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Ciência prova que a paixão pelo futebol é uma forma de amor

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O que é que faz com que milhões de pessoas fiquem a chorar de decepção ou de alegria com um jogo de futebol e vivam as emoções mais extremas? O que é que explica o amor incondicional por um clube ou por uma selecção? O futebol é mesmo uma paixão e uma forma de amor tribal, provaram neurocientistas da Universidade de Coimbra, nomeadamente Miguel Castelo-Branco que nos explicou o que se passa no nosso cérebro quando vemos um jogo.

RFI: O que se passa no nosso cérebro para ficarmos tão irracionais quando vemos um jogo?

Miguel Castelo-Branco, Neurocientista da Universidade de Coimbra: "Isso é uma questão muito interessante que nós estudámos em claques, a claque do Futebol Clube do Porto e a claque da Académica. Realmente, o futebol traz algo de muito tribal no ser humano. Foi o que nós vimos. Nós basicamente estudámos várias regiões do cérebro, como é que elas são activadas em várias situações: situações de jogo do clube amado - passo a expressão porque estamos mesmo a falar de amor - ou noutras situações, mas a mais relevante para o que me está a perguntar é esta. Nós vimos que o cérebro activa como se estivesse a viver momentos de paixão, mais até do que o amor romântico. Nesse estudo nós podemos realmente demonstrar que áreas do cérebro que têm a ver com a emoção, nomeadamente uma região que se chama a amígdala, activa de uma forma desproporcionada se nós compararmos com outras situações associadas ao amor ou à ligação afectiva."

Como é que o futebol é uma forma de amor tribal ou romântico?

"Nós, como seres humanos, evoluímos durante milhões de anos e temos uma necessidade intrínseca de pertencer a uma tribo. E o futebol oferece isso: uma tribo com a qual nós nos identificamos, com a qual nos ligamos, criando um sentimento de pertença. Nós vimos isso muito nos adeptos, nas escalas psicológicas que usámos. Eles têm dimensões de pertença, de identidade, de afecto, que nós associamos até mais à paixão irracional do que do ao amor reflectido, por assim dizer. Foi isso exactamente que nós vimos nas regiões de recompensa do cérebro, nas regiões que têm a ver com a emoção e nas regiões que têm a ver com este conflito entre a razão e a emoção. Portanto, vimos um padrão cerebral que estava relacionado com estas variáveis psicológicas que nós chamamos de pertença, de ligação.

Assim como nós falamos no amor mãe e filho, em que há um ‘attachment’, uma ligação emocional, no futebol nós vemos uma ligação emocional à tribo que também é muito importante para nós. Costuma-se dizer que podemos mudar de partido político, mas não mudamos de clube. As pessoas transferem muito essa necessidade de pertencer a uma tribo para o futebol."

O que explica esse amor incondicional ao nosso clube de futebol ou à nossa selecção? É esta paixão quase irracional?

"Ela tem elementos de irracionalidade porque isso é típico da paixão. A paixão e o amor não criticam. Nós aceitamos e descontamos tudo aquilo que é negativo. E nós chamamos-lhe paixão porque a paixão rapidamente se pode inverter num processo de raiva quando ficamos desapontados. Nós vemos esses elementos sobretudo em adeptos que pertencem a claques em que este fenómeno é mais evidente."

O que é que acontece no nosso cérebro quando a nossa equipa marca um golo?

"Nos adeptos do Porto, nós vimos precisamente isso quando mostrámos um golo de Kelvin. Nós vimos que as áreas que activam com o amor romântico activam também nestes adeptos, mas activam mais e há regiões como esta das emoções, da amígdala, que activam muito mais do que no amor romântico. Portanto, nós conseguimos ver isso porque esses momentos são inesquecíveis para um adepto e não se apagam da memória, são sempre revividos da mesma forma intensa."

E os momentos negativos? Ou seja, quando sofremos um golo, quando há uma derrota, aí já esquecemos?

"As pessoas são muito menos sensíveis à exposição a essas memórias. Também foi uma surpresa para nós. Ou seja, o cérebro destes adeptos é muito mais receptivo para memórias positivas do que para memórias negativas, inclusivamente ao ponto que se costuma dizer que ver o rival sofrer dá recompensa, mas nós nem vimos muito esse padrão. Vimos muito mais o padrão de receptividade emocional a memórias positivas de eventos muito significativos da vida do adepto."

No entanto, quando se perde um jogo e em momentos de Mundiais ou de Europeus, parece que o mundo desaba para os adeptos. Se calhar a longo termo vamos esquecer, mas na altura até há pessoas que ficam com palpitações…

"Sim, isso é verdade, mas apaga rapidamente. Ou seja, a pessoa pode andar um dia ou dois assim - estamos a falar de pessoas típicas - mas depois há um mecanismo de esquecimento. E repare, há clubes de futebol em Portugal que estiveram anos e anos sem ganhar títulos e os adeptos continuavam lá porque os adeptos procuram-se, o nosso cérebro procura os momentos positivos. Podemos ficar mal dispostos durante um ou dois dias, mas temos um mecanismo de esquecimento relativamente eficaz para esse tipo de episódios negativos."

Compara, no fundo, a paixão pelo futebol, e as emoções que aí vivemos, ao que é vivido no amor romântico. Num e noutro caso, pode haver excessos, fanatismo, violência, obsessão…

"Sim, esse é o problema porque quando nós falamos em emoção temos sempre esta dicotomia entre emoção e razão. Assim como pertencer a uma tribo pode levar a excessos porque significa sempre a rejeição de outra coisa, a questão do ‘fair play’ é algo que é muito importante e que tem que ser cultivada porque nós ao nos identificamos com uma tribo, implicitamente estamos a rejeitar alguma outra coisa. Há sempre os dois lados da moeda e no amor é a mesma coisa. Depois é esta questão da pertença: um adepto com um maior grau de fanatismo sente que pertence ao clube e fará tudo pelo clube. No amor acontece a mesma coisa e isso pode levar a excessos porque é emocional. A emoção é algo que, na sua essência, também tem que ter algum mecanismo de controlo e, portanto, a emoção também cega. Nestes fenómenos do amor, seja romântico, seja tribal - no caso do futebol - nós temos sempre este perigo de a emoção nos cegar e isso vê-se em muitos âmbitos."

E é possível ver futebol sem ficarmos “cegos”?

"Eu acho que é difícil porque nós vemos sempre como um óculo enviesado. As pessoas normalmente quando são adeptos de um clube, vêem mais facilmente um penálti a favor do seu clube do que contra. Nós perdemos a neutralidade, o amor não é neutral, a paixão não é neutral e a paixão futebolística não é neutral. Faz parte. Por isso é que nós precisamos de mecanismos de controlo que existem no cérebro para regular estes processos emocionais."

O que é que faz com que tantos milhões de pessoas até tenham superstições e adoptem ou evitem certos comportamentos durante ou antes do jogo?

"O futebol é uma religião e a religião tem ritos. Nós, seres humanos, associamos e aprendemos a associar eventos a determinados acontecimentos como se eles fossem de prever. Os ritos, que são quase religiosos, é uma forma de afastar o mal, por assim dizer, e daí aparecerem esses hábitos que parecem muito estranhos, supersticiosos, porque o futebol tem esta dimensão de uma tribo, de uma religião. Claro que não há fundamento para esses ritos terem alguma utilidade, mas isso é algo que, de alguma forma, afaga a ansiedade que estes momentos também provocam."

Um dos jogos de quartos-de-final é entre Portugal e França. Há muitos binacionais - francoportugueses ou lusofranceses. Como é que eles decidem por quem torcer? Já que estamos a falar de amor e paixões no futebol, aqui vence o poliamor?

"Isso é uma excelente questão. É possível realmente a pessoa estar dividida neste amor, é mais raro, diria eu, no fim, as pessoas têm sempre uma preferência, têm sempre uma identificação, uma identidade, mas nós temos adeptos que torcem de forma intensa por dois países. No fim, há sempre uma identidade pessoal. Eu diria que, no fim, há sempre uma preferência."

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RFI: O que se passa no nosso cérebro para ficarmos tão irracionais quando vemos um jogo?

Miguel Castelo-Branco, Neurocientista da Universidade de Coimbra: "Isso é uma questão muito interessante que nós estudámos em claques, a claque do Futebol Clube do Porto e a claque da Académica. Realmente, o futebol traz algo de muito tribal no ser humano. Foi o que nós vimos. Nós basicamente estudámos várias regiões do cérebro, como é que elas são activadas em várias situações: situações de jogo do clube amado - passo a expressão porque estamos mesmo a falar de amor - ou noutras situações, mas a mais relevante para o que me está a perguntar é esta. Nós vimos que o cérebro activa como se estivesse a viver momentos de paixão, mais até do que o amor romântico. Nesse estudo nós podemos realmente demonstrar que áreas do cérebro que têm a ver com a emoção, nomeadamente uma região que se chama a amígdala, activa de uma forma desproporcionada se nós compararmos com outras situações associadas ao amor ou à ligação afectiva."

Como é que o futebol é uma forma de amor tribal ou romântico?

"Nós, como seres humanos, evoluímos durante milhões de anos e temos uma necessidade intrínseca de pertencer a uma tribo. E o futebol oferece isso: uma tribo com a qual nós nos identificamos, com a qual nos ligamos, criando um sentimento de pertença. Nós vimos isso muito nos adeptos, nas escalas psicológicas que usámos. Eles têm dimensões de pertença, de identidade, de afecto, que nós associamos até mais à paixão irracional do que do ao amor reflectido, por assim dizer. Foi isso exactamente que nós vimos nas regiões de recompensa do cérebro, nas regiões que têm a ver com a emoção e nas regiões que têm a ver com este conflito entre a razão e a emoção. Portanto, vimos um padrão cerebral que estava relacionado com estas variáveis psicológicas que nós chamamos de pertença, de ligação.

Assim como nós falamos no amor mãe e filho, em que há um ‘attachment’, uma ligação emocional, no futebol nós vemos uma ligação emocional à tribo que também é muito importante para nós. Costuma-se dizer que podemos mudar de partido político, mas não mudamos de clube. As pessoas transferem muito essa necessidade de pertencer a uma tribo para o futebol."

O que explica esse amor incondicional ao nosso clube de futebol ou à nossa selecção? É esta paixão quase irracional?

"Ela tem elementos de irracionalidade porque isso é típico da paixão. A paixão e o amor não criticam. Nós aceitamos e descontamos tudo aquilo que é negativo. E nós chamamos-lhe paixão porque a paixão rapidamente se pode inverter num processo de raiva quando ficamos desapontados. Nós vemos esses elementos sobretudo em adeptos que pertencem a claques em que este fenómeno é mais evidente."

O que é que acontece no nosso cérebro quando a nossa equipa marca um golo?

"Nos adeptos do Porto, nós vimos precisamente isso quando mostrámos um golo de Kelvin. Nós vimos que as áreas que activam com o amor romântico activam também nestes adeptos, mas activam mais e há regiões como esta das emoções, da amígdala, que activam muito mais do que no amor romântico. Portanto, nós conseguimos ver isso porque esses momentos são inesquecíveis para um adepto e não se apagam da memória, são sempre revividos da mesma forma intensa."

E os momentos negativos? Ou seja, quando sofremos um golo, quando há uma derrota, aí já esquecemos?

"As pessoas são muito menos sensíveis à exposição a essas memórias. Também foi uma surpresa para nós. Ou seja, o cérebro destes adeptos é muito mais receptivo para memórias positivas do que para memórias negativas, inclusivamente ao ponto que se costuma dizer que ver o rival sofrer dá recompensa, mas nós nem vimos muito esse padrão. Vimos muito mais o padrão de receptividade emocional a memórias positivas de eventos muito significativos da vida do adepto."

No entanto, quando se perde um jogo e em momentos de Mundiais ou de Europeus, parece que o mundo desaba para os adeptos. Se calhar a longo termo vamos esquecer, mas na altura até há pessoas que ficam com palpitações…

"Sim, isso é verdade, mas apaga rapidamente. Ou seja, a pessoa pode andar um dia ou dois assim - estamos a falar de pessoas típicas - mas depois há um mecanismo de esquecimento. E repare, há clubes de futebol em Portugal que estiveram anos e anos sem ganhar títulos e os adeptos continuavam lá porque os adeptos procuram-se, o nosso cérebro procura os momentos positivos. Podemos ficar mal dispostos durante um ou dois dias, mas temos um mecanismo de esquecimento relativamente eficaz para esse tipo de episódios negativos."

Compara, no fundo, a paixão pelo futebol, e as emoções que aí vivemos, ao que é vivido no amor romântico. Num e noutro caso, pode haver excessos, fanatismo, violência, obsessão…

"Sim, esse é o problema porque quando nós falamos em emoção temos sempre esta dicotomia entre emoção e razão. Assim como pertencer a uma tribo pode levar a excessos porque significa sempre a rejeição de outra coisa, a questão do ‘fair play’ é algo que é muito importante e que tem que ser cultivada porque nós ao nos identificamos com uma tribo, implicitamente estamos a rejeitar alguma outra coisa. Há sempre os dois lados da moeda e no amor é a mesma coisa. Depois é esta questão da pertença: um adepto com um maior grau de fanatismo sente que pertence ao clube e fará tudo pelo clube. No amor acontece a mesma coisa e isso pode levar a excessos porque é emocional. A emoção é algo que, na sua essência, também tem que ter algum mecanismo de controlo e, portanto, a emoção também cega. Nestes fenómenos do amor, seja romântico, seja tribal - no caso do futebol - nós temos sempre este perigo de a emoção nos cegar e isso vê-se em muitos âmbitos."

E é possível ver futebol sem ficarmos “cegos”?

"Eu acho que é difícil porque nós vemos sempre como um óculo enviesado. As pessoas normalmente quando são adeptos de um clube, vêem mais facilmente um penálti a favor do seu clube do que contra. Nós perdemos a neutralidade, o amor não é neutral, a paixão não é neutral e a paixão futebolística não é neutral. Faz parte. Por isso é que nós precisamos de mecanismos de controlo que existem no cérebro para regular estes processos emocionais."

O que é que faz com que tantos milhões de pessoas até tenham superstições e adoptem ou evitem certos comportamentos durante ou antes do jogo?

"O futebol é uma religião e a religião tem ritos. Nós, seres humanos, associamos e aprendemos a associar eventos a determinados acontecimentos como se eles fossem de prever. Os ritos, que são quase religiosos, é uma forma de afastar o mal, por assim dizer, e daí aparecerem esses hábitos que parecem muito estranhos, supersticiosos, porque o futebol tem esta dimensão de uma tribo, de uma religião. Claro que não há fundamento para esses ritos terem alguma utilidade, mas isso é algo que, de alguma forma, afaga a ansiedade que estes momentos também provocam."

Um dos jogos de quartos-de-final é entre Portugal e França. Há muitos binacionais - francoportugueses ou lusofranceses. Como é que eles decidem por quem torcer? Já que estamos a falar de amor e paixões no futebol, aqui vence o poliamor?

"Isso é uma excelente questão. É possível realmente a pessoa estar dividida neste amor, é mais raro, diria eu, no fim, as pessoas têm sempre uma preferência, têm sempre uma identificação, uma identidade, mas nós temos adeptos que torcem de forma intensa por dois países. No fim, há sempre uma identidade pessoal. Eu diria que, no fim, há sempre uma preferência."

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