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#153 – Emergência climática e as implicações do Relatório do IPCC (ep. 1)

 
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O sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, o IPCC foi lançado no primeiro semestre deste ano. Conhecido por AR6 (Assessment Report 6, na sigla em inglês) ele foi produzido por cientistas de destaque do mundo inteiro, divididos em três Grupos de Trabalho (GTs). No final de 2022 ou início de 2023 está prevista a publicação de uma síntese dos principais destaques de todo o relatório. Leandro Magrini entrevistou dois pesquisadores brasileiros que participaram da elaboração do relatório, que são a Patrícia Pinho, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, o IPAM e o David Lapola, pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura, o Cepagri, da Unicamp. Os dois apresentaram para o Oxigênio algumas constatações do documento e já sugerem algumas medidas para mitigação das causas das mudanças climáticas, quanto de adaptação. Este episódio foi dividido em duas partes.

ROTEIRO
Leandro Magrini: “É pior, muito pior do que você imagina. A lentidão da mudança climática é um conto de fadas, talvez tão pernicioso quanto aquele que afirma que ela não existe, e chega a nós em um pacote de ilusões reconfortantes: a de que o aquecimento global é uma saga ártica, que se desenrola num lugar remoto;
de que é estritamente uma questão de nível do mar e de litorais, não uma crise abrangente que afeta cada canto do globo, cada ser vivo;
de que se trata de uma crise do mundo natural, não do humano;
de que vivemos hoje de algum modo acima ou no mínimo protegidos da natureza, não inescapavelmente dentro dela e literalmente sujeitados a ela;
de que a riqueza pode ser um escudo contra as devastações do aquecimento; de que a queima de combustíveis fósseis é o preço do crescimento econômico contínuo; de que o crescimento e a tecnologia que ele gera nos propiciarão a engenharia necessária para escapar do desastre ambiental; de que há algum análogo dessa ameaça, no longo arco da história humana, capaz de nos deixar confiantes de que sairemos vitoriosos dessa nossa medição de forças com ela. Nada disso é verdade!”

Leandro Magrini: Esse é um trecho da abertura do livro “A Terra Inabitável: uma história do futuro”, de autoria do jornalista David Wallace-Wells, publicado originalmente em inglês em 2019, e traduzido para o português no mesmo ano. De 2019 para cá, apesar de estarmos falando de apenas 3 anos, podemos observar com nossos próprios olhos e também tomar conhecimento das constatações inequívocas da ciência, de que as consequências do aquecimento global e das mudanças climáticas – mais adequadamente nomeada como Crise ou Emergência Climática – estão ficando mais severas a cada ano. Nos últimos anos tivemos recordes sucessivos de eventos climáticos extremos e catástrofes por todo o planeta…

Fernanda Capuvilla: Em meados de 2021, e neste ano, no final de fevereiro e na primeira semana de abril, tivemos a publicação, respectivamente, das três partes (ou volumes) do Sexto Relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU. Esse relatório, também conhecido como AR6 (Assessment Report 6, na sigla em inglês) é produzido por cientistas de destaque do mundo inteiro, divididos em três Grupos de Trabalho (GTs). O 1º grupo se dedica às bases físicas das mudanças climáticas, ou seja, a parte de meteorologia e de modelagem da mudança do clima; o 2º grupo estuda a adaptação e as vulnerabilidades às mudanças climáticas; e o grupo 3 trata da mitigação das causas das mudanças climáticas, ou seja, da redução das emissões de gases de efeito estufa.

Leandro Magrini: Ao longo de dois episódios conversaremos com dois dos autores brasileiros do novo relatório do IPCC sobre as mensagens principais do relatório e suas implicações para o Brasil, com maior atenção para a Floresta Amazônica e para o mundo. Os convidados são Patricia Pinho, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, o IPAM; e David Lapola, pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura, o Cepagri, da Unicamp. Um destaque especial é dado à segunda parte do relatório, que tratou dos “Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades” das Mudanças Climáticas. Os impactos das mudanças climáticas também são exemplificados pelas consequências das chuvas extremas neste ano, na região metropolitana de Recife, pelo depoimento de Nathalia Gabriele Alves Davi, que dá voz a sua comunidade, que foi bastante afetada. No final de 2022 ou início de 2023 está prevista a publicação pelo IPCC de uma síntese dos principais destaques de todo o relatório.

Leandro Magrini: Eu sou Leandro Magrini.

Fernanda Capuvilla: E eu sou a Fernanda Capuvilla.

[vinheta Oxigênio]

David Lapola: O IPCC existe desde 1988. Ele lançou o primeiro relatório em 1990. Os relatórios foram ficando cada vez maiores, mais grossos porque as evidências sobre esse assunto foram ficando mais numerosas, certo? Mas esse primeiro relatório, se você voltar lá, ele está disponível na página do IPCC – esse relatório de 1990 traz basicamente a mesma mensagem central, de que existe um problema de mudanças climáticas.
Naquela época falava assim, muito provavelmente; hoje em dia já é assim, com certeza, é causado por humanos, por conta de aumento das emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera. E nós precisamos fazer alguma coisa em relação a isso. Essa já era a mensagem em 1990; continua sendo agora. Desde então ficou mais claro que era cada vez menos um problema científico e cada vez mais um problema político. É uma decisão política resolver. Claro, o IPCC foi desenvolvendo cada vez mais estudos sobre mitigação, estudos sobre adaptação, mas a decisão de implementar essas alternativas ou não, é uma decisão política.

Fernanda Capuvilla: Esse é David Lapola, pesquisador do Cepagri-Unicamp. David foi autor-colaborador de dois dos capítulos da segunda parte do relatório do IPCC, lançado em 2022.

Leandro Magrini: Eu perguntei para a Patricia Pinho, pesquisadora do IPAM, se com base nas revelações do novo Relatório do IPCC, ela também considera que a emergência climática que vivemos é muito mais grave e urgente do que a sociedade poderia imaginar.

Patricia Pinho: Eu acho que sim, a emergência climática que vivemos é hoje muito mais grave, urgente, do que a sociedade ou a humanidade podia imaginar! Um exemplo que eu uso é sobre todos estarem vivendo a mesma tempestade. No entanto, o tipo de barco que a gente tá, ele é diferente; o tipo de equipamento que nós temos pra enfrentar essa tempestade não é o mesmo. As condições que você está, o status socioeconômico ou a cor da sua pele ou o lugar onde você mora – ele tem sim muito a ver com grau de exposição à vulnerabilidade que você vai ter esse risco, embora todo mundo vai ser afetado, algumas populações estão nessa linha de frente, que são as populações mais vulneráveis…

Leandro Magrini: Sob o título de divulgação para a imprensa “Mudanças climáticas: uma ameaça ao bem-estar humano e à saúde do planeta”, a segunda parte do mais recente relatório do IPCC (o AR6), em que Patrícia foi autora líder e David foi autor colaborador trouxe como destaques o fato das mudanças climáticas, devido às ações humanas estarem causando rupturas perigosas e amplamente distribuídas na natureza. Suas consequências já estão afetando a vida de quase metade da população mundial, em torno de 3,5 bilhões de pessoas. Preocupa também a mortalidade provocada pela frequência de eventos climáticos extremos, que foi 15 vezes maior na última década para os países que se encontram em situação de maior vulnerabilidade em relação aos demais, como o Brasil. Dentre esses eventos climáticos extremos estão inundações, secas, ondas de calor e tempestades.

David Lapola: Uma mensagem muito forte para mim, na verdade, já era conhecida até antes desse relatório, o AR6. Um desses relatórios temáticos entre o AR5 e o AR6 já estava apontando que se a gente quisesse ficar em 1,5ºC de aquecimento médio do planeta ao longo deste século, isso não daria para acontecer sem a remoção ativa de gás de efeito estufa, principalmente de CO2 da atmosfera. Essa remoção ativa é ou através de você plantar muita árvore – isso vai absorvendo o gás carbônico da atmosfera – coisa que já está bem estudado que por si só fica longe de resolver o problema; ou a gente desenvolve alguma tecnologia que consiga tirar o CO2 da atmosfera em larga escala e armazená-lo embaixo do solo; ou de alguma outra forma.
Sem isso, não dá para restringir a temperatura em 1,5ºC. E isso é claro, é uma consequência dessa demora, desde 1990 até agora, em resolver o problema.

Fernanda Capuvilla: David se refere ao relatório especial do IPCC de 2018 sobre o Aumento da Temperatura Global de 1,5 graus centígrados, lançado entre o Relatório de 2014, o AR5, e o último relatório, de 2021/2022, o AR6. Os relatórios do IPCC são produzidos por centenas de cientistas que estão entre os principais especialistas do mundo sobre o tema das mudanças climáticas. Cada relatório é produzido em intervalos entre 5 e 7 anos com base na revisão dos trabalhos científicos e relatórios técnicos mais relevantes publicados sobre as mudanças climáticas nos últimos anos. O resultado é uma síntese do estado atual de conhecimento sobre as mudanças climáticas e seus impactos, além de projeções das consequências das mudanças climáticas em diferentes cenários de aquecimento global no futuro próximo, ou seja, nas próximas décadas. E entre os relatórios do IPCC são publicados relatórios temáticos especiais menores. Mas voltando ao AR6…

Patricia Pinho: Sobre as principais conclusões do relatório, acho que a primeira é que as emissões de origem antropogênica têm gerado impactos adversos expressivos e significantes em todos os países ao redor do mundo, e ela se confere genuinamente como uma ameaça à humanidade.
Trouxe também com muita propriedade que essa vulnerabilidade, essa ameaça é real para a sociedade, para a humanidade globalmente, mas existe um componente de alta desigualdade nos impactos. Uma novidade é a justiça climática, que veio com proeminência em todos os capítulos desse relatório.

Leandro Magrini: A Patrícia explica que a justiça climática significa que “os impactos e os riscos /devido às mudanças climáticas não são experienciados de maneira homogênea ao redor do mundo / por todos os ecossistemas ou por todas as pessoas. Ou seja, “existe um componente de assimetria das mudanças climáticas que é a contribuição histórica dos maiores emissores” de gases de efeito estufa. Voltando às considerações da nossa entrevistada sobre os grandes emissores…

Patricia Pinho: Elas são muito oriundas de países desenvolvidos que têm também sofrido com os impactos das mudanças climáticas na sociedade, na economia; mas por serem países desenvolvidos economicamente, embora de base não sustentável, eles têm a capacidade de implementar as respostas – têm recursos econômicos, capital social, cultural, governança, e instituições que podem promover isso. No entanto, os impactos mais negativos, mais expressivos, têm sobrecaído nas populações ou regiões do Sul Global, onde a capacidade de resposta é reduzida porque existe uma alta concentração de pobreza e desigualdade social. Nesses países que pouquíssimo ou praticamente nada contribuíram para o agravamento da crise climática e, no entanto, são eles que estão sofrendo os maiores impactos.

Fernanda Capuvilla: Para Patricia, o relatório destaca que os impactos e riscos para os ecossistemas ao redor do mundo e para a humanidade são altos e comuns a todos. Porém, há diferentes pontos de partida para implementar estratégias de adaptação para enfrentar as mudanças climáticas, o que o IPCC chamou de trajetória de resiliência climática para os próximos anos. Mas o que isso significa?

Patricia Pinho: Isso quer dizer que dependendo em que espectro de vulnerabilidade você se encontra ou o país se encontra, é a partir daí que as estratégias de adaptação têm que ser tomadas. Então isso mostra quais são as maiores barreiras de adaptação para implementar. A gente sabe que a marginalização, os grupos étnicos, as questões de gênero, as mulheres, as crianças, os idosos – é a geografia onde esse risco se projeta, se materializa. Eles produzem impactos diferenciados. Então essas desigualdades também foram pautadas para conseguir que essas trajetórias resilientes sejam possíveis.

Leandro Magrini: Para ilustrar o que a Patrícia diz sobre os diferentes espectros de vulnerabilidade em que as pessoas se encontram, falamos com a Nathalia Gabriele Alves Davi, moradora de Recife. A capital do estado de Pernambuco foi uma das 31 cidades do estado que decretaram estado de emergência devido às chuvas e inundações no final de maio deste ano, de acordo com o Portal Folha de Pernambuco do início de junho.

Nathalia Gabriele Davi: Eu sou representante do Movimento de Trabalhadores Sem Tetos aqui em Pernambuco, especificamente em Recife, na grande [área] Metropolitana do Recife. A gente tem cinco ocupações e tem outras em Camaragibe, que é uma cidade mais próxima.

Leandro Magrini: Nathalia mora há pouco mais de um ano na comunidade da Várzea em Recife, na região nordeste da ocupação.

Nathalia Gabriele: As chuvas já vinham acontecendo, mas assim, moderadamente. E aí ocorreu esse fato no dia 28 de maio até o dia 30, no qual as chuvas se excederam. Assim, não parava de chover. O nível da chuva foi muito forte.

Nathalia Gabriele: Eu resido na ocupação da Várzea – uma ocupação Agroecológica Quilombo do Capibaribe. É um terreno que a gente ocupou há um ano, na verdade, ainda estava em processo de fundação o terreno, e aí está abaixo do nível da rua. E aí em decorrência disso, alagou.
A gente tem 17 lotes nesse terreno, e aí o pessoal que mora mais atrás foi o que ficou mais prejudicado. Mas assim, no entorno da Várzea outras pessoas ficaram ainda mais prejudicadas porque o bairro, ele é segmentado de rios. O rio Capibaribe, ele passa em torno do bairro, e para além disso, a gente tem a questão de barreiras também aqui, que houveram alguns desabamentos de barreiras.

Leandro Magrini: Nathália materializa muitas das vulnerabilidades apontadas pela Patricia, que já são bem conhecidas e atingem grande parte da população de um país altamente desigual e ainda em desenvolvimento como o Brasil.

Fernanda Capuvilla: As chuvas e inundações na grande região metropolitana de Recife são alguns dos mais recentes eventos climáticos extremos no país, que deixou como saldo 129 mortes no estado de Pernambuco, 82 mil famílias desabrigadas, e um total de mais de 128 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas.

Leandro Magrini: Do final de 2021 pra cá, tivemos uma lista grande de eventos climáticos extremos em todo país, como as tempestades e inundações em Manaus, Minas Gerais, sul da Bahia, Petrópolis no RJ, e em Pernambuco; sem falar de temporais de terra no interior do estado de São Paulo devido à seca; e ciclones no sul do país.

Nathalia Gabriele: Choveram três dias consecutivos, sem parar, e aí como não tinha para onde escoar a água; aqui mesmo não teve, e o pessoal que mora na beira do rio já foi totalmente afetado, entendeu? E aí foi isso. Foi essa calamidade!

Leandro Magrini: Essa é a segunda maior calamidade pública da história do estado de Pernambuco. De acordo com a Agência Pernambucana de Águas e Clima, o mês de maio registrou praticamente o dobro do total de chuvas em relação à média histórica dos últimos 30 anos. Foram 22 dias de chuva no mês e no dia de maior índice, no sábado, dia 28, foram registrados 190 mm. Em decorrência dos impactos e do número de pessoas afetadas pelas chuvas no final de maio, 31 municípios decretaram situação de emergência, conforme o código da Defesa Civil do Estado. À época, o governador de Pernambuco anunciou recursos para auxiliar mais de 80 mil famílias. Segundo o IPCC, Recife é a 16ª cidade mais vulnerável do mundo aos efeitos da mudança do clima.

Fernanda Capuvilla: O problema das cheias no estado é histórico, embora esteja se agravando devido às mudanças climáticas. Em 1966, uma grande cheia do rio Capibaribe levou ao seu transbordamento, elevando o nível da água em mais de 2 metros, e deixando várias partes da cidade submersas. Segundo os registros, essa é considerada a maior calamidade do Estado em números, com um total de 175 mortes. Já em 1975, cerca de 80% do território de Recife ficou debaixo d’água, novamente pelo transbordamento do Capibaribe, o que paralisou Recife e diversos municípios banhados pelo rio, com 107 mortes, segundo o Jornal Folha de Pernambuco.

Leandro Magrini: Relacionado às estratégias de adaptação há os limites de adaptação, que também receberam destaque no relatório. Esses limites, como explica a Patrícia, devem ser evitados porque podem levar a pontos de inflexão, que também são conhecidos como pontos de virada ou pontos de não retorno (os tipping points, no inglês) – o que significa que o aumento da temperatura global levará à degradação ou até mesmo à eliminação de alguns ecossistemas. Como exemplo temos a eliminação de grande parte dos recifes de corais em todo o mundo, que já é observada com o nível de aquecimento atual, e que o relatório mostra que continuarão sendo extintos, conforme o aquecimento do planeta atinja valores acima de 1,5ºC. Entre esses limites severos de adaptação também temos a rápida aproximação da Floresta Amazônica de seu ponto de não-retorno, processo que está sendo bastante acelerado pelo drástico aumento dos níveis de desmatamento nos últimos anos, e que faz parte da política anti-ambiental do atual governo brasileiro.

David Lapola: Essa questão do tipping point é uma hipótese que nasce no seio de mudança climática. Ou seja, você tendo uma mudança do clima muito severa na região – aumento de temperatura muito forte, redução de chuva muito severa, você perderia as condições de se ter uma floresta como a que a gente tem hoje em dia. Você teria as condições climáticas típicas de uma savana; típicas de uma floresta seca ou típicas de uma vegetação sem análogo hoje.
O IPCC foi lançando projeções que em um primeiro momento contradiziam essa hipótese, cunhada lá no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, porque tinha ali um modelo climático que mostrava basicamente um El Niño permanente na Amazônia. Um El Niño é o aquecimento das águas do Pacífico e que leva seca para a Amazônia. Você ter um El Niño permanente na Amazônia era catastrófico!
Esse modelo climático foi aperfeiçoado. A nossa projeção lá de 20 e tantos anos atrás não tava tão precisa. No relatório agora, o AR6, o IPCC está mais consensual que a tendência para a Amazônia é de secar; é do clima ficar mais seco; da chuva reduzir. Não necessariamente que vá ser igual um El Niño permanente. Nesse ínterim, desde que essa hipótese foi cunhada, também veio a questão de desmatamento, fogo – como que isso influenciaria e contribuiria nesse processo da mudança climática afetando a estabilidade da floresta.

Leandro Magrini: O ponto de não-retorno da Amazônia é um dos exemplos de limites de adaptação severos mencionados pela Patrícia, mas há também limites de adaptação mais suaves, como esclarece a nossa entrevistada.

Patricia Pinho: Eles são suaves não porque eles são fáceis ou menos impactantes economicamente ou com perda de vida, mas eles são factíveis de serem implementados, que são esses limites sociais, na esfera mais sócio-política.
Então, por exemplo, você implementar mecanismos de proteção social reduz as condições de pobreza e insegurança alimentar; trazendo vegetação, implementando soluções baseadas na natureza em meio urbano você reduz o estresse térmico. Logo, você reduz a incidência de internações por doenças associadas a ondas de calor, além de beneficiar também o próprio clima.

David Lapola: Uma observação desse último relatório é que a parte de adaptação está muito mais robusta. Qual é a diferença de mitigação e adaptação? Na mitigação a gente sabe qual é o problema e a gente vai na fonte dele para tentar resolver. No caso de mudanças climáticas é a emissão de gases de efeito estufa. A mitigação seria cortar as emissões de gases de efeito estufa. No caso de adaptação, é você admitir que o problema vai acontecer e se preparar para ele, para ser o menos impactado possível.
E como a gente está demorando muito tempo, está ficando evidente que os governos não tão conseguindo – seja os governos de cada país reunidos na convenção do clima, seja os governos supranacionais. A própria iniciativa privada, por si só, não está conseguindo resolver o problema de mitigar a mudança do clima. Então, está se colocando muito foco agora no meio científico, inclusive, em adaptação; pesquisa sobre adaptação.
A gente não vai conseguir resolver o problema, vai acontecer. Então é melhor a gente se preparar para ser o menos impactado possível por ele. E esse relatório dedica uma porção substancial a falar de adaptação, estratégias de adaptação – que é diferente da mitigação também no sentido de que a mitigação funciona bem no âmbito nacional-global, enquanto que adaptação é muito suscetível a especificidades locais – tem que acontecer numa escala mais local.

Leandro Magrini: Eu perguntei aos nossos entrevistados, Patrícia e David, quais foram as principais mensagens da segunda parte do relatório em relação ao Brasil.

Patricia Pinho: O que a gente vê é que o Brasil tem de média a alta vulnerabilidade aos impactos das mudanças climáticas. Primeiro por ser um país de base agrícola. Alto número de pessoas ou populações, comunidades vivendo intrinsecamente dependentes de atividades que são sensíveis ao clima, como agricultura, pesca. Alto número de populações ainda em situação de pobreza, e uma alta desigualdade socioeconômica. Mas também tem interseccionalidades como gênero, etnia, cor da pele e geografia.
Também é um país de uma das mais longas extensões costeiras, então é extremamente suscetível ao aumento do nível do mar, erosão costeira, afetando populações aí dependentes e morando nessas áreas; mas também infraestrutura, geração de energia.

Fernanda Capuvilla: Realmente o riscos pra essas áreas é muito grande e afetaria uma população muito grande. De acordo com o último censo demográfico do IBGE de 2010, pouco mais de 26% da população brasileira vive na região costeira.

Patricia Pinho: Existe também impactos já observados em todos os ecossistemas – perda acelerada de biodiversidade – e em um futuro próximo, que a gente está olhando, na projeção até 2030 ou até 2040, quando a gente tem a expectativa de atingir 1,5ºC de temperatura global, a gente vê que para as espécies, para os ecossistemas tropicais como no caso da Amazônia, já mostram um severo comprometimento nas funções ecológicas. Da mesma forma, a gente tem processos acelerados de desertificação, sobretudo para a área do nordeste brasileiro, ocupado pelo bioma da Caatinga. Comprometimento da segurança alimentar desses modos de vida que são dependentes da agricultura, da pesca, ou de ecossistemas, tal como a população indígena e tradicional.

Fernanda Capuvilla: Vale lembrar que cerca de 13% do território brasileiro sofre com a desertificação atualmente. O semiárido nordestino é uma das maiores áreas do mundo suscetíveis à desertificação, com sua extensão de 1,3 milhão de km² e população de 31 milhões de pessoas.

Leandro Magrini: Para David, o relatório chama a atenção para questões ainda sem resposta pela ciência, como por exemplo, o elevado aquecimento da temperatura média em algumas regiões do país, o que precisará de mais estudos para ser compreendido.

David Lapola: As observações, veja – nós estamos falando de dado histórico que já foi medido nas últimas décadas – mostrando que o Brasil Central, principalmente ali o Cerrado se estendendo um pouco aqui para o Sudeste, Nordeste um pedaço também, teve um aquecimento de mais de 2,0ºC, quando que a média global desde o início do século passado (século XX) foi de mais ou menos 0,7-0,8 graus Celsius, de média global. E nessa parte do Brasil foi mais de 2,0ºC. A gente não entende ainda porquê. Essa é uma mensagem fortíssima, acho, dos relatórios do IPCC para o Brasil.
A gente não entende ainda porque esse aquecimento acima da média em vastas porções do Brasil. É claro que outras coisas despontam para o Brasil, por exemplo, a questão da Amazônia – nesse papel tanto de potencial causador da mudança do clima considerando a quantidade de carbono que você tem armazenado lá e o risco que isso tem de ser desmatado-queimado, mandado para atmosfera; como ao mesmo tempo atua como um fator de resolução das mudanças climáticas.
A floresta amazônica vem atuando como um sumidouro de carbono, prestando um serviço de enorme valor para humanidade. Ela e outras florestas tropicais ao absorver parte do gás carbônico que a gente joga na atmosfera. E claro que esse sumidouro pode ser impactado, pode até deixar de existir com as mudanças climáticas. Tem a questão dos povos tradicionais – a importância que eles têm para manter a floresta, seja populações ribeirinhas, indígenas.

Fernanda Capuvilla: A limitação do aquecimento do planeta entre 1,5ºC a 2ºC até o final do século XXI era a principal meta do Acordo de Paris assinado em 2015 por 196 países. Esse patamar é reconhecido como sendo o mais seguro para evitar cenários cada vez mais catastróficos em relação às mudanças climáticas.

Leandro Magrini: No entanto, o relatório especial de 2018 que David mencionou reconheceu que mantido o atual padrão de emissões de gases do efeito estufa, o aquecimento de 1,5ºC já deverá ser alcançado entre 2030 e 2040. Já o relatório mais recente do IPCC, o AR6, mostra que cada 0,1ºC (ou cada décimo de grau de aumento) faz diferença em relação aos efeitos produzidos. E para o aumento de nossa preocupação, no começo de maio deste ano, cientistas da Organização Meteorológica Mundial da ONU anunciaram a projeção de 50% de chance / do aquecimento do planeta em 1,5ºC já ser atingido nos próximos quatro anos, ou seja, / até 2026.

David Lapola: Outra mensagem importante para o Brasil é a questão de biocombustíveis. Lembra que eu falei que nós não conseguiremos manter a temperatura, o aquecimento médio global abaixo de 1,5ºC se nós não tirarmos ativamente gás carbônico da atmosfera?
E uma das maneiras que se fala em fazer isso é o conceito aí de BECCS – que é uma sigla em inglês que quer dizer Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono. Um exemplo: você tem as plantações de cana; você produz energia disso, seja o etanol, seja a energia elétrica ao você queimar o bagaço da cana, e quando você queima esse bagaço ou você queima esse etanol – o bagaço é queimado lá na usina, o etanol é queimado no escapamento no motor do nosso carro, e sai o CO2 no escapamento. Você teria que de alguma forma capturar esse gás carbônico para transformá-lo e armazená-lo em algum lugar.
Bom, não existe essa tecnologia ainda em larga escala. Tem só projetos pilotos; ou a tecnologia não funciona bem, ou funciona bem mas você não consegue fazer isso ainda na escala que precisa, para tirar todo esse CO2 da atmosfera.
Mas se essa tecnologia for desenvolvida, coloca-se muita esperança, digamos assim, de que o Brasil supriria boa parte dessa demanda de produção de bioenergia. Pelo menos a produção de bioenergia. Depois se a tecnologia para capturar o CO2 e armazená-lo vai vir de fora, aí é outra história. E é óbvio que isso mexe com o nosso sistema da terra aqui – você vai ter que ampliar plantações de cana ou qualquer outro tipo de planta. De onde viria essa energia? São questões importantes para o Brasil.

Leandro Magrini: Bom, por hoje ficamos por aqui. No segundo episódio sobre a Emergência Climática e o Novo Relatório do IPCC conversaremos, dentre outras coisas, sobre as contribuições da Patrícia e do David para o relatório;
o papel do Brasil no combate às mudanças climáticas; como as mudanças climáticas já estão afetando a resiliência do bioma amazônico, e como o desmatamento e a degradação florestal agravam o cenário, tanto em seus efeitos negativos em relação aos serviços ecossistêmicos como nos modos de subsistência das comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas e ribeirinhos). E também falamos sobre quais as medidas ou estratégias já adotadas no Brasil para o enfrentamento da crise climática, e sobre a situação de adaptação das pessoas.

Fernanda Capuvilla: As entrevistas e a produção do roteiro deste episódio são de Leandro Magrini.

Leandro Magrini: A apresentação foi feita por mim e pela Fernanda Capuvilla.
Fernanda Capuvilla: A revisão do roteiro e coordenação dos trabalhos é da professora Simone Pallone, do Labjor; e o trabalho técnico de Octávio Augusto Fonseca, da Rádio Unicamp.

Leandro Magrini: Agradecemos Moara Casanova, doutoranda do Programa de Pós Graduação Ambiente e Sociedade do NEPAM pela indicação da Nathalia, moradora de Recife, para falar conosco. Você pode acompanhar a comunidade de Nathalia no instagram (@kilombo_capibaribe) e ajudá-los participando das campanhas que têm realizado para melhorar as condições de infra-estrutura em sua comunidade.

Fernanda Capuvilla: As referências utilizadas neste episódio, bem como as entrevistas completas publicadas com nossos convidados podem ser encontradas em nossa página, www.oxigenio.comciencia.br.

Leandro Magrini: Os episódios “Emergência Climática e as implicações do novo Relatório do IPCC (2021/2022)” fazem parte do projeto “Divulgação científica para fortalecer a defesa pela preservação da Biodiversidade” que desenvolvo com o apoio da Fapesp através da Bolsa Mídia Ciência.

Fernanda Capuvilla: Gostou do programa? Você pode nos acompanhar nas redes sociais. Estamos no Instagram e no Twitter, basta procurar por “Oxigênio Podcast”. Conte para a gente o que você achou deixando sua opinião, sugestões ou perguntas sobre este e demais episódios comentando na plataforma de podcast que utiliza.

Leandro Magrini: Agradecemos por nos acompanhar e não perca o episódio 2. E fiquem ligados no Oxigênio. Até breve!

[vinheta de fechamento]

Para saber mais:

Entrevista com a Dra. Patricia Pinho (IPAM)
Revista ComCiência, junho de 2022.
https://www.comciencia.br/patricia-pinho-na-crise-climatica-estamos-sob-a-mesma-tempestade-mas-com-barcos-diferentes/

((o))eco, junho de 2022.
https://oeco.org.br/reportagens/emissoes-de-gases-de-efeito-estufa-sao-uma-ameaca-real-aos-ecossistemas-e-a-humanidade/

Referências:
As mais recentes diretrizes para o enfrentamento da mudança do clima. Revista Pesquisa Fapesp, março 2022.

Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability, the Working Group II contribution to the Sixth Assessment Report. Fevereiro, 2022.
https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-working-group-ii/

IPCC, AR6, Grupo 2 – Resumo. Observatório do Clima, fev 2022.
https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2022/02/OC-IPCC-FACTSHEET21.pdf

IPCC, AR6, Grupo 1 – Resumo. Observatório do Clima, ago 2021.
https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2021/08/OC-IPCC-AR6-FACTSHEET_FINAL.pdf

Mundo pode ter aquecimento de 1,5ºC até 2026, alerta ONU. G1, Globo, maio 2022.
https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2022/05/10/mundo-pode-ter-aquecimento-de-15c-ate-2026-alerta-onu.ghtml

Sobre a NDC brasileira e sua atualização.
https://www.politicaporinteiro.org/2022/04/07/atualizacao-da-ndc-brasileira-vai-contra-acordo-de-paris-ao-nao-elevar-ambicao-climatica/

Workshop: Lançamento do novo relatório do IPCC Grupo de Trabalho 1. Agência Fapesp.
https://www.youtube.com/watch?v=uD7FCs4XM1M

Webinário Fapesp Mudanças Climáticas: Lançamento do novo relatório do IPCC Grupo de Trabalho 2. Agência Fapesp.
https://www.youtube.com/watch?v=pusHlS0wSEA

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O sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, o IPCC foi lançado no primeiro semestre deste ano. Conhecido por AR6 (Assessment Report 6, na sigla em inglês) ele foi produzido por cientistas de destaque do mundo inteiro, divididos em três Grupos de Trabalho (GTs). No final de 2022 ou início de 2023 está prevista a publicação de uma síntese dos principais destaques de todo o relatório. Leandro Magrini entrevistou dois pesquisadores brasileiros que participaram da elaboração do relatório, que são a Patrícia Pinho, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, o IPAM e o David Lapola, pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura, o Cepagri, da Unicamp. Os dois apresentaram para o Oxigênio algumas constatações do documento e já sugerem algumas medidas para mitigação das causas das mudanças climáticas, quanto de adaptação. Este episódio foi dividido em duas partes.

ROTEIRO
Leandro Magrini: “É pior, muito pior do que você imagina. A lentidão da mudança climática é um conto de fadas, talvez tão pernicioso quanto aquele que afirma que ela não existe, e chega a nós em um pacote de ilusões reconfortantes: a de que o aquecimento global é uma saga ártica, que se desenrola num lugar remoto;
de que é estritamente uma questão de nível do mar e de litorais, não uma crise abrangente que afeta cada canto do globo, cada ser vivo;
de que se trata de uma crise do mundo natural, não do humano;
de que vivemos hoje de algum modo acima ou no mínimo protegidos da natureza, não inescapavelmente dentro dela e literalmente sujeitados a ela;
de que a riqueza pode ser um escudo contra as devastações do aquecimento; de que a queima de combustíveis fósseis é o preço do crescimento econômico contínuo; de que o crescimento e a tecnologia que ele gera nos propiciarão a engenharia necessária para escapar do desastre ambiental; de que há algum análogo dessa ameaça, no longo arco da história humana, capaz de nos deixar confiantes de que sairemos vitoriosos dessa nossa medição de forças com ela. Nada disso é verdade!”

Leandro Magrini: Esse é um trecho da abertura do livro “A Terra Inabitável: uma história do futuro”, de autoria do jornalista David Wallace-Wells, publicado originalmente em inglês em 2019, e traduzido para o português no mesmo ano. De 2019 para cá, apesar de estarmos falando de apenas 3 anos, podemos observar com nossos próprios olhos e também tomar conhecimento das constatações inequívocas da ciência, de que as consequências do aquecimento global e das mudanças climáticas – mais adequadamente nomeada como Crise ou Emergência Climática – estão ficando mais severas a cada ano. Nos últimos anos tivemos recordes sucessivos de eventos climáticos extremos e catástrofes por todo o planeta…

Fernanda Capuvilla: Em meados de 2021, e neste ano, no final de fevereiro e na primeira semana de abril, tivemos a publicação, respectivamente, das três partes (ou volumes) do Sexto Relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU. Esse relatório, também conhecido como AR6 (Assessment Report 6, na sigla em inglês) é produzido por cientistas de destaque do mundo inteiro, divididos em três Grupos de Trabalho (GTs). O 1º grupo se dedica às bases físicas das mudanças climáticas, ou seja, a parte de meteorologia e de modelagem da mudança do clima; o 2º grupo estuda a adaptação e as vulnerabilidades às mudanças climáticas; e o grupo 3 trata da mitigação das causas das mudanças climáticas, ou seja, da redução das emissões de gases de efeito estufa.

Leandro Magrini: Ao longo de dois episódios conversaremos com dois dos autores brasileiros do novo relatório do IPCC sobre as mensagens principais do relatório e suas implicações para o Brasil, com maior atenção para a Floresta Amazônica e para o mundo. Os convidados são Patricia Pinho, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, o IPAM; e David Lapola, pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura, o Cepagri, da Unicamp. Um destaque especial é dado à segunda parte do relatório, que tratou dos “Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades” das Mudanças Climáticas. Os impactos das mudanças climáticas também são exemplificados pelas consequências das chuvas extremas neste ano, na região metropolitana de Recife, pelo depoimento de Nathalia Gabriele Alves Davi, que dá voz a sua comunidade, que foi bastante afetada. No final de 2022 ou início de 2023 está prevista a publicação pelo IPCC de uma síntese dos principais destaques de todo o relatório.

Leandro Magrini: Eu sou Leandro Magrini.

Fernanda Capuvilla: E eu sou a Fernanda Capuvilla.

[vinheta Oxigênio]

David Lapola: O IPCC existe desde 1988. Ele lançou o primeiro relatório em 1990. Os relatórios foram ficando cada vez maiores, mais grossos porque as evidências sobre esse assunto foram ficando mais numerosas, certo? Mas esse primeiro relatório, se você voltar lá, ele está disponível na página do IPCC – esse relatório de 1990 traz basicamente a mesma mensagem central, de que existe um problema de mudanças climáticas.
Naquela época falava assim, muito provavelmente; hoje em dia já é assim, com certeza, é causado por humanos, por conta de aumento das emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera. E nós precisamos fazer alguma coisa em relação a isso. Essa já era a mensagem em 1990; continua sendo agora. Desde então ficou mais claro que era cada vez menos um problema científico e cada vez mais um problema político. É uma decisão política resolver. Claro, o IPCC foi desenvolvendo cada vez mais estudos sobre mitigação, estudos sobre adaptação, mas a decisão de implementar essas alternativas ou não, é uma decisão política.

Fernanda Capuvilla: Esse é David Lapola, pesquisador do Cepagri-Unicamp. David foi autor-colaborador de dois dos capítulos da segunda parte do relatório do IPCC, lançado em 2022.

Leandro Magrini: Eu perguntei para a Patricia Pinho, pesquisadora do IPAM, se com base nas revelações do novo Relatório do IPCC, ela também considera que a emergência climática que vivemos é muito mais grave e urgente do que a sociedade poderia imaginar.

Patricia Pinho: Eu acho que sim, a emergência climática que vivemos é hoje muito mais grave, urgente, do que a sociedade ou a humanidade podia imaginar! Um exemplo que eu uso é sobre todos estarem vivendo a mesma tempestade. No entanto, o tipo de barco que a gente tá, ele é diferente; o tipo de equipamento que nós temos pra enfrentar essa tempestade não é o mesmo. As condições que você está, o status socioeconômico ou a cor da sua pele ou o lugar onde você mora – ele tem sim muito a ver com grau de exposição à vulnerabilidade que você vai ter esse risco, embora todo mundo vai ser afetado, algumas populações estão nessa linha de frente, que são as populações mais vulneráveis…

Leandro Magrini: Sob o título de divulgação para a imprensa “Mudanças climáticas: uma ameaça ao bem-estar humano e à saúde do planeta”, a segunda parte do mais recente relatório do IPCC (o AR6), em que Patrícia foi autora líder e David foi autor colaborador trouxe como destaques o fato das mudanças climáticas, devido às ações humanas estarem causando rupturas perigosas e amplamente distribuídas na natureza. Suas consequências já estão afetando a vida de quase metade da população mundial, em torno de 3,5 bilhões de pessoas. Preocupa também a mortalidade provocada pela frequência de eventos climáticos extremos, que foi 15 vezes maior na última década para os países que se encontram em situação de maior vulnerabilidade em relação aos demais, como o Brasil. Dentre esses eventos climáticos extremos estão inundações, secas, ondas de calor e tempestades.

David Lapola: Uma mensagem muito forte para mim, na verdade, já era conhecida até antes desse relatório, o AR6. Um desses relatórios temáticos entre o AR5 e o AR6 já estava apontando que se a gente quisesse ficar em 1,5ºC de aquecimento médio do planeta ao longo deste século, isso não daria para acontecer sem a remoção ativa de gás de efeito estufa, principalmente de CO2 da atmosfera. Essa remoção ativa é ou através de você plantar muita árvore – isso vai absorvendo o gás carbônico da atmosfera – coisa que já está bem estudado que por si só fica longe de resolver o problema; ou a gente desenvolve alguma tecnologia que consiga tirar o CO2 da atmosfera em larga escala e armazená-lo embaixo do solo; ou de alguma outra forma.
Sem isso, não dá para restringir a temperatura em 1,5ºC. E isso é claro, é uma consequência dessa demora, desde 1990 até agora, em resolver o problema.

Fernanda Capuvilla: David se refere ao relatório especial do IPCC de 2018 sobre o Aumento da Temperatura Global de 1,5 graus centígrados, lançado entre o Relatório de 2014, o AR5, e o último relatório, de 2021/2022, o AR6. Os relatórios do IPCC são produzidos por centenas de cientistas que estão entre os principais especialistas do mundo sobre o tema das mudanças climáticas. Cada relatório é produzido em intervalos entre 5 e 7 anos com base na revisão dos trabalhos científicos e relatórios técnicos mais relevantes publicados sobre as mudanças climáticas nos últimos anos. O resultado é uma síntese do estado atual de conhecimento sobre as mudanças climáticas e seus impactos, além de projeções das consequências das mudanças climáticas em diferentes cenários de aquecimento global no futuro próximo, ou seja, nas próximas décadas. E entre os relatórios do IPCC são publicados relatórios temáticos especiais menores. Mas voltando ao AR6…

Patricia Pinho: Sobre as principais conclusões do relatório, acho que a primeira é que as emissões de origem antropogênica têm gerado impactos adversos expressivos e significantes em todos os países ao redor do mundo, e ela se confere genuinamente como uma ameaça à humanidade.
Trouxe também com muita propriedade que essa vulnerabilidade, essa ameaça é real para a sociedade, para a humanidade globalmente, mas existe um componente de alta desigualdade nos impactos. Uma novidade é a justiça climática, que veio com proeminência em todos os capítulos desse relatório.

Leandro Magrini: A Patrícia explica que a justiça climática significa que “os impactos e os riscos /devido às mudanças climáticas não são experienciados de maneira homogênea ao redor do mundo / por todos os ecossistemas ou por todas as pessoas. Ou seja, “existe um componente de assimetria das mudanças climáticas que é a contribuição histórica dos maiores emissores” de gases de efeito estufa. Voltando às considerações da nossa entrevistada sobre os grandes emissores…

Patricia Pinho: Elas são muito oriundas de países desenvolvidos que têm também sofrido com os impactos das mudanças climáticas na sociedade, na economia; mas por serem países desenvolvidos economicamente, embora de base não sustentável, eles têm a capacidade de implementar as respostas – têm recursos econômicos, capital social, cultural, governança, e instituições que podem promover isso. No entanto, os impactos mais negativos, mais expressivos, têm sobrecaído nas populações ou regiões do Sul Global, onde a capacidade de resposta é reduzida porque existe uma alta concentração de pobreza e desigualdade social. Nesses países que pouquíssimo ou praticamente nada contribuíram para o agravamento da crise climática e, no entanto, são eles que estão sofrendo os maiores impactos.

Fernanda Capuvilla: Para Patricia, o relatório destaca que os impactos e riscos para os ecossistemas ao redor do mundo e para a humanidade são altos e comuns a todos. Porém, há diferentes pontos de partida para implementar estratégias de adaptação para enfrentar as mudanças climáticas, o que o IPCC chamou de trajetória de resiliência climática para os próximos anos. Mas o que isso significa?

Patricia Pinho: Isso quer dizer que dependendo em que espectro de vulnerabilidade você se encontra ou o país se encontra, é a partir daí que as estratégias de adaptação têm que ser tomadas. Então isso mostra quais são as maiores barreiras de adaptação para implementar. A gente sabe que a marginalização, os grupos étnicos, as questões de gênero, as mulheres, as crianças, os idosos – é a geografia onde esse risco se projeta, se materializa. Eles produzem impactos diferenciados. Então essas desigualdades também foram pautadas para conseguir que essas trajetórias resilientes sejam possíveis.

Leandro Magrini: Para ilustrar o que a Patrícia diz sobre os diferentes espectros de vulnerabilidade em que as pessoas se encontram, falamos com a Nathalia Gabriele Alves Davi, moradora de Recife. A capital do estado de Pernambuco foi uma das 31 cidades do estado que decretaram estado de emergência devido às chuvas e inundações no final de maio deste ano, de acordo com o Portal Folha de Pernambuco do início de junho.

Nathalia Gabriele Davi: Eu sou representante do Movimento de Trabalhadores Sem Tetos aqui em Pernambuco, especificamente em Recife, na grande [área] Metropolitana do Recife. A gente tem cinco ocupações e tem outras em Camaragibe, que é uma cidade mais próxima.

Leandro Magrini: Nathalia mora há pouco mais de um ano na comunidade da Várzea em Recife, na região nordeste da ocupação.

Nathalia Gabriele: As chuvas já vinham acontecendo, mas assim, moderadamente. E aí ocorreu esse fato no dia 28 de maio até o dia 30, no qual as chuvas se excederam. Assim, não parava de chover. O nível da chuva foi muito forte.

Nathalia Gabriele: Eu resido na ocupação da Várzea – uma ocupação Agroecológica Quilombo do Capibaribe. É um terreno que a gente ocupou há um ano, na verdade, ainda estava em processo de fundação o terreno, e aí está abaixo do nível da rua. E aí em decorrência disso, alagou.
A gente tem 17 lotes nesse terreno, e aí o pessoal que mora mais atrás foi o que ficou mais prejudicado. Mas assim, no entorno da Várzea outras pessoas ficaram ainda mais prejudicadas porque o bairro, ele é segmentado de rios. O rio Capibaribe, ele passa em torno do bairro, e para além disso, a gente tem a questão de barreiras também aqui, que houveram alguns desabamentos de barreiras.

Leandro Magrini: Nathália materializa muitas das vulnerabilidades apontadas pela Patricia, que já são bem conhecidas e atingem grande parte da população de um país altamente desigual e ainda em desenvolvimento como o Brasil.

Fernanda Capuvilla: As chuvas e inundações na grande região metropolitana de Recife são alguns dos mais recentes eventos climáticos extremos no país, que deixou como saldo 129 mortes no estado de Pernambuco, 82 mil famílias desabrigadas, e um total de mais de 128 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas.

Leandro Magrini: Do final de 2021 pra cá, tivemos uma lista grande de eventos climáticos extremos em todo país, como as tempestades e inundações em Manaus, Minas Gerais, sul da Bahia, Petrópolis no RJ, e em Pernambuco; sem falar de temporais de terra no interior do estado de São Paulo devido à seca; e ciclones no sul do país.

Nathalia Gabriele: Choveram três dias consecutivos, sem parar, e aí como não tinha para onde escoar a água; aqui mesmo não teve, e o pessoal que mora na beira do rio já foi totalmente afetado, entendeu? E aí foi isso. Foi essa calamidade!

Leandro Magrini: Essa é a segunda maior calamidade pública da história do estado de Pernambuco. De acordo com a Agência Pernambucana de Águas e Clima, o mês de maio registrou praticamente o dobro do total de chuvas em relação à média histórica dos últimos 30 anos. Foram 22 dias de chuva no mês e no dia de maior índice, no sábado, dia 28, foram registrados 190 mm. Em decorrência dos impactos e do número de pessoas afetadas pelas chuvas no final de maio, 31 municípios decretaram situação de emergência, conforme o código da Defesa Civil do Estado. À época, o governador de Pernambuco anunciou recursos para auxiliar mais de 80 mil famílias. Segundo o IPCC, Recife é a 16ª cidade mais vulnerável do mundo aos efeitos da mudança do clima.

Fernanda Capuvilla: O problema das cheias no estado é histórico, embora esteja se agravando devido às mudanças climáticas. Em 1966, uma grande cheia do rio Capibaribe levou ao seu transbordamento, elevando o nível da água em mais de 2 metros, e deixando várias partes da cidade submersas. Segundo os registros, essa é considerada a maior calamidade do Estado em números, com um total de 175 mortes. Já em 1975, cerca de 80% do território de Recife ficou debaixo d’água, novamente pelo transbordamento do Capibaribe, o que paralisou Recife e diversos municípios banhados pelo rio, com 107 mortes, segundo o Jornal Folha de Pernambuco.

Leandro Magrini: Relacionado às estratégias de adaptação há os limites de adaptação, que também receberam destaque no relatório. Esses limites, como explica a Patrícia, devem ser evitados porque podem levar a pontos de inflexão, que também são conhecidos como pontos de virada ou pontos de não retorno (os tipping points, no inglês) – o que significa que o aumento da temperatura global levará à degradação ou até mesmo à eliminação de alguns ecossistemas. Como exemplo temos a eliminação de grande parte dos recifes de corais em todo o mundo, que já é observada com o nível de aquecimento atual, e que o relatório mostra que continuarão sendo extintos, conforme o aquecimento do planeta atinja valores acima de 1,5ºC. Entre esses limites severos de adaptação também temos a rápida aproximação da Floresta Amazônica de seu ponto de não-retorno, processo que está sendo bastante acelerado pelo drástico aumento dos níveis de desmatamento nos últimos anos, e que faz parte da política anti-ambiental do atual governo brasileiro.

David Lapola: Essa questão do tipping point é uma hipótese que nasce no seio de mudança climática. Ou seja, você tendo uma mudança do clima muito severa na região – aumento de temperatura muito forte, redução de chuva muito severa, você perderia as condições de se ter uma floresta como a que a gente tem hoje em dia. Você teria as condições climáticas típicas de uma savana; típicas de uma floresta seca ou típicas de uma vegetação sem análogo hoje.
O IPCC foi lançando projeções que em um primeiro momento contradiziam essa hipótese, cunhada lá no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, porque tinha ali um modelo climático que mostrava basicamente um El Niño permanente na Amazônia. Um El Niño é o aquecimento das águas do Pacífico e que leva seca para a Amazônia. Você ter um El Niño permanente na Amazônia era catastrófico!
Esse modelo climático foi aperfeiçoado. A nossa projeção lá de 20 e tantos anos atrás não tava tão precisa. No relatório agora, o AR6, o IPCC está mais consensual que a tendência para a Amazônia é de secar; é do clima ficar mais seco; da chuva reduzir. Não necessariamente que vá ser igual um El Niño permanente. Nesse ínterim, desde que essa hipótese foi cunhada, também veio a questão de desmatamento, fogo – como que isso influenciaria e contribuiria nesse processo da mudança climática afetando a estabilidade da floresta.

Leandro Magrini: O ponto de não-retorno da Amazônia é um dos exemplos de limites de adaptação severos mencionados pela Patrícia, mas há também limites de adaptação mais suaves, como esclarece a nossa entrevistada.

Patricia Pinho: Eles são suaves não porque eles são fáceis ou menos impactantes economicamente ou com perda de vida, mas eles são factíveis de serem implementados, que são esses limites sociais, na esfera mais sócio-política.
Então, por exemplo, você implementar mecanismos de proteção social reduz as condições de pobreza e insegurança alimentar; trazendo vegetação, implementando soluções baseadas na natureza em meio urbano você reduz o estresse térmico. Logo, você reduz a incidência de internações por doenças associadas a ondas de calor, além de beneficiar também o próprio clima.

David Lapola: Uma observação desse último relatório é que a parte de adaptação está muito mais robusta. Qual é a diferença de mitigação e adaptação? Na mitigação a gente sabe qual é o problema e a gente vai na fonte dele para tentar resolver. No caso de mudanças climáticas é a emissão de gases de efeito estufa. A mitigação seria cortar as emissões de gases de efeito estufa. No caso de adaptação, é você admitir que o problema vai acontecer e se preparar para ele, para ser o menos impactado possível.
E como a gente está demorando muito tempo, está ficando evidente que os governos não tão conseguindo – seja os governos de cada país reunidos na convenção do clima, seja os governos supranacionais. A própria iniciativa privada, por si só, não está conseguindo resolver o problema de mitigar a mudança do clima. Então, está se colocando muito foco agora no meio científico, inclusive, em adaptação; pesquisa sobre adaptação.
A gente não vai conseguir resolver o problema, vai acontecer. Então é melhor a gente se preparar para ser o menos impactado possível por ele. E esse relatório dedica uma porção substancial a falar de adaptação, estratégias de adaptação – que é diferente da mitigação também no sentido de que a mitigação funciona bem no âmbito nacional-global, enquanto que adaptação é muito suscetível a especificidades locais – tem que acontecer numa escala mais local.

Leandro Magrini: Eu perguntei aos nossos entrevistados, Patrícia e David, quais foram as principais mensagens da segunda parte do relatório em relação ao Brasil.

Patricia Pinho: O que a gente vê é que o Brasil tem de média a alta vulnerabilidade aos impactos das mudanças climáticas. Primeiro por ser um país de base agrícola. Alto número de pessoas ou populações, comunidades vivendo intrinsecamente dependentes de atividades que são sensíveis ao clima, como agricultura, pesca. Alto número de populações ainda em situação de pobreza, e uma alta desigualdade socioeconômica. Mas também tem interseccionalidades como gênero, etnia, cor da pele e geografia.
Também é um país de uma das mais longas extensões costeiras, então é extremamente suscetível ao aumento do nível do mar, erosão costeira, afetando populações aí dependentes e morando nessas áreas; mas também infraestrutura, geração de energia.

Fernanda Capuvilla: Realmente o riscos pra essas áreas é muito grande e afetaria uma população muito grande. De acordo com o último censo demográfico do IBGE de 2010, pouco mais de 26% da população brasileira vive na região costeira.

Patricia Pinho: Existe também impactos já observados em todos os ecossistemas – perda acelerada de biodiversidade – e em um futuro próximo, que a gente está olhando, na projeção até 2030 ou até 2040, quando a gente tem a expectativa de atingir 1,5ºC de temperatura global, a gente vê que para as espécies, para os ecossistemas tropicais como no caso da Amazônia, já mostram um severo comprometimento nas funções ecológicas. Da mesma forma, a gente tem processos acelerados de desertificação, sobretudo para a área do nordeste brasileiro, ocupado pelo bioma da Caatinga. Comprometimento da segurança alimentar desses modos de vida que são dependentes da agricultura, da pesca, ou de ecossistemas, tal como a população indígena e tradicional.

Fernanda Capuvilla: Vale lembrar que cerca de 13% do território brasileiro sofre com a desertificação atualmente. O semiárido nordestino é uma das maiores áreas do mundo suscetíveis à desertificação, com sua extensão de 1,3 milhão de km² e população de 31 milhões de pessoas.

Leandro Magrini: Para David, o relatório chama a atenção para questões ainda sem resposta pela ciência, como por exemplo, o elevado aquecimento da temperatura média em algumas regiões do país, o que precisará de mais estudos para ser compreendido.

David Lapola: As observações, veja – nós estamos falando de dado histórico que já foi medido nas últimas décadas – mostrando que o Brasil Central, principalmente ali o Cerrado se estendendo um pouco aqui para o Sudeste, Nordeste um pedaço também, teve um aquecimento de mais de 2,0ºC, quando que a média global desde o início do século passado (século XX) foi de mais ou menos 0,7-0,8 graus Celsius, de média global. E nessa parte do Brasil foi mais de 2,0ºC. A gente não entende ainda porquê. Essa é uma mensagem fortíssima, acho, dos relatórios do IPCC para o Brasil.
A gente não entende ainda porque esse aquecimento acima da média em vastas porções do Brasil. É claro que outras coisas despontam para o Brasil, por exemplo, a questão da Amazônia – nesse papel tanto de potencial causador da mudança do clima considerando a quantidade de carbono que você tem armazenado lá e o risco que isso tem de ser desmatado-queimado, mandado para atmosfera; como ao mesmo tempo atua como um fator de resolução das mudanças climáticas.
A floresta amazônica vem atuando como um sumidouro de carbono, prestando um serviço de enorme valor para humanidade. Ela e outras florestas tropicais ao absorver parte do gás carbônico que a gente joga na atmosfera. E claro que esse sumidouro pode ser impactado, pode até deixar de existir com as mudanças climáticas. Tem a questão dos povos tradicionais – a importância que eles têm para manter a floresta, seja populações ribeirinhas, indígenas.

Fernanda Capuvilla: A limitação do aquecimento do planeta entre 1,5ºC a 2ºC até o final do século XXI era a principal meta do Acordo de Paris assinado em 2015 por 196 países. Esse patamar é reconhecido como sendo o mais seguro para evitar cenários cada vez mais catastróficos em relação às mudanças climáticas.

Leandro Magrini: No entanto, o relatório especial de 2018 que David mencionou reconheceu que mantido o atual padrão de emissões de gases do efeito estufa, o aquecimento de 1,5ºC já deverá ser alcançado entre 2030 e 2040. Já o relatório mais recente do IPCC, o AR6, mostra que cada 0,1ºC (ou cada décimo de grau de aumento) faz diferença em relação aos efeitos produzidos. E para o aumento de nossa preocupação, no começo de maio deste ano, cientistas da Organização Meteorológica Mundial da ONU anunciaram a projeção de 50% de chance / do aquecimento do planeta em 1,5ºC já ser atingido nos próximos quatro anos, ou seja, / até 2026.

David Lapola: Outra mensagem importante para o Brasil é a questão de biocombustíveis. Lembra que eu falei que nós não conseguiremos manter a temperatura, o aquecimento médio global abaixo de 1,5ºC se nós não tirarmos ativamente gás carbônico da atmosfera?
E uma das maneiras que se fala em fazer isso é o conceito aí de BECCS – que é uma sigla em inglês que quer dizer Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono. Um exemplo: você tem as plantações de cana; você produz energia disso, seja o etanol, seja a energia elétrica ao você queimar o bagaço da cana, e quando você queima esse bagaço ou você queima esse etanol – o bagaço é queimado lá na usina, o etanol é queimado no escapamento no motor do nosso carro, e sai o CO2 no escapamento. Você teria que de alguma forma capturar esse gás carbônico para transformá-lo e armazená-lo em algum lugar.
Bom, não existe essa tecnologia ainda em larga escala. Tem só projetos pilotos; ou a tecnologia não funciona bem, ou funciona bem mas você não consegue fazer isso ainda na escala que precisa, para tirar todo esse CO2 da atmosfera.
Mas se essa tecnologia for desenvolvida, coloca-se muita esperança, digamos assim, de que o Brasil supriria boa parte dessa demanda de produção de bioenergia. Pelo menos a produção de bioenergia. Depois se a tecnologia para capturar o CO2 e armazená-lo vai vir de fora, aí é outra história. E é óbvio que isso mexe com o nosso sistema da terra aqui – você vai ter que ampliar plantações de cana ou qualquer outro tipo de planta. De onde viria essa energia? São questões importantes para o Brasil.

Leandro Magrini: Bom, por hoje ficamos por aqui. No segundo episódio sobre a Emergência Climática e o Novo Relatório do IPCC conversaremos, dentre outras coisas, sobre as contribuições da Patrícia e do David para o relatório;
o papel do Brasil no combate às mudanças climáticas; como as mudanças climáticas já estão afetando a resiliência do bioma amazônico, e como o desmatamento e a degradação florestal agravam o cenário, tanto em seus efeitos negativos em relação aos serviços ecossistêmicos como nos modos de subsistência das comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas e ribeirinhos). E também falamos sobre quais as medidas ou estratégias já adotadas no Brasil para o enfrentamento da crise climática, e sobre a situação de adaptação das pessoas.

Fernanda Capuvilla: As entrevistas e a produção do roteiro deste episódio são de Leandro Magrini.

Leandro Magrini: A apresentação foi feita por mim e pela Fernanda Capuvilla.
Fernanda Capuvilla: A revisão do roteiro e coordenação dos trabalhos é da professora Simone Pallone, do Labjor; e o trabalho técnico de Octávio Augusto Fonseca, da Rádio Unicamp.

Leandro Magrini: Agradecemos Moara Casanova, doutoranda do Programa de Pós Graduação Ambiente e Sociedade do NEPAM pela indicação da Nathalia, moradora de Recife, para falar conosco. Você pode acompanhar a comunidade de Nathalia no instagram (@kilombo_capibaribe) e ajudá-los participando das campanhas que têm realizado para melhorar as condições de infra-estrutura em sua comunidade.

Fernanda Capuvilla: As referências utilizadas neste episódio, bem como as entrevistas completas publicadas com nossos convidados podem ser encontradas em nossa página, www.oxigenio.comciencia.br.

Leandro Magrini: Os episódios “Emergência Climática e as implicações do novo Relatório do IPCC (2021/2022)” fazem parte do projeto “Divulgação científica para fortalecer a defesa pela preservação da Biodiversidade” que desenvolvo com o apoio da Fapesp através da Bolsa Mídia Ciência.

Fernanda Capuvilla: Gostou do programa? Você pode nos acompanhar nas redes sociais. Estamos no Instagram e no Twitter, basta procurar por “Oxigênio Podcast”. Conte para a gente o que você achou deixando sua opinião, sugestões ou perguntas sobre este e demais episódios comentando na plataforma de podcast que utiliza.

Leandro Magrini: Agradecemos por nos acompanhar e não perca o episódio 2. E fiquem ligados no Oxigênio. Até breve!

[vinheta de fechamento]

Para saber mais:

Entrevista com a Dra. Patricia Pinho (IPAM)
Revista ComCiência, junho de 2022.
https://www.comciencia.br/patricia-pinho-na-crise-climatica-estamos-sob-a-mesma-tempestade-mas-com-barcos-diferentes/

((o))eco, junho de 2022.
https://oeco.org.br/reportagens/emissoes-de-gases-de-efeito-estufa-sao-uma-ameaca-real-aos-ecossistemas-e-a-humanidade/

Referências:
As mais recentes diretrizes para o enfrentamento da mudança do clima. Revista Pesquisa Fapesp, março 2022.

Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability, the Working Group II contribution to the Sixth Assessment Report. Fevereiro, 2022.
https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-working-group-ii/

IPCC, AR6, Grupo 2 – Resumo. Observatório do Clima, fev 2022.
https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2022/02/OC-IPCC-FACTSHEET21.pdf

IPCC, AR6, Grupo 1 – Resumo. Observatório do Clima, ago 2021.
https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2021/08/OC-IPCC-AR6-FACTSHEET_FINAL.pdf

Mundo pode ter aquecimento de 1,5ºC até 2026, alerta ONU. G1, Globo, maio 2022.
https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2022/05/10/mundo-pode-ter-aquecimento-de-15c-ate-2026-alerta-onu.ghtml

Sobre a NDC brasileira e sua atualização.
https://www.politicaporinteiro.org/2022/04/07/atualizacao-da-ndc-brasileira-vai-contra-acordo-de-paris-ao-nao-elevar-ambicao-climatica/

Workshop: Lançamento do novo relatório do IPCC Grupo de Trabalho 1. Agência Fapesp.
https://www.youtube.com/watch?v=uD7FCs4XM1M

Webinário Fapesp Mudanças Climáticas: Lançamento do novo relatório do IPCC Grupo de Trabalho 2. Agência Fapesp.
https://www.youtube.com/watch?v=pusHlS0wSEA

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