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Novas alianças em África: "Há uma nova Guerra Fria com Rússia e China"

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A Costa do Marfim anunciou a saída do contingente francês a partir desde mês de Janeiro, em resposta ao movimento crescente de novas parcerias como a Rússia e a China em África. "Podemos pensar neste cenário como uma nova Guerra Fria, mas com características económicas e geopolíticas específicas", defende o historiador, antropólogo e investigador permanente do Instituto Nacional de Estudos de Pesquisa da Guiné-Bissau, João Paulo Pinto Có.

RFI: Que leitura faz deste anúncio do Presidente Alassane Ouattara, que revelou que o contingente francês vai começar a sair do país ainda este mês de Janeiro?

João Paulo Pinto Có: Esta decisão do Presidente Ouattara acompanha o anseio de um movimento muito grande e forte no continente africano, nomeadamente de uma juventude e de novas políticas, também de relações diplomáticas mais horizontais com os antigos colonizadores. Visa, portanto, reclamar a soberania do próprio país. É uma decisão que não me surpreende muito, porque Ouattara já vinha fazendo alguns discursos que apontavam para esse caminho. Não só ele, mas muitas outras lideranças africanas.

Neste momento, o que se tem no continente africano são diversos actores que buscam uma relação e uma cooperação internacional para o desenvolvimento, nomeadamente com a China, a Rússia e a Turquia. Esses novos actores oferecem novos moldes de cooperação, países que não foram colonizadores no continente e, portanto, têm interesse em buscar uma nova dinâmica de colaboração. A África tenta, assim, traçar novas metas e quebrar paradigmas para alcançar uma cooperação mais clara e transparente.

Há um efeito dominó nesta decisão: Depois do Chade, do Mali e do Níger, de que forma a saída das forças francesas desses países pode afectar a luta contra o jihadismo e outros grupos extremistas, sobretudo no Sahel?

A presença militar francesa no continente africano sempre foi um tema controverso. Embora a França procure combater o jihadismo e o terrorismo no continente, para muitos países africanos essa presença também significava algo negativo. Muitos viam essa presença como maligna, acusando a França de, além de combater, financiar o próprio terrorismo.

Por exemplo, o actual regime maliano acusou a França de ser a principal patrocinadora do jihadismo, seja através da venda de armas, seja de outras formas. Um agravante disso foi a denúncia feita pelo Mali há alguns anos, numa reunião de emergência no Conselho de Segurança das Nações Unidas, acusando a França de patrocinar operações que desestabilizam o continente africano.

A presença francesa é vista nalguns países como um suporte a regimes tirânicos e ditatoriais que querem perpetuar-se no poder. Por outro lado, para outros, a França tem tido um papel que pode, em algumas circunstâncias, dissuadir líderes de violar os valores democráticos e constitucionais. No entanto, a conjuntura actual está a mudar, impulsionada por dinâmicas internacionais, como a guerra no centro da Europa e a perda de hegemonia de potências como a Rússia. Com isso, o cenário africano também está a ser reconfigurado, com novos regimes a emergirem e a França a ser pressionada a sair de certos países.

Falava da Rússia, estamos perante uma transição para novas alianças com potências como a Rússia? E de que forma essas novas alianças podem ter um impacto na segurança da região?

A Rússia, embora não tenha sido uma potência colonizadora no continente africano, sempre manteve relações com os países africanos, como na comercialização de armamentos. Além disso, a Rússia apoiou muitos movimentos de independência no continente.

O que vemos agora é, de certa forma, uma transição de influência: de uma França para uma Rússia, ou até para uma China, que procuram estabelecer novos moldes de cooperação com os países africanos. A Rússia, por exemplo, tem uma pressão muito forte no continente africano. Muitos dos regimes actualmente no poder, como no Mali e em Burkina Faso, têm relações próximas e cordiais com a Rússia.

Este é, de facto, um momento de mudanças: tanto no sentido de ruptura com a França quanto na construção de novas parcerias com actores emergentes. Além disso, essas mudanças reflectem lideranças mais jovens e dinâmicas que buscam maior independência e soberania.

A Rússia entra nesses países num momento de transição política, como no caso do Níger ou do Burkina Faso. Qual é o interesse da Rússia em África? São as matérias-primas?

A Rússia procura expandir a sua influência em África, especialmente perante as perdas hegemónicas que enfrenta no continente europeu e noutros países ocidentais. No entanto, além de tentar ampliar a sua influência, a Rússia também tem interesse em explorar matérias-primas e recursos naturais africanos.

Além disso, as acções russas no continente também podem ser vistas como uma retaliação às potências ocidentais que a combatem no contexto da guerra na Ucrânia. Assim, o continente africano torna-se um novo palco estratégico. Podemos até pensar nesse cenário como uma nova Guerra Fria, mas com características económicas e geopolíticas específicas, sendo a África Ocidental um espaço central nesse jogo.

O Djibuti e o Gabão continuam a ter bases militares francesas. O Djibuti, em particular, parece ser um caso à parte, já que não prevê, pelo menos para já, cortar relações com a França.

O Djibuti, no Corno de África, não tem interesse em cortar relações com a França. A França desempenha um papel estratégico para a manutenção do actual governo, além de actuar no combate à pirataria e a crimes no Oceano Índico.

Portanto, o interesse da França em manter a sua base militar no Djibuti é evidente. Isso permite que o país continue a operar na região do Índico e a desempenhar um papel activo na luta contra o terrorismo e outras ameaças.

Como é que aFrança prevê redefinir a sua presença e influência no continente africano? Penso, por exemplo, na Guiné-Bissau. Pergunto-lhe, até onde pode ir o reforço de cooperação entre a Guiné-Bissau e a França, uma relação muito valorizada por Emmanuel Macron e Umaro Sissoco Embaló?

As relações entre a França e a Guiné-Bissau foram marcadas por altos e baixos, especialmente após o conflito político-militar de 1998. Na época, a França apoiou o regime de Nino Vieira, sem o consentimento da Assembleia Nacional Popular, o que arranhou seriamente as relações bilaterais.

No entanto, essas feridas têm sido saradas, especialmente com a aproximação entre Macron e Embaló. As recentes visitas de ambos os líderes mostram uma tentativa de reestruturar essa parceria.

Ainda assim, é importante lembrar o histórico conturbado das relações entre a França e muitos países africanos. Os jovens e os líderes africanos estão cada vez mais politizados e conscientes dos valores do pan-africanismo, estão a exigir uma nova dinâmica diplomática. A França, por sua vez, precisa rever as suas políticas e enfrentar o desafio de se adaptar a essa nova realidade, que inclui a procura por relações mais justas e transparentes.

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RFI: Que leitura faz deste anúncio do Presidente Alassane Ouattara, que revelou que o contingente francês vai começar a sair do país ainda este mês de Janeiro?

João Paulo Pinto Có: Esta decisão do Presidente Ouattara acompanha o anseio de um movimento muito grande e forte no continente africano, nomeadamente de uma juventude e de novas políticas, também de relações diplomáticas mais horizontais com os antigos colonizadores. Visa, portanto, reclamar a soberania do próprio país. É uma decisão que não me surpreende muito, porque Ouattara já vinha fazendo alguns discursos que apontavam para esse caminho. Não só ele, mas muitas outras lideranças africanas.

Neste momento, o que se tem no continente africano são diversos actores que buscam uma relação e uma cooperação internacional para o desenvolvimento, nomeadamente com a China, a Rússia e a Turquia. Esses novos actores oferecem novos moldes de cooperação, países que não foram colonizadores no continente e, portanto, têm interesse em buscar uma nova dinâmica de colaboração. A África tenta, assim, traçar novas metas e quebrar paradigmas para alcançar uma cooperação mais clara e transparente.

Há um efeito dominó nesta decisão: Depois do Chade, do Mali e do Níger, de que forma a saída das forças francesas desses países pode afectar a luta contra o jihadismo e outros grupos extremistas, sobretudo no Sahel?

A presença militar francesa no continente africano sempre foi um tema controverso. Embora a França procure combater o jihadismo e o terrorismo no continente, para muitos países africanos essa presença também significava algo negativo. Muitos viam essa presença como maligna, acusando a França de, além de combater, financiar o próprio terrorismo.

Por exemplo, o actual regime maliano acusou a França de ser a principal patrocinadora do jihadismo, seja através da venda de armas, seja de outras formas. Um agravante disso foi a denúncia feita pelo Mali há alguns anos, numa reunião de emergência no Conselho de Segurança das Nações Unidas, acusando a França de patrocinar operações que desestabilizam o continente africano.

A presença francesa é vista nalguns países como um suporte a regimes tirânicos e ditatoriais que querem perpetuar-se no poder. Por outro lado, para outros, a França tem tido um papel que pode, em algumas circunstâncias, dissuadir líderes de violar os valores democráticos e constitucionais. No entanto, a conjuntura actual está a mudar, impulsionada por dinâmicas internacionais, como a guerra no centro da Europa e a perda de hegemonia de potências como a Rússia. Com isso, o cenário africano também está a ser reconfigurado, com novos regimes a emergirem e a França a ser pressionada a sair de certos países.

Falava da Rússia, estamos perante uma transição para novas alianças com potências como a Rússia? E de que forma essas novas alianças podem ter um impacto na segurança da região?

A Rússia, embora não tenha sido uma potência colonizadora no continente africano, sempre manteve relações com os países africanos, como na comercialização de armamentos. Além disso, a Rússia apoiou muitos movimentos de independência no continente.

O que vemos agora é, de certa forma, uma transição de influência: de uma França para uma Rússia, ou até para uma China, que procuram estabelecer novos moldes de cooperação com os países africanos. A Rússia, por exemplo, tem uma pressão muito forte no continente africano. Muitos dos regimes actualmente no poder, como no Mali e em Burkina Faso, têm relações próximas e cordiais com a Rússia.

Este é, de facto, um momento de mudanças: tanto no sentido de ruptura com a França quanto na construção de novas parcerias com actores emergentes. Além disso, essas mudanças reflectem lideranças mais jovens e dinâmicas que buscam maior independência e soberania.

A Rússia entra nesses países num momento de transição política, como no caso do Níger ou do Burkina Faso. Qual é o interesse da Rússia em África? São as matérias-primas?

A Rússia procura expandir a sua influência em África, especialmente perante as perdas hegemónicas que enfrenta no continente europeu e noutros países ocidentais. No entanto, além de tentar ampliar a sua influência, a Rússia também tem interesse em explorar matérias-primas e recursos naturais africanos.

Além disso, as acções russas no continente também podem ser vistas como uma retaliação às potências ocidentais que a combatem no contexto da guerra na Ucrânia. Assim, o continente africano torna-se um novo palco estratégico. Podemos até pensar nesse cenário como uma nova Guerra Fria, mas com características económicas e geopolíticas específicas, sendo a África Ocidental um espaço central nesse jogo.

O Djibuti e o Gabão continuam a ter bases militares francesas. O Djibuti, em particular, parece ser um caso à parte, já que não prevê, pelo menos para já, cortar relações com a França.

O Djibuti, no Corno de África, não tem interesse em cortar relações com a França. A França desempenha um papel estratégico para a manutenção do actual governo, além de actuar no combate à pirataria e a crimes no Oceano Índico.

Portanto, o interesse da França em manter a sua base militar no Djibuti é evidente. Isso permite que o país continue a operar na região do Índico e a desempenhar um papel activo na luta contra o terrorismo e outras ameaças.

Como é que aFrança prevê redefinir a sua presença e influência no continente africano? Penso, por exemplo, na Guiné-Bissau. Pergunto-lhe, até onde pode ir o reforço de cooperação entre a Guiné-Bissau e a França, uma relação muito valorizada por Emmanuel Macron e Umaro Sissoco Embaló?

As relações entre a França e a Guiné-Bissau foram marcadas por altos e baixos, especialmente após o conflito político-militar de 1998. Na época, a França apoiou o regime de Nino Vieira, sem o consentimento da Assembleia Nacional Popular, o que arranhou seriamente as relações bilaterais.

No entanto, essas feridas têm sido saradas, especialmente com a aproximação entre Macron e Embaló. As recentes visitas de ambos os líderes mostram uma tentativa de reestruturar essa parceria.

Ainda assim, é importante lembrar o histórico conturbado das relações entre a França e muitos países africanos. Os jovens e os líderes africanos estão cada vez mais politizados e conscientes dos valores do pan-africanismo, estão a exigir uma nova dinâmica diplomática. A França, por sua vez, precisa rever as suas políticas e enfrentar o desafio de se adaptar a essa nova realidade, que inclui a procura por relações mais justas e transparentes.

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