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#150 – Divulgadoras científicas enfrentam o machismo nas redes sociais

 
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Diariamente, divulgadoras científicas enfrentam o machismo nas redes sociais. Apesar de estarem cada vez mais presentes nas plataformas digitais falando sobre ciência, as pesquisadoras ainda encontram dificuldades que homens não precisam enfrentar. Neste episódio, o Oxigênio ouviu relatos das divulgadoras Sara Tatiane, historiadora e mestranda na UFMG, Ariel Strauss, estudante de Geografia na UFF, Yanna Martins, astrônoma e doutoranda no Observatório do Valongo, da UFRJ, e Lucy Souza, bióloga e doutora em paleontologia.

ROTEIRO

Voz masculina 1: Pediria, por favor, para pronunciar corretamente alguns nomes.

Voz masculina 2: Só acho que você deveria usar uma máscara para cobrir o rosto, pois a sua beleza estava desviando a minha atenção.

Voz masculina 1: Estranho seria alguém que se veste assim não ter depressão.

Dimítria Coutinho: Esses são alguns comentários deixados por homens em conteúdos de divulgação científica feitos por mulheres nas redes sociais. Apesar de estarem cada vez mais presentes nas plataformas digitais falando sobre ciência, as pesquisadoras ainda encontram dificuldades que homens não precisam enfrentar.

Sara Tatiane: Muitas vezes os problemas que eu tinha não era os problemas que os rapazes tinham. Muitas vezes, eles estavam preocupados com o engajamento, com outras coisas e a gente tinha tantas outras coisas para preocupar: é a roupa que a gente estava usando, porque a gente se culpava sobre isso porque as pessoas comentavam isso nos comentários. A nossa própria voz. Eu percebi isso, foi muito frustrante, que as pessoas não estão acostumadas a ouvir em mulheres e a entonação da voz, a sua voz, era irritante para eles. “Ai que voz fina que voz, que voz isso, você não está arrumado o suficiente ou você está arrumada demais”, sabe? E eu vi as meninas se culpando, ‘questionando sobre isso no Twitter ou às vezes no nosso próprio grupo falando, e os rapazes: “nossa por que que as pessoas estão preocupados com isso?”. Elas não estão, é porque você é mulher, né? Então acaba que sempre vai ter alguma coisa que não é interessante para elas. Acaba que os comentários que eu recebo das mulheres são totalmente diferentes dos comentários que eu recebo dos homens, né? Normalmente os meus vídeos, eles são muito longos. Então é entre 30 e 40 minutos e de 30 a 40 minutos eu falando sem parar muitas vezes o comentário que os homens deixam são relacionados a minha aparência ou corrigindo alguma coisa, e normalmente essa correção não tem nada a ver com o que eu falei, ou eu nem disse aqui aquilo, ou às vezes repetindo o que eu falei com outras palavras, sabe? Eu sinto que o público masculino ele tem uma necessidade de afirmar sobre as mulheres muito forte o conhecimento deles, a opinião deles, então não vai ter um vídeo de conteúdo que eu não vou postar em que algum homem tem alguma consideração a fazer.

Dimítria Coutinho: Eu sou Dimítria Coutinho, e no episódio de hoje você vai ouvir relatos de mulheres que divulgam ciência nas redes sociais e enfrentam o machismo diariamente.

Dimítria Coutinho: Quem falou agora há pouco é a Sara Tatiane, historiadora, mestranda na UFMG e divulgadora científica no Twitter, onde tem quase 2 mil seguidores, e no YouTube, no canal Plein Air, com mais de 3 mil inscritos. Além dos comentários machistas que ela recebe do público, a cientista conta que o problema é tão estrutural que vem, por vezes, até da própria comunidade de divulgadores. Quando comentou a adentrar esse universo, a Sara conta que teve bastante apoio, começou a participar de grupos de WhatsApp nos quais outros divulgadores já mais renomados ajudavam os ingressantes com dúvidas técnicas e de engajamento. Mas o que parecia ser um ambiente acolhedor, acabou se mostrando um ambiente tão machista quanto aquele que ela já estava acostumada a vivenciar na Academia.

Sara Tatiane: Que foi um episódio sexual, sabe? Por parte de um dos divulgadores, e não era um divulgador comum, por assim dizer, era um divulgador que já tinha engajamento muito alto na mídia, nas plataformas que ele oferece o conteúdo dele e e ele tinha, dentro do grupo, ele era uma voz mais ativa, ele ajudava direcionar pessoas, principalmente mulheres que estavam chegando como eu. E eu cheguei até a ter um contato com ele através do WhatsApp e recebi várias mensagens de cunho não profissional. Só que na época eu eu meio que ignorei, assim, não me passou na minha cabeça que pudesse ser isso. E aí um tempo depois veio o exposed, né? As pessoas começaram a expor, mulheres, e os prints, e foi algo perturbador, porque o grupo de divulgação para ele era algo predatório em que ele pegava mulheres que estavam chegando no campo da divulgação científica, que queriam crescer, queriam apresentar o seu trabalho e ele utilizava isso para poder se aproximar delas, né? Inclusive com um proposta sexuais. Foi algo assim, muito horrível, sabe? E muitas dessas dessas meninas, eu conheci do grupo da divulgação, então quando a gente chegou a conversar foi muito perturbador porque eu vi que a divulgação estava seguindo os rumos da Academia, né? Até porque eram pessoas da Academia.

Dimítria Coutinho: A Ariel Strauss, estudante de Geografia na UFF e divulgadora científica no Twitter, onde tem mais de 2,5 mil seguidores, relata situações bastante parecidas.

Ariel Strauss: Como eu sou mulher, na verdade eu sou uma pessoa não binária, mas as pessoas me leem como uma mulher, e eu acabo falando de temas que eu não sou muito agradáveis, né? Falar sobre mudança climática é uma coisa que as pessoas não gostam de conversar sobre, quando eu não estou falando de mudanças climáticas, eu estou falando de geopolítica, que também é um terreno ali meio perigoso, então principalmente porque rolam alguns ataques né? Graças a Deus nunca chegou a rolar nenhum ataque organizado contra mim em específico, mas eu já vi acontecer com outras meninas que trabalham principalmente com a área de política e de geopolítica. E também o machismo no meio da divulgação científica, porque eu vejo muito uma brotheragem entre os caras, sabe, uma camaradagem entre eles que não se estende para as meninas. Então, várias vezes, já teve caso de divulgadores que nem da minha área são, são de áreas completamente nada a ver com a minha, não tem nenhuma afinidade com a geografia, querendo me ensinar a minha própria área de estudo. E eu não vejo isso acontecer entre os caras. Quando algum cara comete um erro, a galera vai falar no privado, dá um toque pelo WhatsApp, pela DM, e quando uma menina é muito pior. Às vezes você nem errou e os caras estão querendo te corrigir, ou então os seguidores marcam algum homem para perguntar se o que você falou está certo, sendo que o cara também não é da sua área. Então são coisas que desmotivam demais.

Dimítria Coutinho: Atualmente, 40% dos pesquisadores do Brasil que declaram ter doutorado são mulheres. O número vem aumentando a cada ano, mas quando a gente olha para cargos de liderança, esse crescimento não é percebido. Entre membros da Academia brasileira de ciências, por exemplo, apenas 19% são mulheres. Não raro, cientistas mulheres relatam casos de assédio vindos de colegas pesquisadores ou de orientadores e professores.

Yanna Martins: Me traz muita alegria ver mulheres cientistas assim até protagonizando algumas iniciativas. Eu fico muito feliz quando hoje em dia a gente pergunta para uma pessoa qualquer na rua se ela conhece algum cientista e as pessoas pensam na Natália Pasternak, por exemplo. Então, eu fico muito muito satisfeita com esse tipo de coisa, mas óbvio que ainda tem aquela imagem de: se você é mulher, você não pode ser cientista, né? Muita gente não acredita que uma mulher pode exercer esse tipo de carreira, e aí nas mais diversas, né? Na Biologia, na Química, na Física, na Astronomia, o que seja. Então, assim, eu acho que a pandemia ela, eu quero acreditar, na verdade, que a pandemia ela serviu como uma vitrine para isso, sabe? Porque eu acho que as mulheres tiveram um papel de protagonismo muito grande na pandemia, seja na área de virologia, farmacologia, enfim, e que é muito legal ver que a gente está começando a falar, a se expor também. E, assim, eu acho que é é uma caminhada, né? Óbvio que ainda, eu particularmente, sempre passo por episódios alguns episódios desagradáveis, né? Especialmente em rede social, porque sempre tem um homem que acha que a opinião se equivale a, sei lá, toda a minha formação aí de anos e anos na astronomia. Então, sempre tem alguém para descreditar né? Mas eu eu gosto de acreditar que que a gente está caminhando rumo a uma sociedade que acredita que a ciência também é lugar de mulher, que a mulher pode desempenhar qualquer atividade que ela quiser.

Dimítria Coutinho: Essa é a Yanna Martins, astrônoma e doutoranda no Observatório do Valongo, da UFRJ, e divulgadora científica no Twitter, onde tem mais de 8 mil seguidores, e no podcast Meandros. O que ela acredita é que uma maior presença feminina na divulgação científica pode ter a força para mudar o estereótipo que a sociedade tem da figura do cientista. Sim, o cientista. No geral, ainda se pensa em homens quando se fala em ciência. Por exemplo: uma pesquisa das cientistas Vanessa Brasil de Carvalho e Luisa Massarani mostrou que as mulheres são minoria na televisão quando o assunto é dar voz a algum cientista. E se hoje a gente reconhece divulgadoras como Natália Pasternak, como a Yanna citou, é porque esse movimento é muito, mas muito recente. É só olhar para a história da comunicação da ciência. Carl Sagan, Roquette Pinto, George Gamow, Isaac Asimov, Oliver Sacks… todos homens. Quantos nomes femininos conseguiram marcar a história em meio a um ambiente tão machista?

Dimítria Coutinho: Mas, então, será que basta as mulheres darem a cara à tapa nas redes sociais e encararem os comentários e ataques machistas até que um dia suas presenças sejam normalizadas? A Lucy Souza, bióloga, doutora em paleontologia e divulgadora científica no YouTube no canal Make Science BR, que tem mais de 8,5 mil inscritos, pondera a respeito desse tema.

Lucy Souza: Com as inúmeras divulgadoras científicas que tem surgindo, e o alcance que elas cada vez mais estão tendo e tal, eu acho que essa visão, esse estereótipo pode, sim, ser lentamente desconstruído, mas eu acho que a solução para esse problema é enfrentar o patriarcado, o machismo e realmente mudar a estrutura da nossa sociedade. Então eu acho que ajuda mas não resolve.

Dimítria Coutinho: E a Ariel confessa que é pessimista em relação a esse assunto.

Ariel Strauss: Olha, eu acho que eu vou, infelizmente eu vou ter que ser pessimista, porque eu acho que não, porque eu acho que não é só sobre ter mulheres dentro da ciência. A verdade é que pode soar até um pouco, não sei, um pouco estranho, mas eu estou um pouco cansada desse papo de “ah, não, mulheres na ciência, dentro do meio científico”, porque, tá, beleza, mulheres na ciência, mas de que mulheres que a gente está falando? Principalmente como uma pessoa negra, para mim não está fazendo diferença nenhuma sabe? Eu continuo num espaço, dentro da geografia, a gente tem um número muito grande de mulheres, mas mulheres brancas. Então, eu acho que enquanto a gente não entender que esse discurso precisa também se atentar a que mulheres a gente está falando, e que tem como a gente falar, sim, de uma classe de mulheres que têm privilégio sobre outras mulheres, a gente não vai para frente. Então, claro, eu fico muito feliz de estar vendo uma maior participação feminina dentro da divulgação científica, dentro da ciência no geral, mas quando eu vou ver que mulheres são essas, não são mulheres como eu, são sempre mulheres brancas mulheres, mulheres cis, então, eu acho que a gente precisa avançar para além do colocar mulheres, ou então fazer um espaço seguro para mulheres. A gente precisa discutir que mulheres são essas que estão tendo espaço na ciência, e por que outras mulheres fora desse padrão não estão tendo.

Dimítria Coutinho: Em meio a visões mais otimistas, ponderadas ou mais pessimistas a respeito do futuro impacto da divulgação científica feita por mulheres, fato é que, hoje, elas ainda não são bem aceitas.

Yanna Martins: E especialmente, assim, esses episódios chatos que acontecem sempre envolvem homens, isso é bem curioso, até porque quando rola de ter uma crítica alguma alguma dúvida, qualquer coisa do tipo, se é uma mulher fazendo isso, ela sempre faz de uma forma mais sensata, seja me mandando uma mensagem privada seja com palavras mais polidas, digamos assim, mas os homens não. Então, é um negócio bem sistemático, né? Mostra bastante, assim, dessa sociedade machista que a gente vive que os homens é tanto tendem a descreditar o nosso trabalho, como sendo uma mulher cientista, como acha que tem, se sente muito próximo a ponto de vir falar de uma forma rude pra mim. E é algo que eu observo não só comigo, né? Tenho tenho várias amigas também que já passaram por situações assim e até episódios mais extremos de gente que deixou de fazer divulgação científica, especialmente em rede social, por conta disso. Isso realmente me entristece muito e eu sei que é bem comum.

Dimítria Coutinho: Além da Yanna, que acabou de falar, a Lucy também tem experimentado o preconceito nas redes sociais.

Lucy Souza: Quando, logo após a minha transição de gênero veio a público, que quando eu transicionei, toda aquela energia que eu usava para ser alguém que eu não era, ela passou a sobrar e eu tive então a força e a coragem de de dar início a um sonho que eu sempre tive, que é o canal no YouTube. Proporcionalmente, eu acho que o meu maior público são pessoas LGBT, e principalmente pessoas trans, o que me faz muito feliz, porque é o público que eu queria atingir quando eu comecei a minha divulgação científica. Quanto aos comentários, vai desde elogios ao conteúdo, à minha aparência e tal, até críticas ao conteúdo, à minha aparência e ao fato de eu ser uma minoria identitária. Então, varia desde elogios a hate, é bem complexo. E em vídeos que eu abordo política e pautas LGBT, o hate geralmente é maior do que os elogios, isso é um padrão. O hate é uma coisa que é um desafio gigantesco, que faz o mal danado para saúde mental.

Dimítria Coutinho: E além dos ataques nas redes sociais e do machismo por parte de outros divulgadores científicos, cujos relatos a gente já ouviu neste episódio de podcast, as cientistas ainda precisam enfrentar mais alguns desafios. A falta de aceitação por parte da Academia é um deles.

Sara Tatiane: Não tem uma receptibilidade, assim, de certa forma. Acho que por várias questões, né? Como a gente muitas vezes não tem retorno financeiro disso, é algo que eles podem pensar que a gente está desocupado, outras pessoas falam muito, esse é o que eu mais escuto, é: você quer chamar atenção ou que você vai fazer com que a ciência perca credibilidade dela, né? Porque eu acho que eles pensam que a ciência tem que ser discutido só dentro da Academia, e a hora que você sai dessa porta meio que perde a seriedade e deixa de ser ciência, sabe?

Dimítria Coutinho: Diferentemente da Sara, que você acabou de ouvir, a Yanna se sente privilegiada nesse sentido, mas sabe das dificuldades que colegas enfrentam.

Yanna Martins: Olha, honestamente eu me sinto até privilegiada nesse sentido, porque na minha bolha de astronomia as pessoas que estão na pós-graduação, tanto tem a coisa de ter muita gente que está envolvida com divulgação científica também, como tem as pessoas que não estão envolvidas, mas que entendem e apoiam, entendem a importância de se fazer divulgação científica. Então eu, particularmente, nunca tive nenhum episódio de hostilidade, nem nada do tipo. Mas, óbvio, eu não sou inocente ao ponto de achar que isso não existe, né? Eu acho que até a estrutura da Academia, ela é feita de uma forma a suprimir esse tipo de iniciativa porque, por exemplo, a gente costuma falar que faz divulgação científica no tempo livre, e isso não é verdade, porque primeiro a gente não tem tempo livre, né? E a outra coisa é ser um trabalho enorme, gigantesco e não tem uma remuneração para isso, né? Porque atualmente o meu salário é a bolsa de doutorado, isso não tem, em nenhum momento é vinculado às atividades de divulgação científica que eu participo. E isso também não é contado como um trabalho, então eventualmente se eu publicar algum estudos sobre divulgação científica, que seja, isso não é contabilizado para possivelmente eu progredir de carreira, nem nada do tipo, e isso é até é é muito triste, né? Porque é um trabalho fantástico, é um trabalho necessário, e as agências de fomento, por exemplo, elas não consideram isso, né, como uma atividade que está melhorando a ciência no Brasil, que está exercendo um papel de retornar o conhecimento que a gente produz dentro da Academia, dentro da universidade, para a sociedade, né? Então, assim, eu não não passei por nenhum episódio ruim, mas eu acho que a gente ainda precisa progredir muito, né? Para realmente a divulgação científica ser considerada uma atividade que retorna coisas boas para a sociedade enquanto nesse momento não é o que a gente observa, né?

Dimítria Coutinho: Como a Yanna mencionou, ainda tem mais um grande desafio: a falta de remuneração para divulgadores científicos. Produzir conteúdo para as redes sociais toma tempo, é trabalhoso e desgastante. Mas o resultado nem sempre é um enorme engajamento. Muito pelo contrário. Na imensa maioria dos casos, os divulgadores fazem esse trabalho por paixão, sem qualquer tipo de retorno.

Lucy Souza: Porque você gasta um tempo muito grande da sua vida fazendo algo que, na maioria das vezes, é gratuito e geralmente só quando você tem um público muito grande que você consegue ter um retorno financeiro pequeno, que definitivamente não custeia todo tempo gasto nisso, então, eu acho que a não profissionalização dessa carreira é um sério problema.

Dimítria Coutinho: Diante de tantos desafios, muitas divulgadoras acabam desistindo pelo caminho. A Luúci, que acabou de falar, confessa que está bem parada nos últimos meses. Já a Sara pensou em desistir de tudo quando vivenciou aquele caso de assédio que relatou no começo do episódio e, agora, se desdobra para tentar conciliar a divulgação científica com seu mestrado. Outras tantas acabaram tendo que deixar a divulgação de lado.

Sara Tatiane: Acho que como em qualquer área, a divulgação científica, ela vai ser sempre mais difícil para mulher, né? Eu achava que por eu estar atrás do computador, da câmera, algumas coisas iam diminuir, relacionado à Academia, mas a questão do gênero ela permeia tudo e quando eu entrei nesse mundo eu vi que era só mais do mesmo. E daí que surge a necessidade de quanto mais mulheres, e mais mulheres com, não apenas mulheres, é importante pontuar, mas mulheres que têm uma certa consciência política, consciência do gênero, né? As questões que pairam, questões raciais, quanto mais mulheres a gente tiver com essa conscientização, aos poucos eu acho que a gente vai conseguir trazer mudanças que vão refletir na divulgação científica, quem sabe até na Academia, né?

Dimítria Coutinho: Antes da gente finalizar, eu queria relatar que, enquanto eu escrevia o roteiro desse podcast, ao digitar “as cientistas”, o corretor do Google tentou, entre aspas, corrigir o termo para “os cientistas”. De fato, o caminho a ser percorrido ainda é longo. Eu sou Dimítria Coutinho, responsável pela apuração, roteiro e edição deste episódio. A trilha sonora é do repositório Purple Planet. Obrigada pela companhia!

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Diariamente, divulgadoras científicas enfrentam o machismo nas redes sociais. Apesar de estarem cada vez mais presentes nas plataformas digitais falando sobre ciência, as pesquisadoras ainda encontram dificuldades que homens não precisam enfrentar. Neste episódio, o Oxigênio ouviu relatos das divulgadoras Sara Tatiane, historiadora e mestranda na UFMG, Ariel Strauss, estudante de Geografia na UFF, Yanna Martins, astrônoma e doutoranda no Observatório do Valongo, da UFRJ, e Lucy Souza, bióloga e doutora em paleontologia.

ROTEIRO

Voz masculina 1: Pediria, por favor, para pronunciar corretamente alguns nomes.

Voz masculina 2: Só acho que você deveria usar uma máscara para cobrir o rosto, pois a sua beleza estava desviando a minha atenção.

Voz masculina 1: Estranho seria alguém que se veste assim não ter depressão.

Dimítria Coutinho: Esses são alguns comentários deixados por homens em conteúdos de divulgação científica feitos por mulheres nas redes sociais. Apesar de estarem cada vez mais presentes nas plataformas digitais falando sobre ciência, as pesquisadoras ainda encontram dificuldades que homens não precisam enfrentar.

Sara Tatiane: Muitas vezes os problemas que eu tinha não era os problemas que os rapazes tinham. Muitas vezes, eles estavam preocupados com o engajamento, com outras coisas e a gente tinha tantas outras coisas para preocupar: é a roupa que a gente estava usando, porque a gente se culpava sobre isso porque as pessoas comentavam isso nos comentários. A nossa própria voz. Eu percebi isso, foi muito frustrante, que as pessoas não estão acostumadas a ouvir em mulheres e a entonação da voz, a sua voz, era irritante para eles. “Ai que voz fina que voz, que voz isso, você não está arrumado o suficiente ou você está arrumada demais”, sabe? E eu vi as meninas se culpando, ‘questionando sobre isso no Twitter ou às vezes no nosso próprio grupo falando, e os rapazes: “nossa por que que as pessoas estão preocupados com isso?”. Elas não estão, é porque você é mulher, né? Então acaba que sempre vai ter alguma coisa que não é interessante para elas. Acaba que os comentários que eu recebo das mulheres são totalmente diferentes dos comentários que eu recebo dos homens, né? Normalmente os meus vídeos, eles são muito longos. Então é entre 30 e 40 minutos e de 30 a 40 minutos eu falando sem parar muitas vezes o comentário que os homens deixam são relacionados a minha aparência ou corrigindo alguma coisa, e normalmente essa correção não tem nada a ver com o que eu falei, ou eu nem disse aqui aquilo, ou às vezes repetindo o que eu falei com outras palavras, sabe? Eu sinto que o público masculino ele tem uma necessidade de afirmar sobre as mulheres muito forte o conhecimento deles, a opinião deles, então não vai ter um vídeo de conteúdo que eu não vou postar em que algum homem tem alguma consideração a fazer.

Dimítria Coutinho: Eu sou Dimítria Coutinho, e no episódio de hoje você vai ouvir relatos de mulheres que divulgam ciência nas redes sociais e enfrentam o machismo diariamente.

Dimítria Coutinho: Quem falou agora há pouco é a Sara Tatiane, historiadora, mestranda na UFMG e divulgadora científica no Twitter, onde tem quase 2 mil seguidores, e no YouTube, no canal Plein Air, com mais de 3 mil inscritos. Além dos comentários machistas que ela recebe do público, a cientista conta que o problema é tão estrutural que vem, por vezes, até da própria comunidade de divulgadores. Quando comentou a adentrar esse universo, a Sara conta que teve bastante apoio, começou a participar de grupos de WhatsApp nos quais outros divulgadores já mais renomados ajudavam os ingressantes com dúvidas técnicas e de engajamento. Mas o que parecia ser um ambiente acolhedor, acabou se mostrando um ambiente tão machista quanto aquele que ela já estava acostumada a vivenciar na Academia.

Sara Tatiane: Que foi um episódio sexual, sabe? Por parte de um dos divulgadores, e não era um divulgador comum, por assim dizer, era um divulgador que já tinha engajamento muito alto na mídia, nas plataformas que ele oferece o conteúdo dele e e ele tinha, dentro do grupo, ele era uma voz mais ativa, ele ajudava direcionar pessoas, principalmente mulheres que estavam chegando como eu. E eu cheguei até a ter um contato com ele através do WhatsApp e recebi várias mensagens de cunho não profissional. Só que na época eu eu meio que ignorei, assim, não me passou na minha cabeça que pudesse ser isso. E aí um tempo depois veio o exposed, né? As pessoas começaram a expor, mulheres, e os prints, e foi algo perturbador, porque o grupo de divulgação para ele era algo predatório em que ele pegava mulheres que estavam chegando no campo da divulgação científica, que queriam crescer, queriam apresentar o seu trabalho e ele utilizava isso para poder se aproximar delas, né? Inclusive com um proposta sexuais. Foi algo assim, muito horrível, sabe? E muitas dessas dessas meninas, eu conheci do grupo da divulgação, então quando a gente chegou a conversar foi muito perturbador porque eu vi que a divulgação estava seguindo os rumos da Academia, né? Até porque eram pessoas da Academia.

Dimítria Coutinho: A Ariel Strauss, estudante de Geografia na UFF e divulgadora científica no Twitter, onde tem mais de 2,5 mil seguidores, relata situações bastante parecidas.

Ariel Strauss: Como eu sou mulher, na verdade eu sou uma pessoa não binária, mas as pessoas me leem como uma mulher, e eu acabo falando de temas que eu não sou muito agradáveis, né? Falar sobre mudança climática é uma coisa que as pessoas não gostam de conversar sobre, quando eu não estou falando de mudanças climáticas, eu estou falando de geopolítica, que também é um terreno ali meio perigoso, então principalmente porque rolam alguns ataques né? Graças a Deus nunca chegou a rolar nenhum ataque organizado contra mim em específico, mas eu já vi acontecer com outras meninas que trabalham principalmente com a área de política e de geopolítica. E também o machismo no meio da divulgação científica, porque eu vejo muito uma brotheragem entre os caras, sabe, uma camaradagem entre eles que não se estende para as meninas. Então, várias vezes, já teve caso de divulgadores que nem da minha área são, são de áreas completamente nada a ver com a minha, não tem nenhuma afinidade com a geografia, querendo me ensinar a minha própria área de estudo. E eu não vejo isso acontecer entre os caras. Quando algum cara comete um erro, a galera vai falar no privado, dá um toque pelo WhatsApp, pela DM, e quando uma menina é muito pior. Às vezes você nem errou e os caras estão querendo te corrigir, ou então os seguidores marcam algum homem para perguntar se o que você falou está certo, sendo que o cara também não é da sua área. Então são coisas que desmotivam demais.

Dimítria Coutinho: Atualmente, 40% dos pesquisadores do Brasil que declaram ter doutorado são mulheres. O número vem aumentando a cada ano, mas quando a gente olha para cargos de liderança, esse crescimento não é percebido. Entre membros da Academia brasileira de ciências, por exemplo, apenas 19% são mulheres. Não raro, cientistas mulheres relatam casos de assédio vindos de colegas pesquisadores ou de orientadores e professores.

Yanna Martins: Me traz muita alegria ver mulheres cientistas assim até protagonizando algumas iniciativas. Eu fico muito feliz quando hoje em dia a gente pergunta para uma pessoa qualquer na rua se ela conhece algum cientista e as pessoas pensam na Natália Pasternak, por exemplo. Então, eu fico muito muito satisfeita com esse tipo de coisa, mas óbvio que ainda tem aquela imagem de: se você é mulher, você não pode ser cientista, né? Muita gente não acredita que uma mulher pode exercer esse tipo de carreira, e aí nas mais diversas, né? Na Biologia, na Química, na Física, na Astronomia, o que seja. Então, assim, eu acho que a pandemia ela, eu quero acreditar, na verdade, que a pandemia ela serviu como uma vitrine para isso, sabe? Porque eu acho que as mulheres tiveram um papel de protagonismo muito grande na pandemia, seja na área de virologia, farmacologia, enfim, e que é muito legal ver que a gente está começando a falar, a se expor também. E, assim, eu acho que é é uma caminhada, né? Óbvio que ainda, eu particularmente, sempre passo por episódios alguns episódios desagradáveis, né? Especialmente em rede social, porque sempre tem um homem que acha que a opinião se equivale a, sei lá, toda a minha formação aí de anos e anos na astronomia. Então, sempre tem alguém para descreditar né? Mas eu eu gosto de acreditar que que a gente está caminhando rumo a uma sociedade que acredita que a ciência também é lugar de mulher, que a mulher pode desempenhar qualquer atividade que ela quiser.

Dimítria Coutinho: Essa é a Yanna Martins, astrônoma e doutoranda no Observatório do Valongo, da UFRJ, e divulgadora científica no Twitter, onde tem mais de 8 mil seguidores, e no podcast Meandros. O que ela acredita é que uma maior presença feminina na divulgação científica pode ter a força para mudar o estereótipo que a sociedade tem da figura do cientista. Sim, o cientista. No geral, ainda se pensa em homens quando se fala em ciência. Por exemplo: uma pesquisa das cientistas Vanessa Brasil de Carvalho e Luisa Massarani mostrou que as mulheres são minoria na televisão quando o assunto é dar voz a algum cientista. E se hoje a gente reconhece divulgadoras como Natália Pasternak, como a Yanna citou, é porque esse movimento é muito, mas muito recente. É só olhar para a história da comunicação da ciência. Carl Sagan, Roquette Pinto, George Gamow, Isaac Asimov, Oliver Sacks… todos homens. Quantos nomes femininos conseguiram marcar a história em meio a um ambiente tão machista?

Dimítria Coutinho: Mas, então, será que basta as mulheres darem a cara à tapa nas redes sociais e encararem os comentários e ataques machistas até que um dia suas presenças sejam normalizadas? A Lucy Souza, bióloga, doutora em paleontologia e divulgadora científica no YouTube no canal Make Science BR, que tem mais de 8,5 mil inscritos, pondera a respeito desse tema.

Lucy Souza: Com as inúmeras divulgadoras científicas que tem surgindo, e o alcance que elas cada vez mais estão tendo e tal, eu acho que essa visão, esse estereótipo pode, sim, ser lentamente desconstruído, mas eu acho que a solução para esse problema é enfrentar o patriarcado, o machismo e realmente mudar a estrutura da nossa sociedade. Então eu acho que ajuda mas não resolve.

Dimítria Coutinho: E a Ariel confessa que é pessimista em relação a esse assunto.

Ariel Strauss: Olha, eu acho que eu vou, infelizmente eu vou ter que ser pessimista, porque eu acho que não, porque eu acho que não é só sobre ter mulheres dentro da ciência. A verdade é que pode soar até um pouco, não sei, um pouco estranho, mas eu estou um pouco cansada desse papo de “ah, não, mulheres na ciência, dentro do meio científico”, porque, tá, beleza, mulheres na ciência, mas de que mulheres que a gente está falando? Principalmente como uma pessoa negra, para mim não está fazendo diferença nenhuma sabe? Eu continuo num espaço, dentro da geografia, a gente tem um número muito grande de mulheres, mas mulheres brancas. Então, eu acho que enquanto a gente não entender que esse discurso precisa também se atentar a que mulheres a gente está falando, e que tem como a gente falar, sim, de uma classe de mulheres que têm privilégio sobre outras mulheres, a gente não vai para frente. Então, claro, eu fico muito feliz de estar vendo uma maior participação feminina dentro da divulgação científica, dentro da ciência no geral, mas quando eu vou ver que mulheres são essas, não são mulheres como eu, são sempre mulheres brancas mulheres, mulheres cis, então, eu acho que a gente precisa avançar para além do colocar mulheres, ou então fazer um espaço seguro para mulheres. A gente precisa discutir que mulheres são essas que estão tendo espaço na ciência, e por que outras mulheres fora desse padrão não estão tendo.

Dimítria Coutinho: Em meio a visões mais otimistas, ponderadas ou mais pessimistas a respeito do futuro impacto da divulgação científica feita por mulheres, fato é que, hoje, elas ainda não são bem aceitas.

Yanna Martins: E especialmente, assim, esses episódios chatos que acontecem sempre envolvem homens, isso é bem curioso, até porque quando rola de ter uma crítica alguma alguma dúvida, qualquer coisa do tipo, se é uma mulher fazendo isso, ela sempre faz de uma forma mais sensata, seja me mandando uma mensagem privada seja com palavras mais polidas, digamos assim, mas os homens não. Então, é um negócio bem sistemático, né? Mostra bastante, assim, dessa sociedade machista que a gente vive que os homens é tanto tendem a descreditar o nosso trabalho, como sendo uma mulher cientista, como acha que tem, se sente muito próximo a ponto de vir falar de uma forma rude pra mim. E é algo que eu observo não só comigo, né? Tenho tenho várias amigas também que já passaram por situações assim e até episódios mais extremos de gente que deixou de fazer divulgação científica, especialmente em rede social, por conta disso. Isso realmente me entristece muito e eu sei que é bem comum.

Dimítria Coutinho: Além da Yanna, que acabou de falar, a Lucy também tem experimentado o preconceito nas redes sociais.

Lucy Souza: Quando, logo após a minha transição de gênero veio a público, que quando eu transicionei, toda aquela energia que eu usava para ser alguém que eu não era, ela passou a sobrar e eu tive então a força e a coragem de de dar início a um sonho que eu sempre tive, que é o canal no YouTube. Proporcionalmente, eu acho que o meu maior público são pessoas LGBT, e principalmente pessoas trans, o que me faz muito feliz, porque é o público que eu queria atingir quando eu comecei a minha divulgação científica. Quanto aos comentários, vai desde elogios ao conteúdo, à minha aparência e tal, até críticas ao conteúdo, à minha aparência e ao fato de eu ser uma minoria identitária. Então, varia desde elogios a hate, é bem complexo. E em vídeos que eu abordo política e pautas LGBT, o hate geralmente é maior do que os elogios, isso é um padrão. O hate é uma coisa que é um desafio gigantesco, que faz o mal danado para saúde mental.

Dimítria Coutinho: E além dos ataques nas redes sociais e do machismo por parte de outros divulgadores científicos, cujos relatos a gente já ouviu neste episódio de podcast, as cientistas ainda precisam enfrentar mais alguns desafios. A falta de aceitação por parte da Academia é um deles.

Sara Tatiane: Não tem uma receptibilidade, assim, de certa forma. Acho que por várias questões, né? Como a gente muitas vezes não tem retorno financeiro disso, é algo que eles podem pensar que a gente está desocupado, outras pessoas falam muito, esse é o que eu mais escuto, é: você quer chamar atenção ou que você vai fazer com que a ciência perca credibilidade dela, né? Porque eu acho que eles pensam que a ciência tem que ser discutido só dentro da Academia, e a hora que você sai dessa porta meio que perde a seriedade e deixa de ser ciência, sabe?

Dimítria Coutinho: Diferentemente da Sara, que você acabou de ouvir, a Yanna se sente privilegiada nesse sentido, mas sabe das dificuldades que colegas enfrentam.

Yanna Martins: Olha, honestamente eu me sinto até privilegiada nesse sentido, porque na minha bolha de astronomia as pessoas que estão na pós-graduação, tanto tem a coisa de ter muita gente que está envolvida com divulgação científica também, como tem as pessoas que não estão envolvidas, mas que entendem e apoiam, entendem a importância de se fazer divulgação científica. Então eu, particularmente, nunca tive nenhum episódio de hostilidade, nem nada do tipo. Mas, óbvio, eu não sou inocente ao ponto de achar que isso não existe, né? Eu acho que até a estrutura da Academia, ela é feita de uma forma a suprimir esse tipo de iniciativa porque, por exemplo, a gente costuma falar que faz divulgação científica no tempo livre, e isso não é verdade, porque primeiro a gente não tem tempo livre, né? E a outra coisa é ser um trabalho enorme, gigantesco e não tem uma remuneração para isso, né? Porque atualmente o meu salário é a bolsa de doutorado, isso não tem, em nenhum momento é vinculado às atividades de divulgação científica que eu participo. E isso também não é contado como um trabalho, então eventualmente se eu publicar algum estudos sobre divulgação científica, que seja, isso não é contabilizado para possivelmente eu progredir de carreira, nem nada do tipo, e isso é até é é muito triste, né? Porque é um trabalho fantástico, é um trabalho necessário, e as agências de fomento, por exemplo, elas não consideram isso, né, como uma atividade que está melhorando a ciência no Brasil, que está exercendo um papel de retornar o conhecimento que a gente produz dentro da Academia, dentro da universidade, para a sociedade, né? Então, assim, eu não não passei por nenhum episódio ruim, mas eu acho que a gente ainda precisa progredir muito, né? Para realmente a divulgação científica ser considerada uma atividade que retorna coisas boas para a sociedade enquanto nesse momento não é o que a gente observa, né?

Dimítria Coutinho: Como a Yanna mencionou, ainda tem mais um grande desafio: a falta de remuneração para divulgadores científicos. Produzir conteúdo para as redes sociais toma tempo, é trabalhoso e desgastante. Mas o resultado nem sempre é um enorme engajamento. Muito pelo contrário. Na imensa maioria dos casos, os divulgadores fazem esse trabalho por paixão, sem qualquer tipo de retorno.

Lucy Souza: Porque você gasta um tempo muito grande da sua vida fazendo algo que, na maioria das vezes, é gratuito e geralmente só quando você tem um público muito grande que você consegue ter um retorno financeiro pequeno, que definitivamente não custeia todo tempo gasto nisso, então, eu acho que a não profissionalização dessa carreira é um sério problema.

Dimítria Coutinho: Diante de tantos desafios, muitas divulgadoras acabam desistindo pelo caminho. A Luúci, que acabou de falar, confessa que está bem parada nos últimos meses. Já a Sara pensou em desistir de tudo quando vivenciou aquele caso de assédio que relatou no começo do episódio e, agora, se desdobra para tentar conciliar a divulgação científica com seu mestrado. Outras tantas acabaram tendo que deixar a divulgação de lado.

Sara Tatiane: Acho que como em qualquer área, a divulgação científica, ela vai ser sempre mais difícil para mulher, né? Eu achava que por eu estar atrás do computador, da câmera, algumas coisas iam diminuir, relacionado à Academia, mas a questão do gênero ela permeia tudo e quando eu entrei nesse mundo eu vi que era só mais do mesmo. E daí que surge a necessidade de quanto mais mulheres, e mais mulheres com, não apenas mulheres, é importante pontuar, mas mulheres que têm uma certa consciência política, consciência do gênero, né? As questões que pairam, questões raciais, quanto mais mulheres a gente tiver com essa conscientização, aos poucos eu acho que a gente vai conseguir trazer mudanças que vão refletir na divulgação científica, quem sabe até na Academia, né?

Dimítria Coutinho: Antes da gente finalizar, eu queria relatar que, enquanto eu escrevia o roteiro desse podcast, ao digitar “as cientistas”, o corretor do Google tentou, entre aspas, corrigir o termo para “os cientistas”. De fato, o caminho a ser percorrido ainda é longo. Eu sou Dimítria Coutinho, responsável pela apuração, roteiro e edição deste episódio. A trilha sonora é do repositório Purple Planet. Obrigada pela companhia!

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