro tinham toda a estrutura pronta para fazer IPOs. Só faltava o principal: um negócio interessante. No primeiro semestre de 2021, foram 362 SPACs com preços definidos para IPO. Em 2022, o número desabou para 69, segundo estudo publicado em dezembro na Harvard Law School Forum on Corporate Governance. Principal incentivador dos SPACs, a Palantir de Peter Thiel foi arrastada por uma série de apostas avaliadas em mais de US$ 400 milhões em SPACs que nunca saíram do chão. Fica a lição: num mercado desacelerando, abrir capital de empresa com cliente já é difícil, que dirá de uma ainda se formando.

Dois mil e vinte e dois foi um ano em que a sociedade brasileira escolheu (por uma fina margem, é verdade) manter a democracia em vez de mergulhar na autocracia já sinalizada por Jair Bolsonaro. A troca de presidente é muito bem-vinda (principalmente se quem sai da cadeira é um sujeito brigando pelo posto de pior presidente da história do Brasil), mas as coisas ainda demorarão a melhorar. O papel eleitoral das plataformas se divide em dois: antes, os anúncios com fanfarra sobre os acordos fechados com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No durante, o equilíbrio entre a tradicional leniência e um certo interesse motivado por pressões externas. Não vou detalhar demais já que nós falaremos sobre o tema em 2023, mas o resumo é que houve uma preocupação inédita, o que também não é dizer muito quando sua base é próxima a zero, ao mesmo tempo em que brechas inacreditáveis seguem abertas.

Por fim, há muito a se analisar para 2023: o teto da Big Tech, a regulamentação lá fora e no Brasil, como o mercado de veículos elétricos vai se comportar, a popularização de inteligência artificial no dia a dia, um possível cansaço pelos excessos da cultura de influenciadores… A lista é longa.

Tudo isso está no radar, mas pode esperar. Há algo bem mais prioritário agora. Eu terminei a temporada passada dizendo que era bom todo mundo descansar para a pedreira que seria 2022. Tal qual a implosão do mercado de tecnologia, o que a realidade nos trouxe foi maior e mais pesado do que a mensagem sugeria. Tudo isso para dizer que descansar no fim de ano é sempre obrigatório, mas em 2022 é um pouco mais que a média.

Então descansa. Todos precisamos. Medita, dedica seu tempo a quem você ama e quem te ama de volta. Cozinha, come bem, faz exercício, transa, leia coisas boas, veja TV boa, ouve Paulinho da Viola, sai para tomar um café e ficar olhando para o nada. Limpa a cabeça. Começa de novo. Sai desta espiral que a internet coloca a gente. Alimenta a pulsão de vida. Deixa a civilidade voltar.

A gente volta em 2023 para a quinta temporada do Tecnocracia.

  1. Malibu ainda é point de rico na Califórnia?
  2. Provavelmente porque a briga jurídica que se avizinhava seria muito mais danosa aos seus bolsos do que simplesmente honrar a comprar.
  3. Por uma dessas coincidências do universo (ou não), este trecho do roteiro foi escrito horas antes da final da Copa do Mundo, presenciada in loco por Musk ao lado, veja só, do genro de Trump, Jared Kuschner.
  4. Perfilado pelo WSJ em dezembro.
  5. Há quase duas décadas aconteceu algo parecido no Brasil quando a Sadia investiu no mercado financeiro, abriu um rombo no próprio balanço e só sobreviveu por uma fusão com a Perdigão costurada pelo então governo. Nasceu ali a BRF. A história foi muito bem contada pela jornalista Consuelo Dieguez na revista Piauí de novembro de 2009.
  6. Se você quiser entender quem é o Madoff e o que ele fez, a HBO fez um filme bom (para variar) chamado O mago das mentiras, com o Robert De Niro no papel de Madoff.
  7. Aliás, uma curiosidade: os US$ 10 bilhões investidos pela Meta no metaverso representam o mesmo valor que a NASA gastou no telescópio James Webb, responsável por dar à humanidade as melhores fotos do espaço. Dois usos diametralmente opostos para a mesma cifra.

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