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# 156 – “Morreu de velho não existe”

 
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Why? Feed inativo status. Nossos servidores foram incapazes de recuperar um feed de podcast válido por um período razoável.

What now? You might be able to find a more up-to-date version using the search function. This series will no longer be checked for updates. If you believe this to be in error, please check if the publisher's feed link below is valid and contact support to request the feed be restored or if you have any other concerns about this.

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Embora seja muito comum ouvir essa frase sobre a morte de alguém que conhecemos, a expressão morreu de velho não condiz com a realidade. Velhice não é uma doença, não pode ser a causa da morte de ninguém. Foi mais ou menos essa a resposta recebida pela jornalista Karina Francisco, dos três profissionais que ela entrevistou para o episódio: Guita Debert, antropóloga e professora aposentada do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp; Alexandre Kalache, médico, gerontólogo e ex-diretor do departamento de envelhecimento e saúde da Organização Mundial da Saúde, e Daniella Nunes, enfermeira e professora da Unicamp, que lidera o Grupo de Pesquisa em Tecnologias e Cuidado no Envelhecimento. Nosso episódio trata dos processos do envelhecimento, que a velhice é muito heterogênea no Brasil, e que as condições de vida influenciam muito em como a velhice vai ser experienciada por cada pessoa dependendo de sua condição socioeconômica. E que a idade pode trazer novas e boas experiências, novas atitudes em relação à vida e aos relacionamentos.

_____________________________

Roteiro

Karina Francisco: Se você já perguntou a alguém de que morreu uma pessoa idosa é muito provável que tenha recebido como resposta algo como “ah, morreu de velha, né? Já tinha passado dos oitenta”.

Mayra Trinca: Essa ideia de morrer de velhice é tão comum, que até o médico da família real britânica colocou velhice como causa de morte do marido da rainha Elizabeth, que faleceu no ano passado, aos 99 anos. Fato que incomodou muito o ex-diretor do departamento de envelhecimento e saúde da OMS.

Alexandre Kalache: Pô, deve ser um bom médico, né? Pra tratar lá dos príncipes, da rainha, etc. E no atestado de óbito colocou: velhice. Ah, não. Que eu vou morrer velho sei, porque já sou, mas não vai ser de velhice. Vai ser de doença com o nome e sobrenome.

Mayra: Também aconteceu, no ano passado, uma tentativa de adicionar o envelhecimento no CID, um documento internacional que lista e classifica as doenças. Com isso, seria mesmo possível considerar velhice como causa de morte.

Karina: Eu sou Karina Francisco.

Mayra: E eu sou a Mayra Trinca. Nesse episódio do Oxigênio, vamos investigar se realmente dá pra morrer de velhice e quais as implicações dessa ideia na vida das pessoas idosas.

Karina: No ano passado, a morte do Duque de Edimburgo, o marido da rainha, ganhou as manchetes, mas não causou grandes surpresas, afinal, Philip já estava com 99 anos. Mais surpreendente talvez tenha sido a morte de sua esposa, a Rainha Elizabeth, no início de setembro deste ano.

Mayra: A rainha era famosa na internet pelos memes sobre sua longevidade, e estava com 96 anos. Nos meses antes da sua morte, a rainha diminui suas aparições públicas e o palácio indicou que isso se devia a problemas de saúde.

Karina: Depois da morte dela, alguns jornais publicaram que a rainha “faleceu após uma deterioração rápida no estado de saúde que a deixou sob observação médica”, outros colocaram ainda como “em decorrência de uma piora de saúde”.

Mayra: Ou seja, existia um problema de saúde. Entretanto, o palácio afirmou apenas que ela teria morrido pacificamente. Quando seu atestado foi divulgado, apontou a causa mortis apenas como “velhice”. Isso mesmo, a rainha morreu de velha.

Karina: Pode parecer estranho, mas é bem comum casos em que idosos têm “velhice” como causa de morte. Mas como é possível morrer de velho? É claro que pessoas morrem de parada cardíaca, inatividade cerebral, falência múltipla de órgãos, entre muitas outras doenças. Qual é a diferença entre envelhecer e ficar doente?

Daniella Nunes: Na verdade o envelhecimento é um processo irreversível. A gente vai ter o declínio das nossas funções físicas e durante esse processo de envelhecimento eu posso ter uma doença.

Mayra: Essa é a Daniella Nunes, enfermeira e professora da Unicamp, liderando o Grupo de Pesquisa em Tecnologias e Cuidado no Envelhecimento. Ela explicou pra gente que o envelhecimento é marcado por uma queda nas capacidades intrínsecas do indivíduo.

Daniella: Que que envolve capacidade intrínseca? Envolve várias condições do indivíduo, acuidade visual, acuidade auditiva, capacidade emocional, psicológica, cognitiva, mobilidade e aspectos relacionados à vitalidade que tá muito atrelada à questão nutricional

Karina: É claro que esse processo envolve também o sistema imunológico, o que acaba realmente tornando as pessoas mais vulneráveis às doenças. A Daniella chamou esse processo de imunossenescência e explicou pra gente que:

Daniella: As funções de defesa do nosso corpo, elas são diminuídas, então por isso que o idoso tem que todo ano fazer o reforço a vacinação para gripe, para prevenir essas infecções virais que podem prevenir, por exemplo, a pneumonia, que pode gerar um agravo muito grande para essa pessoa idosa. Mas não quer dizer que o envelhecimento é doença.

Mayra: A gente também conversou sobre esse assunto com a Guita Debert, antropóloga e professora aposentada do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Ela enfatizou como essa associação da velhice com a morte é algo super negativo.

Guita Debert: Você vai imaginar a pessoa que tem 60 anos ou mais como alguém que que vai morrer, que tá para morrer, quando de fato ela pode viver mais 40 anos. Então se a velhice é considerada, né, a partir dos 60 e a velhice passa a ser vista como algo que leva a morte, como uma doença, então é quase que condenar, não é, uma grande parte da população a uma morte. É quase dar um atestado de óbito prematuro assim de vez.

Mayra: Tanto é que, no Japão do século 19, existia uma prática comum em que os idosos de uma família eram levados para áreas isoladas, como montanhas, e deixados ali. O filme “A balada de Narayama”, retrata um pouco dessa prática.

Karina: Só que essa associação é especialmente prejudicial quando a gente pensa no envelhecimento da população. Em 2020, havia um pouco mais de 1 bilhão de idosos no mundo. E as projeções são de 2 bilhões até 2050, segundo pesquisa da United Nations.

Mayra: No Brasil, os idosos são 15% da população, o que significa quase 32 milhões e meio de pessoas acima de 60 anos. E mais, outras projeções também indicam que em 2030, o Brasil terá mais idosos do que crianças na faixa de 0 a 14 anos.

Karina: Você já parou para pensar em sua velhice? Já olhou a velhice do próximo? No dia 1º de Outubro tivemos o Dia Internacional do Idoso, e durante todo o mês rolaram debates sobre a temática de envelhecer, ter qualidade de vida e longevidade. A Daniella reforça:

Daniella: Porque eu sei que eu não vou ficar viva o tempo todo. Porque a gente sabe que a gente tem um ciclo, né? Então antigamente a gente tinha, né, na escola: a gente nasce, cresce, reproduz e morre, não era bem isso? A gente sabe que nós temos um ciclo. Então esse ciclo vai vir, mas como ele vai vir eu tenho que garantir que ele seja um ciclo proveitoso.

Mayra: E garantir que esse ciclo seja proveitoso envolve uma série de medidas, que entendam a velhice como um conjunto de aspectos biológicos e sociais. Apesar de haver diversas políticas a favor do idoso no Brasil, vemos que elas caminham lentamente e se preocupam mais com a saúde do idoso no sentido de cuidar de suas doenças, do que olhar para um bem-estar, uma qualidade de vida.

Daniella: Por exemplo, se a gente pensa na questão da Saúde, foca muito em criança, adolescente e ginecologia e obstetrícia. Só que a nossa população tá envelhecendo. Aí esse profissional vai para o mercado de trabalho, não sabe lidar com as peculiaridades da velhice.

Karina: Existe um documento internacional que reúne as doenças e causas de morte conhecidas. Ele é conhecido como CID – Classificação Internacional de Doenças. Esse documento é atualizado de tempos em tempos, conforme a medicina vai avançando e reconhecendo novas doenças.

Mayra: Em janeiro de 2022 entrou em vigor a CID-11, mas essa versão está sendo discutida pela desde 2019. E em meados do ano passado foi apresentada a proposta de incluir a velhice como possível causa de morte nesse catálogo. A Guita nos explicou que:

Guita: Quem defende a ideia é porque considera que tendo aí a velhice como uma causa mortis, isso entusiasmaria os médicos e os biólogos a prestarem atenção e combaterem certas deficiências que são vistas como próprias do envelhecimento.

Karina: Por outro lado, essa ideia não foi bem vista pelos especialistas da área e a proposta foi muito debatida nos últimos meses, com várias pessoas defendendo a retirada desse termo.

Mayra: Uma delas foi o Alexandre Kalache, que você já ouviu na abertura desse episódio. Ele é ex-diretor do departamento de envelhecimento e saúde da OMS. Ele falou sobre isso no 9º Seminário sobre longevidade e qualidade de vida da Unicamp, que aconteceu no dia 04 de outubro.

Kalache: E eu falei assim “daqui a 10 anos vai ser uma bagunça total. Porque a gente vai olhar para trás e perguntar: de que que morre o segmento da população que mais rapidamente cresce? De velhice. Mas não pode, velhice não é doença. Você morre de adolescência? Morre de infância? Não, então ninguém vai morrer de velhice.

Karina: A Daniella também concorda que a inclusão do termo no CID não é uma boa ideia e destacou que usar velhice como causa de morte atrapalha no desenvolvimento de tratamento mais eficazes para as doenças associadas a essa faixa etária.

Daniella: É importante a gente ter o diagnóstico do que a pessoa faleceu porque é esse diagnóstico que nos auxilia no planejamento das intervenções de saúde, econômica, social, tudo. Então, por exemplo, se morre mais de doenças cardiovasculares, então vamos pensar em medidas preventivas para essas doenças cardiovasculares.

Mayra: A OMS acabou voltando atrás em sua decisão devido à grande pressão, que teve participação ativa de diversos pesquisadores brasileiros.

Kalache: No minuto final, nos 47 minutos do segundo tempo, a gente conseguiu convencer a Organização Mundial da Saúde a tirar a palavra velhice da revisão do CID, da Classificação Internacional das Doenças, que entrou em vigor no dia primeiro de janeiro deste ano.

Karina: A associação da velhice com a morte acaba prejudicando não só os cuidados com a saúde dos idosos, mas também a forma como são vistos pela sociedade. A gente percebe que os idosos sempre são colocados numa posição de fragilidade e dependência.

Mayra: Tanto a Daniella quanto a Guita nos reforçaram bastante que a velhice é muito heterogênea no Brasil, e que as condições de vida influenciam muito em como a velhice vai ser experienciada por cada pessoa. A Daniella compara exemplos de velhice em diferentes contextos socioeconômicos.

Daniella: Se a gente observar, indivíduos que tem mais escolaridade, que tem mais acesso a renda, eles vão ter um envelhecimento, diferente daqueles que vivem, por exemplo, em regiões de muita vulnerabilidade social. Isso é nítido quando nós vamos atender, por exemplo, pacientes na unidade de saúde de uma área bem vulnerável, quando a gente compara aquele idoso que tem acesso ao serviço de saúde. Foi feito um estudo em São Paulo, que comparava indivíduos idosos que moravam na zona sul, numa área bem vulnerável, com idosos que moravam na região oeste. A expectativa de vida desses indivíduos que moravam na região mas, é, vulnerável, era 10 anos a menos.

Karina: A Guita comentou sobre como é importante considerar essas diferentes formas de velhice quando pensamos nas vivências dessa fase da vida. Claro que há sim pessoas que vão precisar de mais ajuda e cuidados ao longo da velhice, mas conforme a população envelhece, há também muitas pessoas que vão manter a independência.

Guita: Essa mudança foi muito importante para, o que a gente poderia chamar, dos jovens idosos, vamos dizer assim. Não tem a ver muito com a idade, mas tem a ver com o que a gente chama de uma autonomia funcional, né, que é a capacidade da pessoa tá desenvolvendo as atividades da vida cotidiana, pode estar vivendo sozinha, pode se locomover sozinha.

Mayra: Ela cita ainda como são importantes projetos que atendam também esse público idoso, para que possam continuar participando ativamente da sociedade.

Guita: E pra esse grupo, eu acho que a sociedade brasileira fez coisas que são coisas muito importantes, como a universidade pra terceira idade que tem na Unicamp, em boa parte das universidades, já tem universidade pra terceira idade. Tem grupos de convivência de idosos, tem grupos que até se chamam da melhor idade, é o grupo da melhor idade, né? Pra não usar a expressão velhice porque ela já é uma expressão estigmatizada, né?

Karina: Esse estigma vem muito do que a gente conversou nesse episódio, ao constantemente associar a velhice à morte, acabamos por reduzir essa população a uma situação de constante vulnerabilidade.

Mayra: Além da frase “morreu de velho”, temos algumas expressões que reforçam ideias de idadismo e que podem vir até de idosos, como “já está no lucro”, “eu já fui, agora são os jovens” e outras. Será que essas expressões não mostram imaginários sociais preconceituosos?

Karina: Sobre isso, a Guita falou como é importante tentarmos mudar nossa visão das experiências durante a velhice, que não precisa ser uma fase de reclusão, isolamento e quietude, como costumamos associar.

Guita: É um momento, digamos, privilegiado, para o bem-estar, pra novos relacionamentos, para novas atitudes em relação à vida, porque envolve uma certa sabedoria por um lado e por outro lado um certo desprendimento, na medida que, a partir de uma certa idade as pessoas têm direito a aposentadoria e estão livres, vamos dizer assim, do trabalho remunerado, e estão livres também do cuidado dos filhos, das crianças pequenas e etc então a tendência é ver de uma forma muito positiva, não é?

Mayra: A terceira idade tem, de certa forma, encontrado seu lugar na sociedade e vem se reinventando como uma faixa etária ativa, com poder aquisitivo e múltiplas possibilidades para a longevidade.

Karina: Esse episódio foi produzido e roteirizado por mim, Karina Francisco, e por Mayra Trinca. A revisão é da Cristiane Paião. Os trabalhos técnicos são do Rafael Pereira, bolsista SAE/Unicamp.

Mayra: Você encontra o Oxigênio nos principais agregadores, no instagram @oxigeniopodcast e no site oxigenio.comciencia.br. Conta pra gente, por lá, o que achou desse episódio e até a próxima!

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Embora seja muito comum ouvir essa frase sobre a morte de alguém que conhecemos, a expressão morreu de velho não condiz com a realidade. Velhice não é uma doença, não pode ser a causa da morte de ninguém. Foi mais ou menos essa a resposta recebida pela jornalista Karina Francisco, dos três profissionais que ela entrevistou para o episódio: Guita Debert, antropóloga e professora aposentada do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp; Alexandre Kalache, médico, gerontólogo e ex-diretor do departamento de envelhecimento e saúde da Organização Mundial da Saúde, e Daniella Nunes, enfermeira e professora da Unicamp, que lidera o Grupo de Pesquisa em Tecnologias e Cuidado no Envelhecimento. Nosso episódio trata dos processos do envelhecimento, que a velhice é muito heterogênea no Brasil, e que as condições de vida influenciam muito em como a velhice vai ser experienciada por cada pessoa dependendo de sua condição socioeconômica. E que a idade pode trazer novas e boas experiências, novas atitudes em relação à vida e aos relacionamentos.

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Roteiro

Karina Francisco: Se você já perguntou a alguém de que morreu uma pessoa idosa é muito provável que tenha recebido como resposta algo como “ah, morreu de velha, né? Já tinha passado dos oitenta”.

Mayra Trinca: Essa ideia de morrer de velhice é tão comum, que até o médico da família real britânica colocou velhice como causa de morte do marido da rainha Elizabeth, que faleceu no ano passado, aos 99 anos. Fato que incomodou muito o ex-diretor do departamento de envelhecimento e saúde da OMS.

Alexandre Kalache: Pô, deve ser um bom médico, né? Pra tratar lá dos príncipes, da rainha, etc. E no atestado de óbito colocou: velhice. Ah, não. Que eu vou morrer velho sei, porque já sou, mas não vai ser de velhice. Vai ser de doença com o nome e sobrenome.

Mayra: Também aconteceu, no ano passado, uma tentativa de adicionar o envelhecimento no CID, um documento internacional que lista e classifica as doenças. Com isso, seria mesmo possível considerar velhice como causa de morte.

Karina: Eu sou Karina Francisco.

Mayra: E eu sou a Mayra Trinca. Nesse episódio do Oxigênio, vamos investigar se realmente dá pra morrer de velhice e quais as implicações dessa ideia na vida das pessoas idosas.

Karina: No ano passado, a morte do Duque de Edimburgo, o marido da rainha, ganhou as manchetes, mas não causou grandes surpresas, afinal, Philip já estava com 99 anos. Mais surpreendente talvez tenha sido a morte de sua esposa, a Rainha Elizabeth, no início de setembro deste ano.

Mayra: A rainha era famosa na internet pelos memes sobre sua longevidade, e estava com 96 anos. Nos meses antes da sua morte, a rainha diminui suas aparições públicas e o palácio indicou que isso se devia a problemas de saúde.

Karina: Depois da morte dela, alguns jornais publicaram que a rainha “faleceu após uma deterioração rápida no estado de saúde que a deixou sob observação médica”, outros colocaram ainda como “em decorrência de uma piora de saúde”.

Mayra: Ou seja, existia um problema de saúde. Entretanto, o palácio afirmou apenas que ela teria morrido pacificamente. Quando seu atestado foi divulgado, apontou a causa mortis apenas como “velhice”. Isso mesmo, a rainha morreu de velha.

Karina: Pode parecer estranho, mas é bem comum casos em que idosos têm “velhice” como causa de morte. Mas como é possível morrer de velho? É claro que pessoas morrem de parada cardíaca, inatividade cerebral, falência múltipla de órgãos, entre muitas outras doenças. Qual é a diferença entre envelhecer e ficar doente?

Daniella Nunes: Na verdade o envelhecimento é um processo irreversível. A gente vai ter o declínio das nossas funções físicas e durante esse processo de envelhecimento eu posso ter uma doença.

Mayra: Essa é a Daniella Nunes, enfermeira e professora da Unicamp, liderando o Grupo de Pesquisa em Tecnologias e Cuidado no Envelhecimento. Ela explicou pra gente que o envelhecimento é marcado por uma queda nas capacidades intrínsecas do indivíduo.

Daniella: Que que envolve capacidade intrínseca? Envolve várias condições do indivíduo, acuidade visual, acuidade auditiva, capacidade emocional, psicológica, cognitiva, mobilidade e aspectos relacionados à vitalidade que tá muito atrelada à questão nutricional

Karina: É claro que esse processo envolve também o sistema imunológico, o que acaba realmente tornando as pessoas mais vulneráveis às doenças. A Daniella chamou esse processo de imunossenescência e explicou pra gente que:

Daniella: As funções de defesa do nosso corpo, elas são diminuídas, então por isso que o idoso tem que todo ano fazer o reforço a vacinação para gripe, para prevenir essas infecções virais que podem prevenir, por exemplo, a pneumonia, que pode gerar um agravo muito grande para essa pessoa idosa. Mas não quer dizer que o envelhecimento é doença.

Mayra: A gente também conversou sobre esse assunto com a Guita Debert, antropóloga e professora aposentada do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Ela enfatizou como essa associação da velhice com a morte é algo super negativo.

Guita Debert: Você vai imaginar a pessoa que tem 60 anos ou mais como alguém que que vai morrer, que tá para morrer, quando de fato ela pode viver mais 40 anos. Então se a velhice é considerada, né, a partir dos 60 e a velhice passa a ser vista como algo que leva a morte, como uma doença, então é quase que condenar, não é, uma grande parte da população a uma morte. É quase dar um atestado de óbito prematuro assim de vez.

Mayra: Tanto é que, no Japão do século 19, existia uma prática comum em que os idosos de uma família eram levados para áreas isoladas, como montanhas, e deixados ali. O filme “A balada de Narayama”, retrata um pouco dessa prática.

Karina: Só que essa associação é especialmente prejudicial quando a gente pensa no envelhecimento da população. Em 2020, havia um pouco mais de 1 bilhão de idosos no mundo. E as projeções são de 2 bilhões até 2050, segundo pesquisa da United Nations.

Mayra: No Brasil, os idosos são 15% da população, o que significa quase 32 milhões e meio de pessoas acima de 60 anos. E mais, outras projeções também indicam que em 2030, o Brasil terá mais idosos do que crianças na faixa de 0 a 14 anos.

Karina: Você já parou para pensar em sua velhice? Já olhou a velhice do próximo? No dia 1º de Outubro tivemos o Dia Internacional do Idoso, e durante todo o mês rolaram debates sobre a temática de envelhecer, ter qualidade de vida e longevidade. A Daniella reforça:

Daniella: Porque eu sei que eu não vou ficar viva o tempo todo. Porque a gente sabe que a gente tem um ciclo, né? Então antigamente a gente tinha, né, na escola: a gente nasce, cresce, reproduz e morre, não era bem isso? A gente sabe que nós temos um ciclo. Então esse ciclo vai vir, mas como ele vai vir eu tenho que garantir que ele seja um ciclo proveitoso.

Mayra: E garantir que esse ciclo seja proveitoso envolve uma série de medidas, que entendam a velhice como um conjunto de aspectos biológicos e sociais. Apesar de haver diversas políticas a favor do idoso no Brasil, vemos que elas caminham lentamente e se preocupam mais com a saúde do idoso no sentido de cuidar de suas doenças, do que olhar para um bem-estar, uma qualidade de vida.

Daniella: Por exemplo, se a gente pensa na questão da Saúde, foca muito em criança, adolescente e ginecologia e obstetrícia. Só que a nossa população tá envelhecendo. Aí esse profissional vai para o mercado de trabalho, não sabe lidar com as peculiaridades da velhice.

Karina: Existe um documento internacional que reúne as doenças e causas de morte conhecidas. Ele é conhecido como CID – Classificação Internacional de Doenças. Esse documento é atualizado de tempos em tempos, conforme a medicina vai avançando e reconhecendo novas doenças.

Mayra: Em janeiro de 2022 entrou em vigor a CID-11, mas essa versão está sendo discutida pela desde 2019. E em meados do ano passado foi apresentada a proposta de incluir a velhice como possível causa de morte nesse catálogo. A Guita nos explicou que:

Guita: Quem defende a ideia é porque considera que tendo aí a velhice como uma causa mortis, isso entusiasmaria os médicos e os biólogos a prestarem atenção e combaterem certas deficiências que são vistas como próprias do envelhecimento.

Karina: Por outro lado, essa ideia não foi bem vista pelos especialistas da área e a proposta foi muito debatida nos últimos meses, com várias pessoas defendendo a retirada desse termo.

Mayra: Uma delas foi o Alexandre Kalache, que você já ouviu na abertura desse episódio. Ele é ex-diretor do departamento de envelhecimento e saúde da OMS. Ele falou sobre isso no 9º Seminário sobre longevidade e qualidade de vida da Unicamp, que aconteceu no dia 04 de outubro.

Kalache: E eu falei assim “daqui a 10 anos vai ser uma bagunça total. Porque a gente vai olhar para trás e perguntar: de que que morre o segmento da população que mais rapidamente cresce? De velhice. Mas não pode, velhice não é doença. Você morre de adolescência? Morre de infância? Não, então ninguém vai morrer de velhice.

Karina: A Daniella também concorda que a inclusão do termo no CID não é uma boa ideia e destacou que usar velhice como causa de morte atrapalha no desenvolvimento de tratamento mais eficazes para as doenças associadas a essa faixa etária.

Daniella: É importante a gente ter o diagnóstico do que a pessoa faleceu porque é esse diagnóstico que nos auxilia no planejamento das intervenções de saúde, econômica, social, tudo. Então, por exemplo, se morre mais de doenças cardiovasculares, então vamos pensar em medidas preventivas para essas doenças cardiovasculares.

Mayra: A OMS acabou voltando atrás em sua decisão devido à grande pressão, que teve participação ativa de diversos pesquisadores brasileiros.

Kalache: No minuto final, nos 47 minutos do segundo tempo, a gente conseguiu convencer a Organização Mundial da Saúde a tirar a palavra velhice da revisão do CID, da Classificação Internacional das Doenças, que entrou em vigor no dia primeiro de janeiro deste ano.

Karina: A associação da velhice com a morte acaba prejudicando não só os cuidados com a saúde dos idosos, mas também a forma como são vistos pela sociedade. A gente percebe que os idosos sempre são colocados numa posição de fragilidade e dependência.

Mayra: Tanto a Daniella quanto a Guita nos reforçaram bastante que a velhice é muito heterogênea no Brasil, e que as condições de vida influenciam muito em como a velhice vai ser experienciada por cada pessoa. A Daniella compara exemplos de velhice em diferentes contextos socioeconômicos.

Daniella: Se a gente observar, indivíduos que tem mais escolaridade, que tem mais acesso a renda, eles vão ter um envelhecimento, diferente daqueles que vivem, por exemplo, em regiões de muita vulnerabilidade social. Isso é nítido quando nós vamos atender, por exemplo, pacientes na unidade de saúde de uma área bem vulnerável, quando a gente compara aquele idoso que tem acesso ao serviço de saúde. Foi feito um estudo em São Paulo, que comparava indivíduos idosos que moravam na zona sul, numa área bem vulnerável, com idosos que moravam na região oeste. A expectativa de vida desses indivíduos que moravam na região mas, é, vulnerável, era 10 anos a menos.

Karina: A Guita comentou sobre como é importante considerar essas diferentes formas de velhice quando pensamos nas vivências dessa fase da vida. Claro que há sim pessoas que vão precisar de mais ajuda e cuidados ao longo da velhice, mas conforme a população envelhece, há também muitas pessoas que vão manter a independência.

Guita: Essa mudança foi muito importante para, o que a gente poderia chamar, dos jovens idosos, vamos dizer assim. Não tem a ver muito com a idade, mas tem a ver com o que a gente chama de uma autonomia funcional, né, que é a capacidade da pessoa tá desenvolvendo as atividades da vida cotidiana, pode estar vivendo sozinha, pode se locomover sozinha.

Mayra: Ela cita ainda como são importantes projetos que atendam também esse público idoso, para que possam continuar participando ativamente da sociedade.

Guita: E pra esse grupo, eu acho que a sociedade brasileira fez coisas que são coisas muito importantes, como a universidade pra terceira idade que tem na Unicamp, em boa parte das universidades, já tem universidade pra terceira idade. Tem grupos de convivência de idosos, tem grupos que até se chamam da melhor idade, é o grupo da melhor idade, né? Pra não usar a expressão velhice porque ela já é uma expressão estigmatizada, né?

Karina: Esse estigma vem muito do que a gente conversou nesse episódio, ao constantemente associar a velhice à morte, acabamos por reduzir essa população a uma situação de constante vulnerabilidade.

Mayra: Além da frase “morreu de velho”, temos algumas expressões que reforçam ideias de idadismo e que podem vir até de idosos, como “já está no lucro”, “eu já fui, agora são os jovens” e outras. Será que essas expressões não mostram imaginários sociais preconceituosos?

Karina: Sobre isso, a Guita falou como é importante tentarmos mudar nossa visão das experiências durante a velhice, que não precisa ser uma fase de reclusão, isolamento e quietude, como costumamos associar.

Guita: É um momento, digamos, privilegiado, para o bem-estar, pra novos relacionamentos, para novas atitudes em relação à vida, porque envolve uma certa sabedoria por um lado e por outro lado um certo desprendimento, na medida que, a partir de uma certa idade as pessoas têm direito a aposentadoria e estão livres, vamos dizer assim, do trabalho remunerado, e estão livres também do cuidado dos filhos, das crianças pequenas e etc então a tendência é ver de uma forma muito positiva, não é?

Mayra: A terceira idade tem, de certa forma, encontrado seu lugar na sociedade e vem se reinventando como uma faixa etária ativa, com poder aquisitivo e múltiplas possibilidades para a longevidade.

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