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S04E19 – O Baralho do Diabo (.doc #3)

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O MTGC de hoje é um documentário para entender como o Magic, os RPGs e outros card games ganharam a fama de jogos demoníacos, que causavam rituais envolvendo a morte de jogadores.

Antes do spot e, para não perder o aviso importante: Fica em casa. A COVID-19 já matou 10 mil brasileiros e, se você pode ficar em casa, esse vai ser o melhor jeito de evitar uma tragédia em proporções inimagináveis.

A quarta temporada do MTGC é patrocinada pela BurnMana

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O MTGC também é trazido até você pelos padrinhos! Acesse www.padrim.com.br/mtgc e saiba como ajudar o projeto a se manter! Esses são os padrinhos nos níveis a partir do Evangelizador do Magic:

Cícero Augusto
Diego Leão Diniz
Dennys Garcia
Filipe Santiago Augusto
Pedro Augusto Gregory

Créditos deste episódio:

Este episódio do MTGC foi gravado, produzido e editado por mim, Vinícius Weizenmann. O roteiro e a pesquisa também foram feitas por mim. A participação é do Raphael do Fagulhando.

As trilhas são do Felipe Martinelli, do canal Puressência no Youtube. A vinheta de abertura foi feita pelo Guilherme Borba.

Referências para a composição da pesquisa e roteiro:

https://www.vice.com/pt_br/article/yw8pqk/o-que-gilberto-barros-e-o-baralho-do-demonio-nos-dizem-sobre-a-era-bolsonaro

https://www.youtube.com/watch?v=-pdlqYPPri0

https://renatoamadopeixoto.blogspot.com/2013/01/o-demonio-no-rpg.html

https://www.omelete.com.br/series-tv/yu-gi-oh-baralho-do-diabo-polemica-anos-2000

https://magic.wizards.com/en/articles/archive/making-magic/where-have-all-demons-gone-2004-07-05

https://magic.wizards.com/en/articles/archive/god-and-gaming-1999-11-12

https://www.pojo.com/magic/StrategyGuide/2003/Jan2003/Jan%2017-2003/Is%20Magic%20Really%20Evil%20-%20Robert%20Overton.htm

http://logosresourcepages.org/Occult/magic-g.htm#THE%20EVIL%20OF%20MAGIC:%20THE%20GATHERING

https://www.chicagotribune.com/news/ct-xpm-1998-01-09-9801090220-story.html

http://www.ptgptb.org/0006/egbert.html

https://www.bbc.com/news/magazine-26328105

nytimes.com/2016/04/18/us/when-dungeons-dragons-set-off-a-moral-panic.html

https://www.youtube.com/watch?v=ATUpSPj0x-c

https://www.youtube.com/watch?v=aTHNW4_LUQA&t=2s

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Ficha Técnica:

Microfone:

Audio-Technica ATR2500-USB

Software para gravação:

Audacity

Software para edição:

Audacity

Trilha sonora:

Vinheta de introdução feita como cortesia por Guilherme Borba especialmente para o MTGC.

– Tracks criadas especialmente para o MTGC pelo Felipe Martinelli do canal Puressência

Transcrição do episódio:

“O Baralho do diabo”

  1. O início das controvérsias com o RPG

Falar de como o Magic e os card games em geral se envolveram em controvérsias sobre a possibilidade de haver ligações satânicas com os jogos nos obriga a explorar um pouco mais sobre como este conceito foi atrelado, primeiramente, ao RPG.

Por isso, a ideia deste episódio é explorar mais a fundo de onde surgiu a ideia de atrelar os jogos a tais práticas, tal qual discutir como isso implica no fato de que o Magic e também os RPGs e outros card games, podem ser enquadrados como fenômenos culturais de mídia.

Porém, antes de o conceito de Trading Card Games sequer existir, os RPGs, principalmente o D&D, se popularizavam e também ganhavam famas indesejadas.

Os RPGs e os Card Games importaram para si figuras arquetípicas de mitologias e ambientes de fantasia. Nestes meios, a figura de demônios é de grande presença, seja em livros como O Senhor dos Anéis ou em mitologia antigas, sempre há figuras que representam um mal e que são descrita como conhecemos demônios.

Os demônios são figuras características e que trazem consigo diversos elementos interessantes às narrativas do RPG ou ao storytelling que uma mesa de Magic tem. E, não pode-se negar que a presença destes demônios, tal qual suas ilustrações, nos manuais dos livros de RPG contribuíram para que uma campanha de desinformação baseada na ignorância sobre os jogos se criasse no mundo inteiro.

Para exemplificar o que aconteceu, principalmente na década de 80 nos Estados Unidos, eu separei um caso específico de histeria em torno do RPG e sua possível ligação com rituais satânicos e/ou o descolamento de jogadores com a realidade.

  • James Dallas Egbert III

[disclaimer] Essa parte do podcast contêm histórias que podem conter gatilhos para suicídio. Se você quiser evitar esta história, continue ouvindo este podcast a partir do minuto xx:xx [/disclaimer]

O caso do desaparecimento de James Dallas Egbert III foi o primeiro caso amplamente noticiado de um mistério envolvendo um jogador de RPG em que o jogo foi colocado no centro das discussões.

Em 1979, cinco anos após o lançamento do primeiro RPG, o D&D, Egbert tinha 16 anos e estudava na universidade de Michigan State. Ele era considerado uma criança super-dotada e tinha grandes conhecimentos na área das ciências da computação. Certa noite, ele não foi encontrado em seu quarto nos dormitórios da universidade, o que fez com que sua família contratasse um detetive particular para investigar o caso, o detetive Willian C. Dear para investigar o que poderia ter acontecido com James.

A verdade é que, mesmo James sendo menor de idade, seus pais foram avisados de seu desaparecimento apenas 5 dias após o ocorrido. Para realizar tal investigação, o detetive particular Dear vistoriou o quarto de James na universidade e encontrou duas principais coisas que o levaram a próximos passos na investigação: Um livro de D&D e um mural onde os alfinetes estavam presos para formar um mapa.

Amigos de James comentaram que eles usavam os túneis de vapor subterrâneos de uma usina da faculdade como um lugar para jogar uma versão adaptada de D&D para Live Action, e que também estavam mapeando os túneis para utilizar como base para mapas em seus jogos.

O fato de James ser um jogador bastante investido em D&D ofuscou do detetive algumas outras informações importantes. James encarava problemas sérios de saúde mental, principalmente a depressão, além de ter um vício em drogas. Estes aspectos foram deixados de lado, a ponto que o D&D e os túneis de vapor se tornaram a pista principal da investigação.

Isto chamou atenção da mídia que cobriu a busca por James de forma incessante, batendo na tecla repetidas vezes de que o principal culpado de tudo isso seria uma sessão de D&D que teria dado errado e argumentando que o jogo tiraria seus jogadores da realidade, fazendo-os agir de formas não desejadas.

Este foco no D&D, que era uma novidade ainda à época, ofuscou fatos importantes sobre James. Psicólogos da universidade em que ele cursava alegaram que a sua depressão poderia vir de pressões de seus pais, visto que James era tido como um gênio, um prodígio. Três dias antes de seu desaparecimento, James ligou para sua mãe e contou, animado, sobre a nota 3,5 que ele havia recebido em um curso. Sua mãe falou que ele deveria ter recebido um 4 (maior nota possível).

Porém, com a busca por James levando perto de um mês, o assunto de que um jogo havia causado o desaparecimento de um garoto de 16 anos pegou força nos Estados Unidos e, o público geral, passou a atrelar essa característica ao jogo. Soma-se a isso o fato de que os jornais ligavam o D&D também a práticas de bruxaria e demonologia, o que trouxe um fundamentalismo religioso à tona nas discussões.

James foi achado em New Orleans, após duas tentativas de suicídio. Ele se escondeu em casas de amigos até que foi convencido a ligar para o detetive. Sua fuga não tinha nenhuma relação com o D&D, mas sim com seus outros problemas: Vício em drogas, pressão dos pais e depressão. Logo após isso, James largou a faculdade e passou a trabalhar em uma das lojas de seu pai. Em 1980, um ano após os acontecimentos, James foi achado morto, vítima de um suicídio, visto que sua depressão só havia piorado.

O caso de James Dallas Egbert III foi o primeiro caso que trouxe à tona uma controvérsia envolvendo RPG. Por mais que todo o caso e sua posterior morte não tenham relação alguma com o D&D, a cobertura sensacionalista da mídia sobre o caso propagou esta ideia sobre o jogo para as massas. A partir deste caso, diversos outros surgiram e se criou o que se chama de um estado de Pânico Moral nos Estados Unidos, ligando constantemente o RPG à bruxaria, rituais de magia negra e demonologia.

Além disso, o caso de James inspirou um livro e posterior filme de ficção chamado Mazes and Monsters. O filme, inclusive, é estrelado por um jovem Tom Hanks. Tudo isso como mostra do pânico que tomou conta da sociedade americana em volta dos RPGs

  • Moral Panic e ligações com bruxaria e demonologia

Após um outro caso de um jogador de D&D cometendo suicídio que, posteriormente, fora ligado também a sérios problemas de saúde mental, a mãe deste jogador estava convencida de que a morte do seu filho tinha um culpado: O RPG.

[volta do gatilho de suicídio] Ela então criou a BADD [Bothered About Dungeons and Dragons], uma organização que buscou, por meio de veículos de mídia voltados ao público cristão e, posteriormente, por meio de veículos de mídia de massa, provar que o D&D era a causa de problemas, fazendo ligações do RPG com Demonologia, bruxaria, voodoo, assassinato, violentação sexual, Suicídio, insanidade, invocações demoníacas, divinações entre outros “ensinamentos”

Esta campanha pegou carona no pânico moral criado em torno do RPG e se instalou como senso comum para grande parte da população. O fato é que o RPG era uma novidade em um mundo muito menos conectado que o que temos hoje. O fundamentalismo religioso tomou grande papel nessa campanha de difamação do D&D que levou o jogo a ser conhecido por muitos e odiado por muitos outros.

A partir de então, personalidades do meio religioso passaram a afirmar que o D&D era uma porta de entrada para demônios na cabeça dos mais novos, além de dizer que, durante as sessões de jogo, aconteciam possessões demoníacas e invocações de entidades.

Estes conceitos se entrelaçaram com o assunto “RPG” para boa parte do público que passou a relacionar o gênero de jogos a este tipo de coisa, vendo o jogo como algo demoníaco e que deveria ser evitado.

  • Caso Ouro Preto e o mesmo se repete no Brasil

Okay, Vini, interessante esses casos nos EUA, mas como isso se traduziu para o Brasil, que é onde vivemos e é a cultura que baseia nosso caso a ser estudado?

Acho que uma boa forma de exemplificar como o pavor em torno dos RPGs foi importado para terras brasileiras é o famoso Caso Ouro Preto.

O ano era 2001. Três mulheres viajaram de sua cidade, no Espírito Santo, para a cidade histórica de Ouro Preto, onde iria ocorrer uma grande festa. Como não viajavam para ficar pela cidade, as mulheres levaram pouca coisa e procuraram um lugar mais barato para ficarem hospedadas. Portanto, elas ficaram em um quarto de uma república de estudantes da Universidade Federal de Ouro Preto, onde moravam 3 estudantes, todos homens.

No dia da festa, as três mulheres, duas primas e uma amiga, se separaram eventualmente. Duas delas chegaram à república, uma não. Como era a noite da festa, não estranharam a ausência da terceira, visto que ela poderia ter ido para casa de alguém que pudesse ter conhecido durante a festa.

Tudo ficou mais estranho quando a terceira mulher não reapareceu no dia posterior à festa, que seria o dia em que elas voltariam para sua cidade. Ao mesmo tempo, ouvia-se boatos na pequena cidade, de uma mulher que fora encontrada morta em um cemitério. Ao irem até o cemitério verificar se era sua amiga e prima, as duas mulheres confirmaram as suspeitas.

A mulher havia sido morta em um cemitério, à noite, com 17 facadas. Ela estava nua, com os braços abertos e as pernas cruzadas, como se fosse crucificada. O caso foi dado, incialmente, como um ritual de magia negra pela investigação da polícia. As roupas da mulher haviam sido cuidadosamente dobradas em um túmulo ao lado de onde o corpo jazia.

Para ajudar na investigação, um dos homens da república abriu a casa para que a polícia pudesse 1. Achar elementos que levassem a novas pistas nos pertences da mulher assassinada e 2. Pudesse também “limpar a barra” dos moradores da república que não tinham nada a ver com o acontecido.

Após a festa, ninguém que estava na república havia visto a vítima e a descoberta do seu corpo foi de verdade uma surpresa.

Porém, ao entrar na república, uma coisa chamou a atenção dos investigadores: Livros do RPG Vampiro: a Máscara. Com livros que iam do livro básico aos complementos, um dos homens da república era mestre de Vampiro e isso foi o início de um tormento que durou 8 anos na vida dos três homens que moravam na república e da prima da vítima. Todos foram ligados ao assassinato.

Demais evidências que comprovavam o consumo de drogas da vítima na noite da festa ou testemunhas que disseram ter visto ela na entrada do cemitério falando com um conhecido traficante da cidade foram deixadas de lado e a investigação tomou um rumo focado nos 4 anteriormente citados, que viraram réus.

A suposição veiculada mostra a pouca informação que se tinha sobre o gênero de jogos na época: Se falava que a vítima havia perdido em uma partida de RPG e que, como “punição” havia sido sacrificada em um ritual de magia negra. A história colou com o povo e, bom… Aconteceu parecido com o que aconteceu nos EUA, no caso de James. O fundamentalismo religioso propagou mais e mais histórias sobre o RPG ser ligado a demônios e boa parte da imprensa comprou isso.

Após 8 anos de julgamentos e prisões, o quarteto de réus do caso foi julgado inocente em 2009, por falta de provas que ligassem eles ao caso. O caso acabou ficando sem conclusão de autoria do crime. Mas o RPG nunca foi comprovadamente ligado aos acontecimentos.

[disclaimer] Essas histórias envolvendo o RPG foram extremamente resumidas por mim para encaixar elas no episódio. Como o foco é no Magic e nos card games, não me aprofundei em muitos detalhes. No artigo deste podcast estarão todas as referências que usei para escrever o roteiro. Sugiro que procure informações mais aprofundadas nestas fontes.

  • O RPG se torna algo satânico popularmente no Brasil

Este caso deu abertura para que o senso comum brasileiro que não estava acostumado com o RPG, ligasse o gênero de jogos com práticas maldosas, de obscurantismo e satanismo. Junte a isso o fato de que o Brasil tem uma população bastante ligada à religião e o ambiente perfeito para a disseminação da ideia de que o RPG tinha conexões com rituais satânicos.

Um bom exemplo de como teorias da conspiração reverberam bem com o público brasileiro é o momento atual que vivemos em que uma das maiores e mais sérias epidemias da história já chegou ao nosso país, fazendo com que empilhemos caixões em valas comuns e, nem mesmo isso é o suficiente para o povo (e até o presidente) entender a gravidade da situação.

Até hoje há a noção em senso comum de que o RPG é algo satânico. Isso reverbera para o Magic e os card games por meio da similaridade de temáticas entre os jogos e, enfim, chegamos ao objeto de discussão deste episódio: O Magic sendo visto como algo satânico e/ou maligno.

———- Tá gostando desse episódio? Então me dá uma moral e procura pelo MTGC no Youtube! Toda quarta tem vídeo novo. E toda sexta tem live de commander no www.twitch.tv/mtgcpodcast Te espero lá hein!

  1. As alegações de satanismo passam para o Magic

A ligação entre as controvérsias do RPG que descrevi antes com o Magic são facilmente analisadas. Em uma reportagem do Chicago Tribune (link na descrição, como todas as outras fontes) de 1998 intitulada Uh-oh, it’s Magic: the Gathering”, fala-se sobre professores banindo o Magic nas escolas. Logo após, a reportagem cita que a polícia já ligava o Magic com as controvérsias criadas em torno do D&D nos anos 80.

Além disso, muito se dizia que card games não deveriam se misturar com a educação.

Essa questão era tão grande que a própria wizards of the Coast contratou pessoas para viajar pelos Estados Unidos explicando para pais e professores que o jogo não tinha relação com ocultismo ou qualquer forma parecida de problemas. Pais de alunos em uma escola, inclusive, processaram a escola por permitir que Magic fosse vendido em uma atividade após as aulas.

Além do medo baseado no que havia acontecido em torno do RPG nos anos 80, o medo com o Magic nos anos 90 também provinha de fundamentalismo religioso. Sim, as coincidências são muitas e as práticas muito parecidas. Muitos pastores de igrejas nos EUA sugeriam que, ao mostrar em suas ilustrações demônios, xamãs, encatadores e feitiços, o jogo iria contra a palavra de Deus, sendo uma prova de obscurantismo.

Outras coisas são marcantes: Fundamentalistas religiosos pregavam que o Magic era viciante e que colocava os jogadores no papel de personagens malignos. Isso, por si só era considerado subversivo à palavra de Deus e era o principal medo dos fundamentalistas religiosos.

Em 1999, a Wizards of the Coast lançou, no embrionário site do Magic, um artigo falando sobre “Deus e os jogos” onde James Lee conta um pouco sobre a relação dele, que é cristão e convivia nos meios da Igreja, com jogos em geral e como ele lidava com os questionamentos de seus pares religiosos.

Ele mostra os meios com que ele argumentava, na época, com pais preocupados que seus filhos estivessem ligados a algo satânico, como por exemplo, mostrar que os símbolos de histórias de fantasia, como feiticeiros e bruxas, são presentes em qualquer obra dessa natureza (e ele cita J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis), além de mostrar que um jogo não dita o que uma criança deve fazer. Afinal, quem joga bando imobiliário, não vira instantaneamente uma pessoa rica e obcecada por dinheiro.

O fato de ter um artigo no site do Magic (em 1999, isso era um “big deal”) mostra muito do medo que existia em torno do jogo. De Era Glacial, lançada em 1995, até Investida, lançada em 2002, nenhuma criatura do tipo Demônio ou diabo foi lançada. Assim como nenhuma carta com as palavras Demoníaco ou Diabólico. Mark Rosewater escreveu um artigo, em 2004, explicando essa ausência de demônios por 7 anos no Magic.

Neste artigo, Maro mostra como Magic cresceu nos seus primeiros anos, alcançando grandes momentos de exposição e entrando em venda nas grandes cadeias de lojas multinacionais. Nesse artigo, o Maro também expõe que o Magic e os Card games são a terceira onda de jogos. A segunda havia sido justamente os RPGs. E o time de marca de Magic estudava os passos tomados pelo D&D nos anos anteriores.

Está feita a conexão: Vendo como as controvérsias surgiram no D&D, a equipe de marca do Magic trabalhou para que o mesmo não ocorresse com o nosso amado card game. Os demônios se encaixam em jogos de fantasia por explorarem uma parte importante para o gênero: A moralidade.

No Magic, os demônios têm um papel importante nesse meio da moralidade, dando escolhas ao jogador, mas também como uma figura facilmente identificável que, no início do jogo, traria uma carga de conhecimentos que o jogo precisava para criar uma certa lore. Por fim, demônios são criaturas marcantes e ajudaram o Magic no seu início.

Voltando ao pós-Era Glacial, onde a Wizards olhou para o D&D e entendeu que era melhor remover os demônios, o Mro fala que os demônios, seres mitológicos, se fundiram com a teologia, o que trouxe a mesma imagem que o D&D criou nos anos 80 para o Magic, nos anos 90. Demônios existem em mitologias há mais tempo que todas as grandes religiões da atualidade, mas eles se misturaram com as religiões de hoje em dia.

Por isso, a imagem de demônios no jogo trouxe questionamentos quanto ao Magic ser ligado ao obscurantismo ou outras finalidades não-seculares. Estudando os passos que a TSR (empresa que criou e foi dona do D&D até o WotC compra-la) tomou nesse aspecto, a Wizards passou a renomear seus demônios como “Horrores” ou “pesadelos” para evitar atenção desnecessária ao jogo.

Como o Magic estava prestes a dar um salto de popularidade considerável, indo para as grandes cadeias de lojas, e o faturamento todo da Wizards ficava “por conta” do Magic, a empresa resolveu não arriscar. Tirou os demônios do jogo a partir de Era Glacial. Importante salientar que o nome foi retirado do jogo. Mas o conceito demoníaco não.

Em 2002 a Wizards reviu sua posição quanto a demônios e entendeu que o mundo mudou. As controvérsias com os temas de obscurantismo do D&D ocorreram entre as décadas de 70 e 80. A empresa, Wizards of the Coast, já era uma empresa mais saudável e com mais fontes de renda. E os demônios trariam uma nova pegada de marketing para o Magic, com imagens interessantes e nomes que chamam a atenção.

  1. Importando a controvérsia para terras brasileiras

Vamos falar de Brasil e Card Games, então.

E, não podemos falar de controvérsias de card games no Brasil sem citar ele. O Leão. Aquele da lendária fala “AEEEEE KASSINÃO” ou o famoso “DESTAQUE INTERNACIONAL”. Gilberto Barros.

A briga do Gilberto barros foi com o Yu-Gi-Oh. Mas, o ano era 2003. Como forma de comparação, o ambiente brasileiro não era muito diferente da época do Caso Ouro Preto, citado anteriormente. Para as pessoas, não importava se era Yu-Gi-Oh, Magic, Pokémon ou que fosse. Eram “aquelas cartinhas lá”.

Porém, é importante salientar que o Yu-Gi-Oh foi o card game mais prejudicado nisso.

Bom, vamos à história. Em 2003, no seu programa na Rede Bandeirantes, o Boa Noite Brasil, Gilberto Barros passou uma semana inteira atacando card games, com o Yu-Gi-Oh sendo o exemplo, falando como “O Baralho do Diabo”. Esses ataques eram incrivelmente sensacionalistas e urgiam aos pais que tomassem cuidado com essas cartinhas que estavam entrando na cabeça das crianças e levando-as à adoração do diabo. O apresentador chegou a fazer ligações do Yu-Gi-Oh com a máfia japonesa.

Muito anos depois, já na década de 2010, Gilberto Barros falaria que se sente culpado em parte por essa cruzada contra os card games. Ele revela que, na época, para aproveitar um furo de reportagem que havia sido passado por uma rede de TV japonesa, de que o Yu-Gi-Oh! Tinha raízes demoníacas. Eu não vou entrar mais a fundo nesse assunto por que já tem um vídeo excelente do Marcos, do Invokando, no canal dele sobre Yu-Gi-Oh, o Zubatata (link na descrição).

Eu vou focar aqui nas consequências dos ataques de Gilberto Barros, para finalmente chegar à parte das histórias das pessoas que me mandaram por twitter.

Como experiência própria, 2003 é justamente o ano em que eu comecei a jogar Magic. Em casa, por mais que eu tenha avós bastante luteranos, não tive maiores problemas com “essas cartinhas”. Porém, no colégio, onde eu mais jogava, aconteceu algo.

Meu colégio era filiado à Igreja Luterana da cidade e tem raízes bastante religiosas. O pavor gerado pelas falas de Gilberto Barros levaram a um discurso do diretor em uma das nossas aulas de música (eu tava na 3ª série, atual 4º ano), sobre o perigo dessas cartas. Ficamos sabendo que a diretoria da escola estudou banir as cartas mas, no fim, não passou disso.

Porém, muitas famílias religiosas fizeram com que seus filhos e filhas doassem, rasgassem ou até queimassem suas coleções, sob a alegação de ser uma fonte de energia demoníaca dentro de casa. Assim como um inquérito policial concluiu que 4 jovens assassinaram uma mulher por causa de RPG, era factível para grande parte da população que as crianças se tornariam satânicas por causa de card games.

3.1. Como tudo isso ajuda a explicar o momento político atual

Em um mundo sem internet e sem acesso facilitado à informação, a TV era a grande fonte de conhecimento do povo em geral. E, era muito mais fácil para que um apresentador de TV colocasse na cabeça de todo mundo uma ideia, por mais maluca e estapafúrdia que ela fosse.

Mas, uma coisa que dá para ligar com os dias de hoje é como isso foi feito. As Fake News e as teorias de conspiração (tão ou mais malucas que essa, mas muitas mais nocivas) eram propagadas por pastores evangélicos e políticos conservadores dentro do programa de Gilberto Barros. E sempre com a receita de criação de pânico contra um inimigo claro.

(Gostaria de deixar claro que não é meu objetivo ofender a fé alheia aqui. Evangélicos não podem ser representados por pastores que fazem ações bastante abjetas e duvidosas. Mas o fato de que os pastores levam um papel importante na disseminação e criação de fake News e teorias da conspiração deve ser exposto. Note: Não estou criticando a sua fé, apenas pessoas que usam de sua fé para outras coisas)

O modus operandi é o mesmo: Defina um inimigo claro e ameaçador e mostre que todos podem ajudar a acabar com esse inimigo. Seja o inimigo uma suposta ameaça comunista que ameaça destruir o Brasil (mesmo que sem nenhuma evidência para tal), seja o “baralho do diabo” que está colocando o diabo na vida das crianças.

Analisar o caso de histeria coletiva que tomou conta de muitos pais por todo o Brasil sobre cartas que eram um brinquedo de suas crianças e que estavam longe de leva-los para o caminho do ocultismo e das magias das trevas fala muito do Brasil de 2020. Todos que perderam suas cartas para essa fake News de 2003 lembram de tudo. No futuro, lembraremos da morte de pessoas próximas para uma doença que o governo se negou a admitir a existência e, posteriormente, a gravidade.

  1. Histórias da galera

Para ilustrar um pouco sobre como o pânico generalizado sobre as cartas foi real, pedi para vocês no meu twitter e no instagram do MTGC me contarem suas histórias de destruição de coleções para evitar que o demônio entrasse na casa do pessoal.

A primeira história que vocês vão ouvir é a do Rapha, do fagulhando, que mandou em áudio:

[Ler as histórias e dar créditos]

  1. Conclusões

Essa é uma história que mostra muitas coisas para nós.

Primeiramente, mostra o medo ao diferente.

Em segundo lugar, mostra como fake News e teorias da conspiração, quando divulgadas de forma exaustiva, têm efeitos práticos no nosso dia-a-dia

E, por fim, que tudo isso continua acontecendo. Dessa vez, do gabinete do Presidente da República.

E, dessa vez, não são as cartinhas que vão para o lixo. Nossa liberdade está ameaçada. Nossa voz está ameaçada. As mídias democráticas como podcast e youtube estão ameaçados.

Quando um presidente da república visita uma manifestação que está claramente contra os outros poderes e PEDE A VOLTA DO AI-5, eu tenho que me posicionar. Quando um presidente desdenha da morte de 10.000 brasileiros, andando de Jet Ski e prometendo churrasco, eu tenho que me posicionar. Quando a morte de CNPJs é mais importante que a morte de pessoas (pais, mães, irmãos, irmãs, filhos e filhas, amigos e amigas) que são enterrados em uma vala comum, eu tenho que me posicionar.

Usem esse exemplo inofensivo de 2003 como uma mostra do poder destrutivo de uma teoria da conspiração. Nosso governo é baseado em muitas delas.

Lembrem-se: Eu sou empresário. E, pra mim, muita empresa gigante com problemas de se manter viva mostra também como o brasileiro não sabe administrar, mas gosta de um bode expiatório para em quem por a culpa. Eu sou administrador formado e me irrita ver empresários que não souberam trabalhar o fluxo de caixa, seu pulmão financeiro e tiraram lucros de bacia para que agora não aguentem o tranco.

Peço que vocês olhem um pouco pra dentro. Reflitam sobre essa situação. Entendam o nível de ameaça ao nosso estado democrático de direito mora lá em Brasília. E mais, entendam o nível de ameaça à saúde pública imediata mora lá em Brasilia.

Espero que tenham gostado deste episódio. Deu bastante trabalho pra fazer.

Até a semana que vem!

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Antes do spot e, para não perder o aviso importante: Fica em casa. A COVID-19 já matou 10 mil brasileiros e, se você pode ficar em casa, esse vai ser o melhor jeito de evitar uma tragédia em proporções inimagináveis.

A quarta temporada do MTGC é patrocinada pela BurnMana

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O MTGC também é trazido até você pelos padrinhos! Acesse www.padrim.com.br/mtgc e saiba como ajudar o projeto a se manter! Esses são os padrinhos nos níveis a partir do Evangelizador do Magic:

Cícero Augusto
Diego Leão Diniz
Dennys Garcia
Filipe Santiago Augusto
Pedro Augusto Gregory

Créditos deste episódio:

Este episódio do MTGC foi gravado, produzido e editado por mim, Vinícius Weizenmann. O roteiro e a pesquisa também foram feitas por mim. A participação é do Raphael do Fagulhando.

As trilhas são do Felipe Martinelli, do canal Puressência no Youtube. A vinheta de abertura foi feita pelo Guilherme Borba.

Referências para a composição da pesquisa e roteiro:

https://www.vice.com/pt_br/article/yw8pqk/o-que-gilberto-barros-e-o-baralho-do-demonio-nos-dizem-sobre-a-era-bolsonaro

https://www.youtube.com/watch?v=-pdlqYPPri0

https://renatoamadopeixoto.blogspot.com/2013/01/o-demonio-no-rpg.html

https://www.omelete.com.br/series-tv/yu-gi-oh-baralho-do-diabo-polemica-anos-2000

https://magic.wizards.com/en/articles/archive/making-magic/where-have-all-demons-gone-2004-07-05

https://magic.wizards.com/en/articles/archive/god-and-gaming-1999-11-12

https://www.pojo.com/magic/StrategyGuide/2003/Jan2003/Jan%2017-2003/Is%20Magic%20Really%20Evil%20-%20Robert%20Overton.htm

http://logosresourcepages.org/Occult/magic-g.htm#THE%20EVIL%20OF%20MAGIC:%20THE%20GATHERING

https://www.chicagotribune.com/news/ct-xpm-1998-01-09-9801090220-story.html

http://www.ptgptb.org/0006/egbert.html

https://www.bbc.com/news/magazine-26328105

nytimes.com/2016/04/18/us/when-dungeons-dragons-set-off-a-moral-panic.html

https://www.youtube.com/watch?v=ATUpSPj0x-c

https://www.youtube.com/watch?v=aTHNW4_LUQA&t=2s

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Ficha Técnica:

Microfone:

Audio-Technica ATR2500-USB

Software para gravação:

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Software para edição:

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Trilha sonora:

Vinheta de introdução feita como cortesia por Guilherme Borba especialmente para o MTGC.

– Tracks criadas especialmente para o MTGC pelo Felipe Martinelli do canal Puressência

Transcrição do episódio:

“O Baralho do diabo”

  1. O início das controvérsias com o RPG

Falar de como o Magic e os card games em geral se envolveram em controvérsias sobre a possibilidade de haver ligações satânicas com os jogos nos obriga a explorar um pouco mais sobre como este conceito foi atrelado, primeiramente, ao RPG.

Por isso, a ideia deste episódio é explorar mais a fundo de onde surgiu a ideia de atrelar os jogos a tais práticas, tal qual discutir como isso implica no fato de que o Magic e também os RPGs e outros card games, podem ser enquadrados como fenômenos culturais de mídia.

Porém, antes de o conceito de Trading Card Games sequer existir, os RPGs, principalmente o D&D, se popularizavam e também ganhavam famas indesejadas.

Os RPGs e os Card Games importaram para si figuras arquetípicas de mitologias e ambientes de fantasia. Nestes meios, a figura de demônios é de grande presença, seja em livros como O Senhor dos Anéis ou em mitologia antigas, sempre há figuras que representam um mal e que são descrita como conhecemos demônios.

Os demônios são figuras características e que trazem consigo diversos elementos interessantes às narrativas do RPG ou ao storytelling que uma mesa de Magic tem. E, não pode-se negar que a presença destes demônios, tal qual suas ilustrações, nos manuais dos livros de RPG contribuíram para que uma campanha de desinformação baseada na ignorância sobre os jogos se criasse no mundo inteiro.

Para exemplificar o que aconteceu, principalmente na década de 80 nos Estados Unidos, eu separei um caso específico de histeria em torno do RPG e sua possível ligação com rituais satânicos e/ou o descolamento de jogadores com a realidade.

  • James Dallas Egbert III

[disclaimer] Essa parte do podcast contêm histórias que podem conter gatilhos para suicídio. Se você quiser evitar esta história, continue ouvindo este podcast a partir do minuto xx:xx [/disclaimer]

O caso do desaparecimento de James Dallas Egbert III foi o primeiro caso amplamente noticiado de um mistério envolvendo um jogador de RPG em que o jogo foi colocado no centro das discussões.

Em 1979, cinco anos após o lançamento do primeiro RPG, o D&D, Egbert tinha 16 anos e estudava na universidade de Michigan State. Ele era considerado uma criança super-dotada e tinha grandes conhecimentos na área das ciências da computação. Certa noite, ele não foi encontrado em seu quarto nos dormitórios da universidade, o que fez com que sua família contratasse um detetive particular para investigar o caso, o detetive Willian C. Dear para investigar o que poderia ter acontecido com James.

A verdade é que, mesmo James sendo menor de idade, seus pais foram avisados de seu desaparecimento apenas 5 dias após o ocorrido. Para realizar tal investigação, o detetive particular Dear vistoriou o quarto de James na universidade e encontrou duas principais coisas que o levaram a próximos passos na investigação: Um livro de D&D e um mural onde os alfinetes estavam presos para formar um mapa.

Amigos de James comentaram que eles usavam os túneis de vapor subterrâneos de uma usina da faculdade como um lugar para jogar uma versão adaptada de D&D para Live Action, e que também estavam mapeando os túneis para utilizar como base para mapas em seus jogos.

O fato de James ser um jogador bastante investido em D&D ofuscou do detetive algumas outras informações importantes. James encarava problemas sérios de saúde mental, principalmente a depressão, além de ter um vício em drogas. Estes aspectos foram deixados de lado, a ponto que o D&D e os túneis de vapor se tornaram a pista principal da investigação.

Isto chamou atenção da mídia que cobriu a busca por James de forma incessante, batendo na tecla repetidas vezes de que o principal culpado de tudo isso seria uma sessão de D&D que teria dado errado e argumentando que o jogo tiraria seus jogadores da realidade, fazendo-os agir de formas não desejadas.

Este foco no D&D, que era uma novidade ainda à época, ofuscou fatos importantes sobre James. Psicólogos da universidade em que ele cursava alegaram que a sua depressão poderia vir de pressões de seus pais, visto que James era tido como um gênio, um prodígio. Três dias antes de seu desaparecimento, James ligou para sua mãe e contou, animado, sobre a nota 3,5 que ele havia recebido em um curso. Sua mãe falou que ele deveria ter recebido um 4 (maior nota possível).

Porém, com a busca por James levando perto de um mês, o assunto de que um jogo havia causado o desaparecimento de um garoto de 16 anos pegou força nos Estados Unidos e, o público geral, passou a atrelar essa característica ao jogo. Soma-se a isso o fato de que os jornais ligavam o D&D também a práticas de bruxaria e demonologia, o que trouxe um fundamentalismo religioso à tona nas discussões.

James foi achado em New Orleans, após duas tentativas de suicídio. Ele se escondeu em casas de amigos até que foi convencido a ligar para o detetive. Sua fuga não tinha nenhuma relação com o D&D, mas sim com seus outros problemas: Vício em drogas, pressão dos pais e depressão. Logo após isso, James largou a faculdade e passou a trabalhar em uma das lojas de seu pai. Em 1980, um ano após os acontecimentos, James foi achado morto, vítima de um suicídio, visto que sua depressão só havia piorado.

O caso de James Dallas Egbert III foi o primeiro caso que trouxe à tona uma controvérsia envolvendo RPG. Por mais que todo o caso e sua posterior morte não tenham relação alguma com o D&D, a cobertura sensacionalista da mídia sobre o caso propagou esta ideia sobre o jogo para as massas. A partir deste caso, diversos outros surgiram e se criou o que se chama de um estado de Pânico Moral nos Estados Unidos, ligando constantemente o RPG à bruxaria, rituais de magia negra e demonologia.

Além disso, o caso de James inspirou um livro e posterior filme de ficção chamado Mazes and Monsters. O filme, inclusive, é estrelado por um jovem Tom Hanks. Tudo isso como mostra do pânico que tomou conta da sociedade americana em volta dos RPGs

  • Moral Panic e ligações com bruxaria e demonologia

Após um outro caso de um jogador de D&D cometendo suicídio que, posteriormente, fora ligado também a sérios problemas de saúde mental, a mãe deste jogador estava convencida de que a morte do seu filho tinha um culpado: O RPG.

[volta do gatilho de suicídio] Ela então criou a BADD [Bothered About Dungeons and Dragons], uma organização que buscou, por meio de veículos de mídia voltados ao público cristão e, posteriormente, por meio de veículos de mídia de massa, provar que o D&D era a causa de problemas, fazendo ligações do RPG com Demonologia, bruxaria, voodoo, assassinato, violentação sexual, Suicídio, insanidade, invocações demoníacas, divinações entre outros “ensinamentos”

Esta campanha pegou carona no pânico moral criado em torno do RPG e se instalou como senso comum para grande parte da população. O fato é que o RPG era uma novidade em um mundo muito menos conectado que o que temos hoje. O fundamentalismo religioso tomou grande papel nessa campanha de difamação do D&D que levou o jogo a ser conhecido por muitos e odiado por muitos outros.

A partir de então, personalidades do meio religioso passaram a afirmar que o D&D era uma porta de entrada para demônios na cabeça dos mais novos, além de dizer que, durante as sessões de jogo, aconteciam possessões demoníacas e invocações de entidades.

Estes conceitos se entrelaçaram com o assunto “RPG” para boa parte do público que passou a relacionar o gênero de jogos a este tipo de coisa, vendo o jogo como algo demoníaco e que deveria ser evitado.

  • Caso Ouro Preto e o mesmo se repete no Brasil

Okay, Vini, interessante esses casos nos EUA, mas como isso se traduziu para o Brasil, que é onde vivemos e é a cultura que baseia nosso caso a ser estudado?

Acho que uma boa forma de exemplificar como o pavor em torno dos RPGs foi importado para terras brasileiras é o famoso Caso Ouro Preto.

O ano era 2001. Três mulheres viajaram de sua cidade, no Espírito Santo, para a cidade histórica de Ouro Preto, onde iria ocorrer uma grande festa. Como não viajavam para ficar pela cidade, as mulheres levaram pouca coisa e procuraram um lugar mais barato para ficarem hospedadas. Portanto, elas ficaram em um quarto de uma república de estudantes da Universidade Federal de Ouro Preto, onde moravam 3 estudantes, todos homens.

No dia da festa, as três mulheres, duas primas e uma amiga, se separaram eventualmente. Duas delas chegaram à república, uma não. Como era a noite da festa, não estranharam a ausência da terceira, visto que ela poderia ter ido para casa de alguém que pudesse ter conhecido durante a festa.

Tudo ficou mais estranho quando a terceira mulher não reapareceu no dia posterior à festa, que seria o dia em que elas voltariam para sua cidade. Ao mesmo tempo, ouvia-se boatos na pequena cidade, de uma mulher que fora encontrada morta em um cemitério. Ao irem até o cemitério verificar se era sua amiga e prima, as duas mulheres confirmaram as suspeitas.

A mulher havia sido morta em um cemitério, à noite, com 17 facadas. Ela estava nua, com os braços abertos e as pernas cruzadas, como se fosse crucificada. O caso foi dado, incialmente, como um ritual de magia negra pela investigação da polícia. As roupas da mulher haviam sido cuidadosamente dobradas em um túmulo ao lado de onde o corpo jazia.

Para ajudar na investigação, um dos homens da república abriu a casa para que a polícia pudesse 1. Achar elementos que levassem a novas pistas nos pertences da mulher assassinada e 2. Pudesse também “limpar a barra” dos moradores da república que não tinham nada a ver com o acontecido.

Após a festa, ninguém que estava na república havia visto a vítima e a descoberta do seu corpo foi de verdade uma surpresa.

Porém, ao entrar na república, uma coisa chamou a atenção dos investigadores: Livros do RPG Vampiro: a Máscara. Com livros que iam do livro básico aos complementos, um dos homens da república era mestre de Vampiro e isso foi o início de um tormento que durou 8 anos na vida dos três homens que moravam na república e da prima da vítima. Todos foram ligados ao assassinato.

Demais evidências que comprovavam o consumo de drogas da vítima na noite da festa ou testemunhas que disseram ter visto ela na entrada do cemitério falando com um conhecido traficante da cidade foram deixadas de lado e a investigação tomou um rumo focado nos 4 anteriormente citados, que viraram réus.

A suposição veiculada mostra a pouca informação que se tinha sobre o gênero de jogos na época: Se falava que a vítima havia perdido em uma partida de RPG e que, como “punição” havia sido sacrificada em um ritual de magia negra. A história colou com o povo e, bom… Aconteceu parecido com o que aconteceu nos EUA, no caso de James. O fundamentalismo religioso propagou mais e mais histórias sobre o RPG ser ligado a demônios e boa parte da imprensa comprou isso.

Após 8 anos de julgamentos e prisões, o quarteto de réus do caso foi julgado inocente em 2009, por falta de provas que ligassem eles ao caso. O caso acabou ficando sem conclusão de autoria do crime. Mas o RPG nunca foi comprovadamente ligado aos acontecimentos.

[disclaimer] Essas histórias envolvendo o RPG foram extremamente resumidas por mim para encaixar elas no episódio. Como o foco é no Magic e nos card games, não me aprofundei em muitos detalhes. No artigo deste podcast estarão todas as referências que usei para escrever o roteiro. Sugiro que procure informações mais aprofundadas nestas fontes.

  • O RPG se torna algo satânico popularmente no Brasil

Este caso deu abertura para que o senso comum brasileiro que não estava acostumado com o RPG, ligasse o gênero de jogos com práticas maldosas, de obscurantismo e satanismo. Junte a isso o fato de que o Brasil tem uma população bastante ligada à religião e o ambiente perfeito para a disseminação da ideia de que o RPG tinha conexões com rituais satânicos.

Um bom exemplo de como teorias da conspiração reverberam bem com o público brasileiro é o momento atual que vivemos em que uma das maiores e mais sérias epidemias da história já chegou ao nosso país, fazendo com que empilhemos caixões em valas comuns e, nem mesmo isso é o suficiente para o povo (e até o presidente) entender a gravidade da situação.

Até hoje há a noção em senso comum de que o RPG é algo satânico. Isso reverbera para o Magic e os card games por meio da similaridade de temáticas entre os jogos e, enfim, chegamos ao objeto de discussão deste episódio: O Magic sendo visto como algo satânico e/ou maligno.

———- Tá gostando desse episódio? Então me dá uma moral e procura pelo MTGC no Youtube! Toda quarta tem vídeo novo. E toda sexta tem live de commander no www.twitch.tv/mtgcpodcast Te espero lá hein!

  1. As alegações de satanismo passam para o Magic

A ligação entre as controvérsias do RPG que descrevi antes com o Magic são facilmente analisadas. Em uma reportagem do Chicago Tribune (link na descrição, como todas as outras fontes) de 1998 intitulada Uh-oh, it’s Magic: the Gathering”, fala-se sobre professores banindo o Magic nas escolas. Logo após, a reportagem cita que a polícia já ligava o Magic com as controvérsias criadas em torno do D&D nos anos 80.

Além disso, muito se dizia que card games não deveriam se misturar com a educação.

Essa questão era tão grande que a própria wizards of the Coast contratou pessoas para viajar pelos Estados Unidos explicando para pais e professores que o jogo não tinha relação com ocultismo ou qualquer forma parecida de problemas. Pais de alunos em uma escola, inclusive, processaram a escola por permitir que Magic fosse vendido em uma atividade após as aulas.

Além do medo baseado no que havia acontecido em torno do RPG nos anos 80, o medo com o Magic nos anos 90 também provinha de fundamentalismo religioso. Sim, as coincidências são muitas e as práticas muito parecidas. Muitos pastores de igrejas nos EUA sugeriam que, ao mostrar em suas ilustrações demônios, xamãs, encatadores e feitiços, o jogo iria contra a palavra de Deus, sendo uma prova de obscurantismo.

Outras coisas são marcantes: Fundamentalistas religiosos pregavam que o Magic era viciante e que colocava os jogadores no papel de personagens malignos. Isso, por si só era considerado subversivo à palavra de Deus e era o principal medo dos fundamentalistas religiosos.

Em 1999, a Wizards of the Coast lançou, no embrionário site do Magic, um artigo falando sobre “Deus e os jogos” onde James Lee conta um pouco sobre a relação dele, que é cristão e convivia nos meios da Igreja, com jogos em geral e como ele lidava com os questionamentos de seus pares religiosos.

Ele mostra os meios com que ele argumentava, na época, com pais preocupados que seus filhos estivessem ligados a algo satânico, como por exemplo, mostrar que os símbolos de histórias de fantasia, como feiticeiros e bruxas, são presentes em qualquer obra dessa natureza (e ele cita J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis), além de mostrar que um jogo não dita o que uma criança deve fazer. Afinal, quem joga bando imobiliário, não vira instantaneamente uma pessoa rica e obcecada por dinheiro.

O fato de ter um artigo no site do Magic (em 1999, isso era um “big deal”) mostra muito do medo que existia em torno do jogo. De Era Glacial, lançada em 1995, até Investida, lançada em 2002, nenhuma criatura do tipo Demônio ou diabo foi lançada. Assim como nenhuma carta com as palavras Demoníaco ou Diabólico. Mark Rosewater escreveu um artigo, em 2004, explicando essa ausência de demônios por 7 anos no Magic.

Neste artigo, Maro mostra como Magic cresceu nos seus primeiros anos, alcançando grandes momentos de exposição e entrando em venda nas grandes cadeias de lojas multinacionais. Nesse artigo, o Maro também expõe que o Magic e os Card games são a terceira onda de jogos. A segunda havia sido justamente os RPGs. E o time de marca de Magic estudava os passos tomados pelo D&D nos anos anteriores.

Está feita a conexão: Vendo como as controvérsias surgiram no D&D, a equipe de marca do Magic trabalhou para que o mesmo não ocorresse com o nosso amado card game. Os demônios se encaixam em jogos de fantasia por explorarem uma parte importante para o gênero: A moralidade.

No Magic, os demônios têm um papel importante nesse meio da moralidade, dando escolhas ao jogador, mas também como uma figura facilmente identificável que, no início do jogo, traria uma carga de conhecimentos que o jogo precisava para criar uma certa lore. Por fim, demônios são criaturas marcantes e ajudaram o Magic no seu início.

Voltando ao pós-Era Glacial, onde a Wizards olhou para o D&D e entendeu que era melhor remover os demônios, o Mro fala que os demônios, seres mitológicos, se fundiram com a teologia, o que trouxe a mesma imagem que o D&D criou nos anos 80 para o Magic, nos anos 90. Demônios existem em mitologias há mais tempo que todas as grandes religiões da atualidade, mas eles se misturaram com as religiões de hoje em dia.

Por isso, a imagem de demônios no jogo trouxe questionamentos quanto ao Magic ser ligado ao obscurantismo ou outras finalidades não-seculares. Estudando os passos que a TSR (empresa que criou e foi dona do D&D até o WotC compra-la) tomou nesse aspecto, a Wizards passou a renomear seus demônios como “Horrores” ou “pesadelos” para evitar atenção desnecessária ao jogo.

Como o Magic estava prestes a dar um salto de popularidade considerável, indo para as grandes cadeias de lojas, e o faturamento todo da Wizards ficava “por conta” do Magic, a empresa resolveu não arriscar. Tirou os demônios do jogo a partir de Era Glacial. Importante salientar que o nome foi retirado do jogo. Mas o conceito demoníaco não.

Em 2002 a Wizards reviu sua posição quanto a demônios e entendeu que o mundo mudou. As controvérsias com os temas de obscurantismo do D&D ocorreram entre as décadas de 70 e 80. A empresa, Wizards of the Coast, já era uma empresa mais saudável e com mais fontes de renda. E os demônios trariam uma nova pegada de marketing para o Magic, com imagens interessantes e nomes que chamam a atenção.

  1. Importando a controvérsia para terras brasileiras

Vamos falar de Brasil e Card Games, então.

E, não podemos falar de controvérsias de card games no Brasil sem citar ele. O Leão. Aquele da lendária fala “AEEEEE KASSINÃO” ou o famoso “DESTAQUE INTERNACIONAL”. Gilberto Barros.

A briga do Gilberto barros foi com o Yu-Gi-Oh. Mas, o ano era 2003. Como forma de comparação, o ambiente brasileiro não era muito diferente da época do Caso Ouro Preto, citado anteriormente. Para as pessoas, não importava se era Yu-Gi-Oh, Magic, Pokémon ou que fosse. Eram “aquelas cartinhas lá”.

Porém, é importante salientar que o Yu-Gi-Oh foi o card game mais prejudicado nisso.

Bom, vamos à história. Em 2003, no seu programa na Rede Bandeirantes, o Boa Noite Brasil, Gilberto Barros passou uma semana inteira atacando card games, com o Yu-Gi-Oh sendo o exemplo, falando como “O Baralho do Diabo”. Esses ataques eram incrivelmente sensacionalistas e urgiam aos pais que tomassem cuidado com essas cartinhas que estavam entrando na cabeça das crianças e levando-as à adoração do diabo. O apresentador chegou a fazer ligações do Yu-Gi-Oh com a máfia japonesa.

Muito anos depois, já na década de 2010, Gilberto Barros falaria que se sente culpado em parte por essa cruzada contra os card games. Ele revela que, na época, para aproveitar um furo de reportagem que havia sido passado por uma rede de TV japonesa, de que o Yu-Gi-Oh! Tinha raízes demoníacas. Eu não vou entrar mais a fundo nesse assunto por que já tem um vídeo excelente do Marcos, do Invokando, no canal dele sobre Yu-Gi-Oh, o Zubatata (link na descrição).

Eu vou focar aqui nas consequências dos ataques de Gilberto Barros, para finalmente chegar à parte das histórias das pessoas que me mandaram por twitter.

Como experiência própria, 2003 é justamente o ano em que eu comecei a jogar Magic. Em casa, por mais que eu tenha avós bastante luteranos, não tive maiores problemas com “essas cartinhas”. Porém, no colégio, onde eu mais jogava, aconteceu algo.

Meu colégio era filiado à Igreja Luterana da cidade e tem raízes bastante religiosas. O pavor gerado pelas falas de Gilberto Barros levaram a um discurso do diretor em uma das nossas aulas de música (eu tava na 3ª série, atual 4º ano), sobre o perigo dessas cartas. Ficamos sabendo que a diretoria da escola estudou banir as cartas mas, no fim, não passou disso.

Porém, muitas famílias religiosas fizeram com que seus filhos e filhas doassem, rasgassem ou até queimassem suas coleções, sob a alegação de ser uma fonte de energia demoníaca dentro de casa. Assim como um inquérito policial concluiu que 4 jovens assassinaram uma mulher por causa de RPG, era factível para grande parte da população que as crianças se tornariam satânicas por causa de card games.

3.1. Como tudo isso ajuda a explicar o momento político atual

Em um mundo sem internet e sem acesso facilitado à informação, a TV era a grande fonte de conhecimento do povo em geral. E, era muito mais fácil para que um apresentador de TV colocasse na cabeça de todo mundo uma ideia, por mais maluca e estapafúrdia que ela fosse.

Mas, uma coisa que dá para ligar com os dias de hoje é como isso foi feito. As Fake News e as teorias de conspiração (tão ou mais malucas que essa, mas muitas mais nocivas) eram propagadas por pastores evangélicos e políticos conservadores dentro do programa de Gilberto Barros. E sempre com a receita de criação de pânico contra um inimigo claro.

(Gostaria de deixar claro que não é meu objetivo ofender a fé alheia aqui. Evangélicos não podem ser representados por pastores que fazem ações bastante abjetas e duvidosas. Mas o fato de que os pastores levam um papel importante na disseminação e criação de fake News e teorias da conspiração deve ser exposto. Note: Não estou criticando a sua fé, apenas pessoas que usam de sua fé para outras coisas)

O modus operandi é o mesmo: Defina um inimigo claro e ameaçador e mostre que todos podem ajudar a acabar com esse inimigo. Seja o inimigo uma suposta ameaça comunista que ameaça destruir o Brasil (mesmo que sem nenhuma evidência para tal), seja o “baralho do diabo” que está colocando o diabo na vida das crianças.

Analisar o caso de histeria coletiva que tomou conta de muitos pais por todo o Brasil sobre cartas que eram um brinquedo de suas crianças e que estavam longe de leva-los para o caminho do ocultismo e das magias das trevas fala muito do Brasil de 2020. Todos que perderam suas cartas para essa fake News de 2003 lembram de tudo. No futuro, lembraremos da morte de pessoas próximas para uma doença que o governo se negou a admitir a existência e, posteriormente, a gravidade.

  1. Histórias da galera

Para ilustrar um pouco sobre como o pânico generalizado sobre as cartas foi real, pedi para vocês no meu twitter e no instagram do MTGC me contarem suas histórias de destruição de coleções para evitar que o demônio entrasse na casa do pessoal.

A primeira história que vocês vão ouvir é a do Rapha, do fagulhando, que mandou em áudio:

[Ler as histórias e dar créditos]

  1. Conclusões

Essa é uma história que mostra muitas coisas para nós.

Primeiramente, mostra o medo ao diferente.

Em segundo lugar, mostra como fake News e teorias da conspiração, quando divulgadas de forma exaustiva, têm efeitos práticos no nosso dia-a-dia

E, por fim, que tudo isso continua acontecendo. Dessa vez, do gabinete do Presidente da República.

E, dessa vez, não são as cartinhas que vão para o lixo. Nossa liberdade está ameaçada. Nossa voz está ameaçada. As mídias democráticas como podcast e youtube estão ameaçados.

Quando um presidente da república visita uma manifestação que está claramente contra os outros poderes e PEDE A VOLTA DO AI-5, eu tenho que me posicionar. Quando um presidente desdenha da morte de 10.000 brasileiros, andando de Jet Ski e prometendo churrasco, eu tenho que me posicionar. Quando a morte de CNPJs é mais importante que a morte de pessoas (pais, mães, irmãos, irmãs, filhos e filhas, amigos e amigas) que são enterrados em uma vala comum, eu tenho que me posicionar.

Usem esse exemplo inofensivo de 2003 como uma mostra do poder destrutivo de uma teoria da conspiração. Nosso governo é baseado em muitas delas.

Lembrem-se: Eu sou empresário. E, pra mim, muita empresa gigante com problemas de se manter viva mostra também como o brasileiro não sabe administrar, mas gosta de um bode expiatório para em quem por a culpa. Eu sou administrador formado e me irrita ver empresários que não souberam trabalhar o fluxo de caixa, seu pulmão financeiro e tiraram lucros de bacia para que agora não aguentem o tranco.

Peço que vocês olhem um pouco pra dentro. Reflitam sobre essa situação. Entendam o nível de ameaça ao nosso estado democrático de direito mora lá em Brasília. E mais, entendam o nível de ameaça à saúde pública imediata mora lá em Brasilia.

Espero que tenham gostado deste episódio. Deu bastante trabalho pra fazer.

Até a semana que vem!

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