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#130 – Casa de Orates, ep. 6 – A desreforma psiquiátrica

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Neste sexto e último episódio do Casa de Orates vamos falar sobre o desmonte das políticas públicas de saúde mental e as perdas de direitos conquistados a duras penas ao longo das últimas décadas, como o acesso a um tratamento humanizado para pessoas com transtornos mentais.

Em meio ao caos que estamos vivendo com a pandemia de Covid-19, as mudanças estão acontecendo, aos poucos, sem que a sociedade se dê conta. Mas, o que podemos fazer para impedir o que está sendo chamado de Nova Política Nacional de Saúde Mental?

Para ajudar a entender essa nova política e os prejuízos que ela pode trazer para a saúde da população brasileira, conversamos com o psiquiatra Marcelo Brañas, que atua no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e também no hospital Israelita Albert Einstein; a professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Rosana Onocko; a psicóloga Maria Carolina da Silveira Moesch, coordenadora do curso de psicologia da Universidade Comunitária da Região de Chapecó, a Unochapecó e Fernando Freitas, pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Fiocruz.

Nesse episódio, contamos ainda com o depoimento da Ana Carolina, paciente diagnosticada com depressão e que, integrou um projeto social para ajudar outras pessoas com transtornos mentais

——————————————————–

ROTEIRO

RAFAEL REVADAM: No dia 06 de abril foram comemorados os 20 anos da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Como dissemos em episódios anteriores, essa reforma foi responsável em mudar a maneira como a saúde mental era tratada no país, até então centralizada em internações compulsórias e medicalização.

ROBERTA BUENO: Mas as conquistas que garantem um tratamento humanizado estão ameaçadas. Nos últimos anos, pensamentos conservadores estão ganhando força, principalmente no governo atual.

RAFAEL REVADAM: Ameaças de cortes de verbas no SUS, mudanças na gestão de políticas públicas para a saúde mental ou liberação de compra de testes psicológicos a qualquer pessoa. Essas são algumas das ações que ocorreram só nos últimos meses.

ROBERTA BUENO: Isso é o que associações e conselhos relacionados ao tema estão chamando de Nova Política Nacional de Saúde Mental, uma série de ações que intensificam as internações compulsórias, a medicalização e, principalmente, direcionam os pacientes com problemas de saúde mental a profissionais não-capacitados. Eu sou Roberta Bueno.

RAFAEL REVADAM: E eu sou Rafael Revadam, e no programa de hoje nós vamos falar de um movimento silencioso que busca alterar as políticas públicas de saúde mental. Enquanto estamos vivendo os reflexos da pandemia, alguns representantes legais estão aproveitando a visibilidade da covid-19 para implementar uma nova reforma psiquiátrica.

MARCELO BRAÑAS: Eu tenho um viés pessoal pra responder essa pergunta porque felizmente eu tenho a sorte de trabalhar em um hospital que é referência no SUS, que é o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e também num hospital particular de referência que é o Hospital Israelita Albert Einstein, então, eu tenho pouco contato né, com outros serviços, por exemplo, postos de saúde, CAPS, e… outras coisas, só que eu tenho sim acesso a esse cenário ahnn através da população que acaba chegando no hospital das clínicas e conta pra gente como foi o atendimento em outros serviços, relatos de colegas que trabalham nesse serviços, e.. enfim, e o que que a gente observa, a gente observa que a maioria das diretrizes dos órgãos brasileiros por exemplo de saúde, como é o ministério da saúde, pelo menos até um passado recente, na maioria sim, estão de acordo com a Organização Mundial da Saúde, com outras instituições internacionais importantes de referência na medicina. Em importantes centros acadêmicos no Brasil, principalmente em hospitais-escola, né, a medicina praticada é a medicina baseada em evidência, nas evidências científicas atuais né. Agora, uma limitação, por exemplo, é a disponibilidade no SUS né, de tratamentos baseados em evidência. Tem uma gama gigantesca de medicações psiquiátricas que não tão disponíveis no SUS. Tem também várias psicoterapias especializadas que não tão disponíveis em quantidade suficiente no SUS. E outro ponto é que uma coisa é o que tá no livro né, uma coisa é o que tá nas diretrizes, uma coisa que se fala que tá nas universidades de ponta, outra coisa é o que é feita na prática e a gente sim, tanto no Brasil quanto em outros países, a gente ainda vê muitos profissionais tomando condutas e fazendo tratamentos baseado na sua opinião pessoal né, não baseados no que a ciência mostra que funciona, ou que não funciona né. Então, isso é um problema, porque é um gasto de recurso numa coisa que pode não ser a mais adequada, dado o conhecimento médico atual.

RAFAEL REVADAM: Esse é o psiquiatra Marcelo Brañas. A gente conversou com ele para entender o panorama da saúde mental no país. Parte da nossa conversa está no primeiro episódio dessa série, chamado Por que estamos ficando doentes?

ROBERTA BUENO: Hoje, o que é visto no dia a dia dos hospitais é uma realidade diferente da recomendada pela Organização Mundial da Saúde, a OMS. As mudanças nas políticas de saúde mental estão surgindo aos poucos, por meio de uma série de comunicados, projetos de lei e decisões judiciais. Na prática, uma burocracia direcionando verbas para outros tratamentos, dentro ou fora do SUS. Muitos sem embasamento científico.

RAFAEL REVADAM: A situação mais grave ocorreu em dezembro, quando o Ministério da Saúde ameaçou revogar uma série de portarias existentes desde a década de 90 sobre o tratamento de transtornos mentais. Na época, o jornal Folha de S. Paulo teve acesso a uma planilha do Conass, o Conselho Nacional de Secretários da Saúde, com as propostas que o Governo Bolsonaro desejaria colocar em prática.

ROBERTA BUENO: Entre as principais ações estão a extinção das equipes que dão suporte para a transferência de moradores de hospitais psiquiátricos a serviços comunitários, o fim do programa De Volta para Casa, responsável pela reinserção social de pacientes com transtornos mentais, e alterações no financiamento do programa Consultório de Rua, que atende pessoas em situação de rua.

RAFAEL REVADAM: O projeto também previa mudanças no funcionamento dos Caps, os Centros de Atenção Psicossocial, incluindo a extinção daqueles que são voltados exclusivamente a usuários de drogas e álcool. Também havia uma proposta de afrouxar o controle das internações involuntárias, retirando a obrigatoriedade de comunicar o Ministério Público nesses casos. A professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Rosana Onocko, deu mais detalhes dessa situação.

ROSANA ONOCKO: Uma semana antes do ano acabar tinha essa ideia de que iriam ser revogadas não sei quantas portarias da saúde mental, e aí teve uma mobilização muito rápida, muito forte das várias associações, enfim, a ABRASME, ABRAPSO, ABRASCO, Ministério Público, e evidentemente toda essa reação tão grande conseguiu, por enquanto, né, é… brecar essa essa revogação de portarias. Mas esse governo tem tido esta atitude em inúmeras instâncias que contam com a participação social. Então, conselhos que eram de 200 pessoas foram reduzidos pra 20, é… representantes que tinham que ser indicados pelos pacientes ou pela comunidade passaram a ser indicados pelo governo. A lógica desse governo é uma lógica autoritária, vertical, que nega a participação, que se acha dono da razão, é… eu acho que cabe a nós, aos movimentos, os grupos que temos interesse em manter essa política pública viva, uma organização que vai ser dentro do grande do estado ampliado, mas não do aparelho do Estado nesse momento né. Então nós temos que continuar a fazer o que a gente faz, que é pesquisar, publicar, mostrar, é, fazer barulho, reclamar, é, fazer passeata, fazer abaixo-assinado, enfim, nós temos que ser o tempo inteiro um um uma máquina de frear barbaridades né.

ROBERTA BUENO: Além da Abrasme, a Associação Brasileira de Saúde Mental, da Abrapso, Associação Brasileira de Psicologia Social e da Abrasco, Associação Brasileira de Saúde Coletiva, citadas pela Rosana, outras entidades também se manifestaram contra o revogaço das políticas de saúde mental. Juntamente com os 24 Conselhos Regionais e o Conselho Federal de Psicologia, essas associações criaram um manifesto, que se espalhou na imprensa e pelas redes sociais.

RAFAEL REVADAM: O manifesto diz que, abre aspas: “a reformulação da assistência em saúde mental coloca o hospital psiquiátrico de volta à rede assistencial e entende a ‘doença mental’ como algo individual, descontextualizada das relações políticas e sociais. É uma oposição ao processo histórico da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que busca denunciar as atrocidades praticadas por hospitais psiquiátricos, comparados a campos de concentração nazista. Na última inspeção realizada em 2019, foi demonstrado que há quase 20 mil leitos em hospitais psiquiátricos no país, sendo dois desses hospitais os maiores da América Latina. Mais da metade dos hospitais que continuam em funcionamento são da época da ditadura militar, e todos os inspecionados apresentaram violações de direitos humanos.A Associação Brasileira de Psiquiatria, e as demais entidades que defendem esse revogaço, parecem não ter acompanhado a evolução histórica do reconhecimento das pessoas em sofrimento mental como sujeitos de direitos, ao invés de objetos de intervenção médica, fecha aspas.

ANA CAROLINA: Oi, meu nome é Carol, tenho 35 anos e vou falar um pouquinho sobre a minha depressão. Eu sempre tive depressão, na verdade, mas eu descobri, fui diagnosticada efetivamente depois de uma tentativa de suicídio alguns anos atrás, há 11 anos atrás, na verdade, quase 12. E nessa tentativa de suicídio foi o ápice da minha depressão, o momento em que eu cheguei mais ao fundo do poço, causado pela minha depressão, por conta de diversos fatores da minha vida. Após essa tentativa de suicídio, eu iniciei um tratamento mais profundamente com o psiquiatra e com o psicólogo, fazia o tratamento, acompanhamento com o psiquiatra, tomando o medicamento antidepressivo e mais um medicamento pra transtorno bipolar por um bom tempo, por alguns anos. E depois, agora, atualmente eu to tomando só o antidepressivo. E fazia também a terapia, uma vez por semana, por um bom tempo. Hoje em dia estão um pouco mais espaçadas as sessões da terapia e é sempre assim, um tratamento contínuo, que não acaba. Há alguns anos atrás, em 2017 ou 2018, eu fui convidada para participar de um projeto em Vinhedo, Valinhos e Campinas, onde o nosso intuito era prevenir a depressão e o suicídio entre jovens e adolescentes. E… eu fiz algumas palestras, eu contei a minha história, eu falei sobre o meu relato, a minha tentativa de suicídio, o meu tratamento, como foi, a necessidade de ter uma rede de apoio, que é muito importante o apoio dos familiares, dos amigos e profissional. E foi uma experiência muito boa pra mim, apesar de ser muito doloroso expor toda a minha história, falar sobre tudo o que eu passei, sobre tudo o que eu senti, e sobre tudo isso pra um público tão jovem, foi muito gratificante também. Hoje, eu sou uma pessoa que tem consciência do meu estado clínico em relação à depressão e que sabe os momentos em que ela pega, mas eu to passando por um momento muito lindo e muito complicado da minha vida, que eu to grávida do meu primeiro filho, e por mais que seja um momento extremamente difícil porque foi fruto de um…, não de um relacionamento estável, de um relacionamento passageiro, digamos assim, é uma coisa que me deixa muito feliz. E, apesar de toda essa felicidade, de eu estar muito feliz com a chegada desse bebê, eu ainda tenho os meus momentos de pavor, de medo, de ansiedade, e isso tudo sem a rede de apoio que eu tenho hoje, que são meus familiares, meus amigos, o tratamento com o psicólogo, sem isso tudo eu não conseguiria enxergar um lado bom dessa situação, dessa nova vida que está chegando na minha vida e, com certeza, eu não conseguiria ver o tanto que eu sou uma pessoa feliz e abençoada.

ÂNCORA TV TAROBÁ: O Supremo Tribunal Federal liberou a venda de testes psicológicos ao público em geral. Até então, apenas psicólogos tinham acesso ao material. O Conselho Federal de Psicologia já recorreu da decisão.

REPÓRTER TV TAROBÁ: Os testes verificam a condição psicológica das pessoas e atestam, por exemplo, capacidade para obter posse de armas, carteiras de habilitação e também é usado no curso de algum processo judicial. Na semana passada, o STF ampliou para qualquer profissional a possibilidade de comprá-los. Até então, apenas psicólogos com registro profissional tinham acesso ao material, vendido por distribuidoras autorizadas. Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes compara os testes a livros didáticos, para ele, tanto um quanto o outro devem ser acessíveis à população em geral. A aplicação dos testes, no entanto, fica restrita aos psicólogos.

ROBERTA BUENO: Além do revogaço, essa medida do Supremo Tribunal Federal, o STF, que autorizou a venda de testes psicológicos para qualquer pessoa, também preocupa especialistas. Até março deste ano, a venda estava limitada a psicólogos credenciados nos Conselhos Regionais de Psicologia.

RAFAEL REVADAM: Em uma live, a presidente do Conselho Federal de Psicologia, Ana Sandra Fernandes, explicou a importância dessa restrição na comercialização dos testes. Para a entidade, o acesso público a esses testes psicológicos, que normalmente são utilizados em exames para carteiras de habilitação ou para posse de armas, possibilita que pessoas não-capacitadas consigam treinar e serem aprovadas, obtendo registros sem a devida qualificação.

ANA SANDRA FERNANDES: Eu gostaria de, rapidamente, fazer um resgate sobre a nossa atuação a respeito dos testes psicológicos. Então, a primeira informação é que o CFP, em conjunto com as entidades da psicologia, também com os conselhos regionais, têm lutado o tempo todo para que o STF não chegasse ao entendimento que resultou na decisão publicada pela Corte. Na nossa avaliação, os testes psicológicos, eles não podem ser equiparados a livros didáticos porque acarreta consequências que colocam sob ameaças a segurança desses testes. Outra questão que eu quero bem rapidamente destacar é que a restrição ao qual se refere a Resolução nº 02/2003, é uma forma de proteger a sociedade, justamente por meio da segurança dos testes e, consequentemente, dos seus resultados. No contexto do trânsito, só para dar um exemplo, onde a letalidade é extremamente alta, não podemos, de modo algum, fragilizar a segurança dos resultados, porque isso significa, na prática, a possibilidade de termos condutores inaptos operando veículos pelas ruas do país. O mesmo acontece na avaliação que atesta, um outro exemplo, a aptidão para posse e manuseio de armas de fogo, precisamos de mecanismos qualificados e seguros para avaliar a aptidão das pessoas que almejam manusear estes artefatos, ou correremos o risco de não enfrentar, de maneira efetiva, o problema da violência e da segurança pública. Eu citei apenas estes dois exemplos, mas nós estamos falando de muitos outros contextos, de processos judiciais, de concursos públicos, organização do trabalho, bom, e tantos outros contextos.

ROBERTA BUENO: No dia 20 de abril, o Conselho entrou com uma medida no STF, para revogar essa decisão. Até a finalização desse episódio, esse processo segue em análise.

RAFAEL REVADAM: Outra questão foi a nomeação do psiquiatra Rafael Bernardon Ribeiro como o novo coordenador-geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, o que foi repudiado pelo Conselho Federal de Psicologia. Em nota, o Conselho afirmou que Rafael vem participando das políticas de desmonte da saúde pública desde o Governo Temer. Abre aspas: sua trajetória profissional é circunscrita à realidade do hospital psiquiátrico, sem experiências em serviços comunitários, é um ferrenho defensor da eletroconvulsoterapia, e pode ser considerado como um dos responsáveis pela assim chamada Nova Política Nacional de Saúde Mental, fecha aspas.

ROBERTA BUENO: E aí veio a pandemia e ainda haverá o pós-pandemia. E nessa avalanche de decisões contra a saúde mental, os especialistas são categóricos: não teremos estruturas para lidar com as consequências dos diagnósticos mentais que estão vindo com a covid. É o que explica a psicóloga Rosana Onocko.

ROSANA ONOCKO: A pandemia arrefecendo a gente vai ver nas reações das pessoas que depois, isso que eu tô falando, os lutos demorados, as fichas que caíram, a exaustão do trabalhador da saúde, do serviço indispensável, que só depois que pode parar um pouco que vai poder aparecer então haverá esse esse aumento de demanda sem dúvida, é… e há uma tentativa é… criminosa do governo federal de eliminar a política de saúde mental que tem sido construída ao longo dos últimos 30 anos né. Então assim, o Brasil que já saiu na literatura internacional, tem artigos no Lancet, nas melhores revistas assim, da saúde, internacionais, elogiando o processo de de desmonte dos manicômios e dos asilos para transformá-los numa rede de serviços comunitários articulados né, com atenção primária e com os serviços hospitalares do SUS, é… essa experiência tem sido saudada pela Organização Mundial da Saúde, por inúmeras publicações e constantemente, digamos, nos últimos 4, 5 anos, a gente tem tido ameaças né, de retrocessos importantes, já houve retirada de financiamentos pra alguns desses equipamentos, há um desinvestimento também crônico, praticamente desde 2016 pra frente é… das capacitações, dos treinamentos, porque são serviços que funcionam muito em relação ao trabalho clínico né, então precisa muito de um pessoal muito muito bem é… treinado e muito motivado né, pra pra enfrentar esse tipo de de questão.

RAFAEL REVADAM: Para a psicóloga Maria Carolina da Silveira Moesch, que também coordena o curso de psicologia da Universidade Comunitária da Região de Chapecó, a Unochapecó, a falta de estrutura para lidar com a pandemia pode intensificar práticas equivocadas no tratamento da saúde mental.

MARIA CAROLINA MOESCH: Com tudo aquilo que a gente tá vivendo de um congelamento né, de investimentos na saúde, e com uma necessidade muito grande da atenção básica de olhar pro pós-covid, e aí a atenção básica olhar de forma integral, eu não sei se a gente vai dar conta.. E aí entra nesse lugar assim de que, como que a gente vai olhar pra isso né, se a gente não vai medicalizar ainda mais a população como um cuidado paliativo, se a gente vai ter né, a possibilidade de ter um, de que a atenção básica em saúde possa pensar estratégias de acolhimento porque a gente está muito tempo sob a questão estressora né, vamos assim dizer. A gente tá muito tempo dentro do evento estressor e aí agrega-se a isso a uma falta de direção e de comando das ações, causa mais insegurança do que a insegurança na qual a gente já tá. E a gente tem só fatores que vão ampliar ainda mais a necessidade de cuidado em saúde mental, e que me parece que hoje a gente já não tem a estrutura, e o que a gente tinha tem sido alvo de desmonte quando a gente mais precisa. Então acho que a gente tem aí um problema grande de saúde pública pra muito tempo e que o meu receio é que a gente vai lidar com isso, como a gente vem lidando, e é com a medicalização da vida.

ROBERTA BUENO: E para evitar a medicalização, outras medidas são necessárias, como a união entre saúde e cultura. É o que a Rosana Onocko sugere.

ROSANA ONOCKO: Eu tenho pessoalmente insistido muito também na relevância né, que nesse processo todo ter a articulação da saúde com a cultura. Em que sentido eu tô dizendo isso, é que acho que nem todas essas, reações que a gente vai ter precisarão es.. necessariamente de tratamentos clínicos, ou de remédios, ou de intervenções clínicas mais específicas, mas sim precisarão de espaços de elaboração. Então nós vamos ter que poder criar muitos espaços culturais, no sentido não de entretenimento né, não no sentido assim de uma cultura que eu digo da, só da diversão, mas de espaços de elaboração, das pessoas poderem escrever, ler poesia, ver filmes, é, ter rodas de conversa, rodas de samba, enfim, o que seja, que permita que cada um de acordo a sua … ao que lhe agrada mais em termos culturais e a suas, a suas origens, é, possa ter algum espaço do, onde junto com outras pessoas possa elaborar esse período tão tão tenebroso que a gente tá vivendo. Porque o perigo se não fazermos isso é só medicalizar né, você acha que todo mundo vai se curar tomando remédio e a gente sabe que pra esse tipo de transtornos tem que ter muito clara a indicação de uma medicação.

RAFAEL REVADAM: E no meio desse caos de cortes e de tanta coisa a ser feita na luta pela saúde mental, qual é o papel da sociedade? Quem responde essa pergunta é o Fernando Freitas, pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Fiocruz.

FERNANDO FREITAS: O processo é complexo, e envolve muitos atores diferentes, né. Vamos, assim dizer, alguns atores principais, atores sociais principais. De um lado, óbvio, são os usuários, com a gente chama, né, ou pacientes. Que sejamos mais organizados, seja pra defender, não voltar à questão asilar né, a luta antimanicomial, que já é uma coisa relativamente forte no país, uma tradição da luta antimanicomial. Mas também contra outras formas violentas. Porque aí vai unificar não só quem já teve em um hospital, mas também a mim, a minha mãe, que não estão em um hospital psiquiátrico, mas são tratados pela psiquiatria, entendeu? E ficam dependentes dela. Ficam dependentes daquele remédio para dormir. Se não tomar aquele remédio, não dorme mais. E daqui a pouco vai ter que tomar mais e mais, e mais remédios. Isso é uma violência. Então, de repente essas pessoas, quer dizer, unificar os atores sociais, aqueles que já tiveram experiência com manicômio, etc, etc, mas também a sociedade em geral, nós. Na verdade, na verdade, uma parte razoável de nós, passamos por isso ou vamos passar por tratamento, por depressão… Outros atores são os profissionais de saúde mental, contra esse retrocesso. Mas eu acho que, sobretudo, a sociedade precisa estar bem informada. A sociedade, como um todo. Eu acho que falta muita informação, muito fake, muita fake news. Resumidamente, unindo os fatores sociais que estão em jogo com uma pauta em comum, como a luta antimanicomial, que é uma pauta forte, mas não ficar restrito a isso.

ROBERTA BUENO: Esse foi o último episódio do Casa de Orates. Ele foi apresentado por mim, Roberta Bueno, e pelo Rafael Revadam. Nós também participamos da produção, junto com a Ana Augusta Xavier.

RAFAEL REVADAM: As músicas usadas neste programa são da YouTube Audio Library, e os vídeos dos canais Tarobá Jornalismo e do Conselho Federal de Psicologia. A revisão do roteiro e a coordenação são da professora Simone Pallone, do Labjor/Unicamp, e os trabalhos técnicos são meus e do Octávio Augusto.

ROBERTA BUENO: Você também pode nos acompanhar nas redes sociais. Estamos no Facebook, (facebook.com/oxigenionoticias – tudo junto e sem acento). E no Instagram e no Twitter, basta procurar por “Oxigênio Podcast”.

ANA AUGUSTA XAVIER: Oi! Aqui é a Ana Augusta e eu invadi o final do programa pra me despedir e lembrar vocês de deixar a opinião sobre este episódio nas plataformas de streaming ou no site do Oxigênio. E de quebra, eu vou dar um spoiler: o Casa de Orates vai ter uma segunda temporada! Até lá!

———————————————
O vídeo do canal Tarobá Jornalismo pode ser visto na integrada em:
https://www.youtube.com/watch?v=Fhty-qEKy_Y&ab_channel=Tarob%C3%A1Jornalismo.

A live com a fala da presidente do Conselho Federal de Psicologia, Ana Sandra Fernandes está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HBAI9Y73zJ4&t=726s&ab_channel=ConselhoFederaldePsicologia.

Créditos da imagem: Zhang Kenny (Unsplash/@kennyzhang29)

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ROBERTA BUENO: Isso é o que associações e conselhos relacionados ao tema estão chamando de Nova Política Nacional de Saúde Mental, uma série de ações que intensificam as internações compulsórias, a medicalização e, principalmente, direcionam os pacientes com problemas de saúde mental a profissionais não-capacitados. Eu sou Roberta Bueno.

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MARCELO BRAÑAS: Eu tenho um viés pessoal pra responder essa pergunta porque felizmente eu tenho a sorte de trabalhar em um hospital que é referência no SUS, que é o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e também num hospital particular de referência que é o Hospital Israelita Albert Einstein, então, eu tenho pouco contato né, com outros serviços, por exemplo, postos de saúde, CAPS, e… outras coisas, só que eu tenho sim acesso a esse cenário ahnn através da população que acaba chegando no hospital das clínicas e conta pra gente como foi o atendimento em outros serviços, relatos de colegas que trabalham nesse serviços, e.. enfim, e o que que a gente observa, a gente observa que a maioria das diretrizes dos órgãos brasileiros por exemplo de saúde, como é o ministério da saúde, pelo menos até um passado recente, na maioria sim, estão de acordo com a Organização Mundial da Saúde, com outras instituições internacionais importantes de referência na medicina. Em importantes centros acadêmicos no Brasil, principalmente em hospitais-escola, né, a medicina praticada é a medicina baseada em evidência, nas evidências científicas atuais né. Agora, uma limitação, por exemplo, é a disponibilidade no SUS né, de tratamentos baseados em evidência. Tem uma gama gigantesca de medicações psiquiátricas que não tão disponíveis no SUS. Tem também várias psicoterapias especializadas que não tão disponíveis em quantidade suficiente no SUS. E outro ponto é que uma coisa é o que tá no livro né, uma coisa é o que tá nas diretrizes, uma coisa que se fala que tá nas universidades de ponta, outra coisa é o que é feita na prática e a gente sim, tanto no Brasil quanto em outros países, a gente ainda vê muitos profissionais tomando condutas e fazendo tratamentos baseado na sua opinião pessoal né, não baseados no que a ciência mostra que funciona, ou que não funciona né. Então, isso é um problema, porque é um gasto de recurso numa coisa que pode não ser a mais adequada, dado o conhecimento médico atual.

RAFAEL REVADAM: Esse é o psiquiatra Marcelo Brañas. A gente conversou com ele para entender o panorama da saúde mental no país. Parte da nossa conversa está no primeiro episódio dessa série, chamado Por que estamos ficando doentes?

ROBERTA BUENO: Hoje, o que é visto no dia a dia dos hospitais é uma realidade diferente da recomendada pela Organização Mundial da Saúde, a OMS. As mudanças nas políticas de saúde mental estão surgindo aos poucos, por meio de uma série de comunicados, projetos de lei e decisões judiciais. Na prática, uma burocracia direcionando verbas para outros tratamentos, dentro ou fora do SUS. Muitos sem embasamento científico.

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ROBERTA BUENO: Entre as principais ações estão a extinção das equipes que dão suporte para a transferência de moradores de hospitais psiquiátricos a serviços comunitários, o fim do programa De Volta para Casa, responsável pela reinserção social de pacientes com transtornos mentais, e alterações no financiamento do programa Consultório de Rua, que atende pessoas em situação de rua.

RAFAEL REVADAM: O projeto também previa mudanças no funcionamento dos Caps, os Centros de Atenção Psicossocial, incluindo a extinção daqueles que são voltados exclusivamente a usuários de drogas e álcool. Também havia uma proposta de afrouxar o controle das internações involuntárias, retirando a obrigatoriedade de comunicar o Ministério Público nesses casos. A professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Rosana Onocko, deu mais detalhes dessa situação.

ROSANA ONOCKO: Uma semana antes do ano acabar tinha essa ideia de que iriam ser revogadas não sei quantas portarias da saúde mental, e aí teve uma mobilização muito rápida, muito forte das várias associações, enfim, a ABRASME, ABRAPSO, ABRASCO, Ministério Público, e evidentemente toda essa reação tão grande conseguiu, por enquanto, né, é… brecar essa essa revogação de portarias. Mas esse governo tem tido esta atitude em inúmeras instâncias que contam com a participação social. Então, conselhos que eram de 200 pessoas foram reduzidos pra 20, é… representantes que tinham que ser indicados pelos pacientes ou pela comunidade passaram a ser indicados pelo governo. A lógica desse governo é uma lógica autoritária, vertical, que nega a participação, que se acha dono da razão, é… eu acho que cabe a nós, aos movimentos, os grupos que temos interesse em manter essa política pública viva, uma organização que vai ser dentro do grande do estado ampliado, mas não do aparelho do Estado nesse momento né. Então nós temos que continuar a fazer o que a gente faz, que é pesquisar, publicar, mostrar, é, fazer barulho, reclamar, é, fazer passeata, fazer abaixo-assinado, enfim, nós temos que ser o tempo inteiro um um uma máquina de frear barbaridades né.

ROBERTA BUENO: Além da Abrasme, a Associação Brasileira de Saúde Mental, da Abrapso, Associação Brasileira de Psicologia Social e da Abrasco, Associação Brasileira de Saúde Coletiva, citadas pela Rosana, outras entidades também se manifestaram contra o revogaço das políticas de saúde mental. Juntamente com os 24 Conselhos Regionais e o Conselho Federal de Psicologia, essas associações criaram um manifesto, que se espalhou na imprensa e pelas redes sociais.

RAFAEL REVADAM: O manifesto diz que, abre aspas: “a reformulação da assistência em saúde mental coloca o hospital psiquiátrico de volta à rede assistencial e entende a ‘doença mental’ como algo individual, descontextualizada das relações políticas e sociais. É uma oposição ao processo histórico da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que busca denunciar as atrocidades praticadas por hospitais psiquiátricos, comparados a campos de concentração nazista. Na última inspeção realizada em 2019, foi demonstrado que há quase 20 mil leitos em hospitais psiquiátricos no país, sendo dois desses hospitais os maiores da América Latina. Mais da metade dos hospitais que continuam em funcionamento são da época da ditadura militar, e todos os inspecionados apresentaram violações de direitos humanos.A Associação Brasileira de Psiquiatria, e as demais entidades que defendem esse revogaço, parecem não ter acompanhado a evolução histórica do reconhecimento das pessoas em sofrimento mental como sujeitos de direitos, ao invés de objetos de intervenção médica, fecha aspas.

ANA CAROLINA: Oi, meu nome é Carol, tenho 35 anos e vou falar um pouquinho sobre a minha depressão. Eu sempre tive depressão, na verdade, mas eu descobri, fui diagnosticada efetivamente depois de uma tentativa de suicídio alguns anos atrás, há 11 anos atrás, na verdade, quase 12. E nessa tentativa de suicídio foi o ápice da minha depressão, o momento em que eu cheguei mais ao fundo do poço, causado pela minha depressão, por conta de diversos fatores da minha vida. Após essa tentativa de suicídio, eu iniciei um tratamento mais profundamente com o psiquiatra e com o psicólogo, fazia o tratamento, acompanhamento com o psiquiatra, tomando o medicamento antidepressivo e mais um medicamento pra transtorno bipolar por um bom tempo, por alguns anos. E depois, agora, atualmente eu to tomando só o antidepressivo. E fazia também a terapia, uma vez por semana, por um bom tempo. Hoje em dia estão um pouco mais espaçadas as sessões da terapia e é sempre assim, um tratamento contínuo, que não acaba. Há alguns anos atrás, em 2017 ou 2018, eu fui convidada para participar de um projeto em Vinhedo, Valinhos e Campinas, onde o nosso intuito era prevenir a depressão e o suicídio entre jovens e adolescentes. E… eu fiz algumas palestras, eu contei a minha história, eu falei sobre o meu relato, a minha tentativa de suicídio, o meu tratamento, como foi, a necessidade de ter uma rede de apoio, que é muito importante o apoio dos familiares, dos amigos e profissional. E foi uma experiência muito boa pra mim, apesar de ser muito doloroso expor toda a minha história, falar sobre tudo o que eu passei, sobre tudo o que eu senti, e sobre tudo isso pra um público tão jovem, foi muito gratificante também. Hoje, eu sou uma pessoa que tem consciência do meu estado clínico em relação à depressão e que sabe os momentos em que ela pega, mas eu to passando por um momento muito lindo e muito complicado da minha vida, que eu to grávida do meu primeiro filho, e por mais que seja um momento extremamente difícil porque foi fruto de um…, não de um relacionamento estável, de um relacionamento passageiro, digamos assim, é uma coisa que me deixa muito feliz. E, apesar de toda essa felicidade, de eu estar muito feliz com a chegada desse bebê, eu ainda tenho os meus momentos de pavor, de medo, de ansiedade, e isso tudo sem a rede de apoio que eu tenho hoje, que são meus familiares, meus amigos, o tratamento com o psicólogo, sem isso tudo eu não conseguiria enxergar um lado bom dessa situação, dessa nova vida que está chegando na minha vida e, com certeza, eu não conseguiria ver o tanto que eu sou uma pessoa feliz e abençoada.

ÂNCORA TV TAROBÁ: O Supremo Tribunal Federal liberou a venda de testes psicológicos ao público em geral. Até então, apenas psicólogos tinham acesso ao material. O Conselho Federal de Psicologia já recorreu da decisão.

REPÓRTER TV TAROBÁ: Os testes verificam a condição psicológica das pessoas e atestam, por exemplo, capacidade para obter posse de armas, carteiras de habilitação e também é usado no curso de algum processo judicial. Na semana passada, o STF ampliou para qualquer profissional a possibilidade de comprá-los. Até então, apenas psicólogos com registro profissional tinham acesso ao material, vendido por distribuidoras autorizadas. Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes compara os testes a livros didáticos, para ele, tanto um quanto o outro devem ser acessíveis à população em geral. A aplicação dos testes, no entanto, fica restrita aos psicólogos.

ROBERTA BUENO: Além do revogaço, essa medida do Supremo Tribunal Federal, o STF, que autorizou a venda de testes psicológicos para qualquer pessoa, também preocupa especialistas. Até março deste ano, a venda estava limitada a psicólogos credenciados nos Conselhos Regionais de Psicologia.

RAFAEL REVADAM: Em uma live, a presidente do Conselho Federal de Psicologia, Ana Sandra Fernandes, explicou a importância dessa restrição na comercialização dos testes. Para a entidade, o acesso público a esses testes psicológicos, que normalmente são utilizados em exames para carteiras de habilitação ou para posse de armas, possibilita que pessoas não-capacitadas consigam treinar e serem aprovadas, obtendo registros sem a devida qualificação.

ANA SANDRA FERNANDES: Eu gostaria de, rapidamente, fazer um resgate sobre a nossa atuação a respeito dos testes psicológicos. Então, a primeira informação é que o CFP, em conjunto com as entidades da psicologia, também com os conselhos regionais, têm lutado o tempo todo para que o STF não chegasse ao entendimento que resultou na decisão publicada pela Corte. Na nossa avaliação, os testes psicológicos, eles não podem ser equiparados a livros didáticos porque acarreta consequências que colocam sob ameaças a segurança desses testes. Outra questão que eu quero bem rapidamente destacar é que a restrição ao qual se refere a Resolução nº 02/2003, é uma forma de proteger a sociedade, justamente por meio da segurança dos testes e, consequentemente, dos seus resultados. No contexto do trânsito, só para dar um exemplo, onde a letalidade é extremamente alta, não podemos, de modo algum, fragilizar a segurança dos resultados, porque isso significa, na prática, a possibilidade de termos condutores inaptos operando veículos pelas ruas do país. O mesmo acontece na avaliação que atesta, um outro exemplo, a aptidão para posse e manuseio de armas de fogo, precisamos de mecanismos qualificados e seguros para avaliar a aptidão das pessoas que almejam manusear estes artefatos, ou correremos o risco de não enfrentar, de maneira efetiva, o problema da violência e da segurança pública. Eu citei apenas estes dois exemplos, mas nós estamos falando de muitos outros contextos, de processos judiciais, de concursos públicos, organização do trabalho, bom, e tantos outros contextos.

ROBERTA BUENO: No dia 20 de abril, o Conselho entrou com uma medida no STF, para revogar essa decisão. Até a finalização desse episódio, esse processo segue em análise.

RAFAEL REVADAM: Outra questão foi a nomeação do psiquiatra Rafael Bernardon Ribeiro como o novo coordenador-geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, o que foi repudiado pelo Conselho Federal de Psicologia. Em nota, o Conselho afirmou que Rafael vem participando das políticas de desmonte da saúde pública desde o Governo Temer. Abre aspas: sua trajetória profissional é circunscrita à realidade do hospital psiquiátrico, sem experiências em serviços comunitários, é um ferrenho defensor da eletroconvulsoterapia, e pode ser considerado como um dos responsáveis pela assim chamada Nova Política Nacional de Saúde Mental, fecha aspas.

ROBERTA BUENO: E aí veio a pandemia e ainda haverá o pós-pandemia. E nessa avalanche de decisões contra a saúde mental, os especialistas são categóricos: não teremos estruturas para lidar com as consequências dos diagnósticos mentais que estão vindo com a covid. É o que explica a psicóloga Rosana Onocko.

ROSANA ONOCKO: A pandemia arrefecendo a gente vai ver nas reações das pessoas que depois, isso que eu tô falando, os lutos demorados, as fichas que caíram, a exaustão do trabalhador da saúde, do serviço indispensável, que só depois que pode parar um pouco que vai poder aparecer então haverá esse esse aumento de demanda sem dúvida, é… e há uma tentativa é… criminosa do governo federal de eliminar a política de saúde mental que tem sido construída ao longo dos últimos 30 anos né. Então assim, o Brasil que já saiu na literatura internacional, tem artigos no Lancet, nas melhores revistas assim, da saúde, internacionais, elogiando o processo de de desmonte dos manicômios e dos asilos para transformá-los numa rede de serviços comunitários articulados né, com atenção primária e com os serviços hospitalares do SUS, é… essa experiência tem sido saudada pela Organização Mundial da Saúde, por inúmeras publicações e constantemente, digamos, nos últimos 4, 5 anos, a gente tem tido ameaças né, de retrocessos importantes, já houve retirada de financiamentos pra alguns desses equipamentos, há um desinvestimento também crônico, praticamente desde 2016 pra frente é… das capacitações, dos treinamentos, porque são serviços que funcionam muito em relação ao trabalho clínico né, então precisa muito de um pessoal muito muito bem é… treinado e muito motivado né, pra pra enfrentar esse tipo de de questão.

RAFAEL REVADAM: Para a psicóloga Maria Carolina da Silveira Moesch, que também coordena o curso de psicologia da Universidade Comunitária da Região de Chapecó, a Unochapecó, a falta de estrutura para lidar com a pandemia pode intensificar práticas equivocadas no tratamento da saúde mental.

MARIA CAROLINA MOESCH: Com tudo aquilo que a gente tá vivendo de um congelamento né, de investimentos na saúde, e com uma necessidade muito grande da atenção básica de olhar pro pós-covid, e aí a atenção básica olhar de forma integral, eu não sei se a gente vai dar conta.. E aí entra nesse lugar assim de que, como que a gente vai olhar pra isso né, se a gente não vai medicalizar ainda mais a população como um cuidado paliativo, se a gente vai ter né, a possibilidade de ter um, de que a atenção básica em saúde possa pensar estratégias de acolhimento porque a gente está muito tempo sob a questão estressora né, vamos assim dizer. A gente tá muito tempo dentro do evento estressor e aí agrega-se a isso a uma falta de direção e de comando das ações, causa mais insegurança do que a insegurança na qual a gente já tá. E a gente tem só fatores que vão ampliar ainda mais a necessidade de cuidado em saúde mental, e que me parece que hoje a gente já não tem a estrutura, e o que a gente tinha tem sido alvo de desmonte quando a gente mais precisa. Então acho que a gente tem aí um problema grande de saúde pública pra muito tempo e que o meu receio é que a gente vai lidar com isso, como a gente vem lidando, e é com a medicalização da vida.

ROBERTA BUENO: E para evitar a medicalização, outras medidas são necessárias, como a união entre saúde e cultura. É o que a Rosana Onocko sugere.

ROSANA ONOCKO: Eu tenho pessoalmente insistido muito também na relevância né, que nesse processo todo ter a articulação da saúde com a cultura. Em que sentido eu tô dizendo isso, é que acho que nem todas essas, reações que a gente vai ter precisarão es.. necessariamente de tratamentos clínicos, ou de remédios, ou de intervenções clínicas mais específicas, mas sim precisarão de espaços de elaboração. Então nós vamos ter que poder criar muitos espaços culturais, no sentido não de entretenimento né, não no sentido assim de uma cultura que eu digo da, só da diversão, mas de espaços de elaboração, das pessoas poderem escrever, ler poesia, ver filmes, é, ter rodas de conversa, rodas de samba, enfim, o que seja, que permita que cada um de acordo a sua … ao que lhe agrada mais em termos culturais e a suas, a suas origens, é, possa ter algum espaço do, onde junto com outras pessoas possa elaborar esse período tão tão tenebroso que a gente tá vivendo. Porque o perigo se não fazermos isso é só medicalizar né, você acha que todo mundo vai se curar tomando remédio e a gente sabe que pra esse tipo de transtornos tem que ter muito clara a indicação de uma medicação.

RAFAEL REVADAM: E no meio desse caos de cortes e de tanta coisa a ser feita na luta pela saúde mental, qual é o papel da sociedade? Quem responde essa pergunta é o Fernando Freitas, pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Fiocruz.

FERNANDO FREITAS: O processo é complexo, e envolve muitos atores diferentes, né. Vamos, assim dizer, alguns atores principais, atores sociais principais. De um lado, óbvio, são os usuários, com a gente chama, né, ou pacientes. Que sejamos mais organizados, seja pra defender, não voltar à questão asilar né, a luta antimanicomial, que já é uma coisa relativamente forte no país, uma tradição da luta antimanicomial. Mas também contra outras formas violentas. Porque aí vai unificar não só quem já teve em um hospital, mas também a mim, a minha mãe, que não estão em um hospital psiquiátrico, mas são tratados pela psiquiatria, entendeu? E ficam dependentes dela. Ficam dependentes daquele remédio para dormir. Se não tomar aquele remédio, não dorme mais. E daqui a pouco vai ter que tomar mais e mais, e mais remédios. Isso é uma violência. Então, de repente essas pessoas, quer dizer, unificar os atores sociais, aqueles que já tiveram experiência com manicômio, etc, etc, mas também a sociedade em geral, nós. Na verdade, na verdade, uma parte razoável de nós, passamos por isso ou vamos passar por tratamento, por depressão… Outros atores são os profissionais de saúde mental, contra esse retrocesso. Mas eu acho que, sobretudo, a sociedade precisa estar bem informada. A sociedade, como um todo. Eu acho que falta muita informação, muito fake, muita fake news. Resumidamente, unindo os fatores sociais que estão em jogo com uma pauta em comum, como a luta antimanicomial, que é uma pauta forte, mas não ficar restrito a isso.

ROBERTA BUENO: Esse foi o último episódio do Casa de Orates. Ele foi apresentado por mim, Roberta Bueno, e pelo Rafael Revadam. Nós também participamos da produção, junto com a Ana Augusta Xavier.

RAFAEL REVADAM: As músicas usadas neste programa são da YouTube Audio Library, e os vídeos dos canais Tarobá Jornalismo e do Conselho Federal de Psicologia. A revisão do roteiro e a coordenação são da professora Simone Pallone, do Labjor/Unicamp, e os trabalhos técnicos são meus e do Octávio Augusto.

ROBERTA BUENO: Você também pode nos acompanhar nas redes sociais. Estamos no Facebook, (facebook.com/oxigenionoticias – tudo junto e sem acento). E no Instagram e no Twitter, basta procurar por “Oxigênio Podcast”.

ANA AUGUSTA XAVIER: Oi! Aqui é a Ana Augusta e eu invadi o final do programa pra me despedir e lembrar vocês de deixar a opinião sobre este episódio nas plataformas de streaming ou no site do Oxigênio. E de quebra, eu vou dar um spoiler: o Casa de Orates vai ter uma segunda temporada! Até lá!

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O vídeo do canal Tarobá Jornalismo pode ser visto na integrada em:
https://www.youtube.com/watch?v=Fhty-qEKy_Y&ab_channel=Tarob%C3%A1Jornalismo.

A live com a fala da presidente do Conselho Federal de Psicologia, Ana Sandra Fernandes está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HBAI9Y73zJ4&t=726s&ab_channel=ConselhoFederaldePsicologia.

Créditos da imagem: Zhang Kenny (Unsplash/@kennyzhang29)

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