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"Preso" na Venezuela, paulistano corre atrás de soluções para voltar ao Brasil
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Gustavo Feitoza chegou à Venezuela como turista, pouco antes do governo de Nicolás Maduro impor a quarentena para fear a propagação da Covid-19. Ele é um dos brasileiros que não receberam resposta do pedido de resgate enviado ao Itamaraty. Sem conseguir sair do país, ele se tornou testemunha do drama vivido pela população.
Por Elianah Jorge, correspondente da RFI Brasil na Venezuela.
Há sete meses, Gustavo Feitoza, paulistano de Campinas, vive em uma cidade do interior da Venezuela, onde chegou em plena epidemia. Rapidamente, ele fez amizade com seus vizinhos, com quem se comunica pela janela, pelo muro ou pelos aplicativos de telefone. Os relatos que ouve, diz, são emocionantes. “Um deles contou que eles mataram pombas para comer. A gente se sentiu tão chocado com essa história que dividimos nossa comida com eles”.
Há anos a Venezuela está em hiperinflação. Isso minou o poder de compra e aumentou o empobrecimento da população. Gustavo explica que o consumo de produtos de origem animal agora é acessível a poucos. “A maioria da população aqui é vegana, não por opção, mas porque está tudo muito caro, tudo dolarizado. Comprar carne, leite ou ovos é impossível. A maioria se alimenta de grãos e de verduras, frutas e legumes”, explica.
Gustavo está hospedado na casa de uma amiga, assim consegue equilibrar o orçamento. “Fiz toda uma manobra para esticar o dinheiro que trouxe para passar três meses aqui, mas estou há sete”, explicou. Durante todo este tempo, sem reposta do Itamaraty sobre o pedido de resgate, ele tenta buscar alternativas para voltar ao Brasil. O espaço aéreo venezuelano está fechado e não há previsões sobre quando voltará a abrir.
Sair por terra é complexo: é necessário um documento, chamado de “salvo-conduto”, para circular pelo país durante a quarentena. Mas o problema vai além. O país, que tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo, sofre com a escassez de gasolina. Uma cena comum, que pode ser observada em muitas cidades da Venezuela, é ver pessoas empurrando o carro para chegar ou sair do posto de gasolina.
Nesta semana, chegaram três cargueiros trazendo gasolina importada do Irã. A escassez de combustível levou o governo a impor um rodízio para poder abastecer o carro de acordo com a placa. Neste contexto, as pessoas buscam alternativas para fazer os traslados, conta o brasileiro. “A falta de gasolina complica a vida de todo mundo. Aqui no bairro, ter bicicleta é um luxo. Temos que caminhar para chegar a todos os lugares que precisamos. Até tem carro aqui em casa, mas como não tem gasolina não dá para colocar o carro para rodar”.
Sem eletricidade e sem gás
Os moradores de Caracas são considerados privilegiados, embora a capital também tenha os mesmos problemas. Porém nada se compara ao sofrimento dos que estão no interior. Essa situação suscitou protestos em diversas cidades venezuelanas.
Feitoza é um dos milhares que sofrem com os cortes e racionamentos de energia elétrica que há anos acontecem diariamente na Venezuela. Agora todo o país também enfrenta a escassez de gás doméstico. “Por causa da falta de gás doméstico, a gente utiliza o fogão elétrico. Mas aí a gente entra em outra problemática. Não dá para contar todos os dias com a energia elétrica. Às vezes ela é cortada sem nenhum aviso prévio”, comenta.
Depois de tantos meses longe de casa e sem perspectiva de quando conseguirá sair da Venezuela, Gustavo diz que se sente privilegiado "porque pode comprar o arroz, o feijão, muitos não podem. É de partir o coração”. A escassez de gás doméstico levou parte da população a adotar o fogão à lenha. Essa prática tem gerado danos à saúde dos que precisam queimar madeira para preparar a comida.
Um relatório, divulgado em abril deste ano e apoiado pela Organização das Nações Unidas, apontou que a Venezuela está em quarto lugar no índice de países com a pior crise alimentar do mundo. A situação venezuelana é mais crítica que a da Etiópia, que ficou em quinto lugar na lista.
O documento aponta que 9,3 milhões de pessoas - quase um terço da população da Venezuela - não consumiam alimentos suficientes, adequados ao desenvolvimento humano. Cerca de 13% das crianças venezuelanas com menos de 5 anos estão raquíticas e 30%, anêmicas.
Desvalorização do bolívar
Um dos fatores que impede o acesso a uma alimentação adequada é a desvalorização do bolívar, a moeda venezuelana. Isso levou à dolarização da economia local. Cerca de 51% das compras de alimentos e de artigos de cuidado pessoal são feitas em dólares, de acordo com o economista Asdrubal Oliveros. “A maioria das pessoas aqui está ganhando um dólar pelos trabalhos que fazem e o dinheiro não dá para comprar o que eles querem”, conta o analista de marketing.
No país socialista, a cotação oficial da moeda norte-americana é de 441.668 bolívares por dólar. O salário mínimo venezuelano é de 800 mil bolívares por mês, cerca de U$1,60. Para efeito de comparação, uma caixa de ovos custa cerca de Bs 1.200.000 (um milhão e duzentos mil bolívares).
De acordo com o Banco Central da Venezuela (BCV), a inflação acumulada de janeiro até setembro deste ano é de 844%. Porém, a Comissão de Economia e Finanças da Assembleia Nacional, de maioria opositora, informou que a inflação acumulada até agosto deste ano é de 1.079%.
37 episódios
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Gustavo Feitoza chegou à Venezuela como turista, pouco antes do governo de Nicolás Maduro impor a quarentena para fear a propagação da Covid-19. Ele é um dos brasileiros que não receberam resposta do pedido de resgate enviado ao Itamaraty. Sem conseguir sair do país, ele se tornou testemunha do drama vivido pela população.
Por Elianah Jorge, correspondente da RFI Brasil na Venezuela.
Há sete meses, Gustavo Feitoza, paulistano de Campinas, vive em uma cidade do interior da Venezuela, onde chegou em plena epidemia. Rapidamente, ele fez amizade com seus vizinhos, com quem se comunica pela janela, pelo muro ou pelos aplicativos de telefone. Os relatos que ouve, diz, são emocionantes. “Um deles contou que eles mataram pombas para comer. A gente se sentiu tão chocado com essa história que dividimos nossa comida com eles”.
Há anos a Venezuela está em hiperinflação. Isso minou o poder de compra e aumentou o empobrecimento da população. Gustavo explica que o consumo de produtos de origem animal agora é acessível a poucos. “A maioria da população aqui é vegana, não por opção, mas porque está tudo muito caro, tudo dolarizado. Comprar carne, leite ou ovos é impossível. A maioria se alimenta de grãos e de verduras, frutas e legumes”, explica.
Gustavo está hospedado na casa de uma amiga, assim consegue equilibrar o orçamento. “Fiz toda uma manobra para esticar o dinheiro que trouxe para passar três meses aqui, mas estou há sete”, explicou. Durante todo este tempo, sem reposta do Itamaraty sobre o pedido de resgate, ele tenta buscar alternativas para voltar ao Brasil. O espaço aéreo venezuelano está fechado e não há previsões sobre quando voltará a abrir.
Sair por terra é complexo: é necessário um documento, chamado de “salvo-conduto”, para circular pelo país durante a quarentena. Mas o problema vai além. O país, que tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo, sofre com a escassez de gasolina. Uma cena comum, que pode ser observada em muitas cidades da Venezuela, é ver pessoas empurrando o carro para chegar ou sair do posto de gasolina.
Nesta semana, chegaram três cargueiros trazendo gasolina importada do Irã. A escassez de combustível levou o governo a impor um rodízio para poder abastecer o carro de acordo com a placa. Neste contexto, as pessoas buscam alternativas para fazer os traslados, conta o brasileiro. “A falta de gasolina complica a vida de todo mundo. Aqui no bairro, ter bicicleta é um luxo. Temos que caminhar para chegar a todos os lugares que precisamos. Até tem carro aqui em casa, mas como não tem gasolina não dá para colocar o carro para rodar”.
Sem eletricidade e sem gás
Os moradores de Caracas são considerados privilegiados, embora a capital também tenha os mesmos problemas. Porém nada se compara ao sofrimento dos que estão no interior. Essa situação suscitou protestos em diversas cidades venezuelanas.
Feitoza é um dos milhares que sofrem com os cortes e racionamentos de energia elétrica que há anos acontecem diariamente na Venezuela. Agora todo o país também enfrenta a escassez de gás doméstico. “Por causa da falta de gás doméstico, a gente utiliza o fogão elétrico. Mas aí a gente entra em outra problemática. Não dá para contar todos os dias com a energia elétrica. Às vezes ela é cortada sem nenhum aviso prévio”, comenta.
Depois de tantos meses longe de casa e sem perspectiva de quando conseguirá sair da Venezuela, Gustavo diz que se sente privilegiado "porque pode comprar o arroz, o feijão, muitos não podem. É de partir o coração”. A escassez de gás doméstico levou parte da população a adotar o fogão à lenha. Essa prática tem gerado danos à saúde dos que precisam queimar madeira para preparar a comida.
Um relatório, divulgado em abril deste ano e apoiado pela Organização das Nações Unidas, apontou que a Venezuela está em quarto lugar no índice de países com a pior crise alimentar do mundo. A situação venezuelana é mais crítica que a da Etiópia, que ficou em quinto lugar na lista.
O documento aponta que 9,3 milhões de pessoas - quase um terço da população da Venezuela - não consumiam alimentos suficientes, adequados ao desenvolvimento humano. Cerca de 13% das crianças venezuelanas com menos de 5 anos estão raquíticas e 30%, anêmicas.
Desvalorização do bolívar
Um dos fatores que impede o acesso a uma alimentação adequada é a desvalorização do bolívar, a moeda venezuelana. Isso levou à dolarização da economia local. Cerca de 51% das compras de alimentos e de artigos de cuidado pessoal são feitas em dólares, de acordo com o economista Asdrubal Oliveros. “A maioria das pessoas aqui está ganhando um dólar pelos trabalhos que fazem e o dinheiro não dá para comprar o que eles querem”, conta o analista de marketing.
No país socialista, a cotação oficial da moeda norte-americana é de 441.668 bolívares por dólar. O salário mínimo venezuelano é de 800 mil bolívares por mês, cerca de U$1,60. Para efeito de comparação, uma caixa de ovos custa cerca de Bs 1.200.000 (um milhão e duzentos mil bolívares).
De acordo com o Banco Central da Venezuela (BCV), a inflação acumulada de janeiro até setembro deste ano é de 844%. Porém, a Comissão de Economia e Finanças da Assembleia Nacional, de maioria opositora, informou que a inflação acumulada até agosto deste ano é de 1.079%.
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