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Fazer do verbo carne. Outra conversa com Luís Filipe Parrado

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São demasiadas palavras. Parece que nos barricamos atrás delas. E a relação que mantemos com os textos parece cada vez mais da ordem da frieza, do distanciamento, uma forma de se prometer a certas causas e ideias, adiando o momento de deflagração. Escrever não passa assim de integração, legitimação, reconhecimento, academização nos palácios, glória na memória, como nos diz Quignard. Se parece haver mais erudição do que nunca e o nível geral dos literatos até revela uma certa elevação, depois as inspirações revelam-se vazias. A cultura não parece apostada em assumir uma determinação combativa. As figuras que por ela respondem acoitaram-se “numa sageza triste que interioriza como uma tara um saber inutilizável para o ataque”. Como vinca Sloterdijk, “o mal-estar na civilização adquiriu uma nova qualidade: aparece como um cinismo difuso e universal”. Este filósofo alemão nota como o humor crítico por estes dias se volta nostalgicamente para o interior num jardinzinho filológico onde se cultivam as íris benjaminianas, as flores do mal pasolinianas e as beladonas freudianas. “A crítica, em todos os sentidos do termo, vive tempos enfadonhos. Começa de novo uma época da crítica mascarada em que as atitudes críticas estão subordinadas às funções profissionais. Criticismo de responsabilidade limitada, Iluminismo de fancaria como factor de êxito – atitude no ponto de intersecção de novos conformismos e de antigas ambições." Ele aponta para esse vazio de uma crítica que quer cobrir com o seu ruído a própria desilusão. Neste sentido, a escrita torna-se uma ocupação diletante, a transmissão de saberes faz-se sem um empenho sério, sem uma correspondência entre as posições defendidas e as atitudes assumidas na própria vida. Ficamos diante de um teatro de desertores, e toda a representação não passa de uma forma de impostura. Quignard dá-nos o exemplo de Agrippa d’Aubigné, para quem escrever “significava anacorese religiosa face à religião comum, deserto face às cidades, vingança dos seus íntimos que haviam sido executados, fidelidade aos vencidos, aventura, esquecimento”. “É o letrado concebido como o porta-voz dos mortos, desalinhado com a História, malfadado nos dias, engolido pelo silêncio anterior às línguas, acrescenta o escritor francês. Nada disto poderia estar mais distante dessa postura lacónica e enfadada dos escritores contemporâneos, que parecem só sentir algum entusiasmo por ver as suas obrinhas, apesar de tudo singrarem, triunfarem neste ambiente de desagregação. Por toda a parte, vemos as instituições de ensino serem cooptadas pela engenharia da miséria programada, e a cultura e os saberes parecem troçar dessas liturgias que se organizam em seu nome, essa imensa festa sensaborona, entre o tipo de gente que não pretende desencadear qualquer tipo de mudança. Num episódio em que quisemos deter-nos sobre a crise do ensino, da transmissão dos saberes, Steiner serviu-nos algumas pistas… “A maior parte da literatura ocidental, que durante mais de dois mil anos se abriu deliberadamente a uma interacção, na qual a obra ecoava, espelhava, aludia a obras anteriores, pertencentes à tradição, está a afastar-se com uma rapidez cada vez maior do alcance do leitor. Como as galáxias remotas que se estendem para lá do horizonte visível, o núcleo da poesia inglesa do Ovídio de Caxton a Sweeney among the Nightingales, está hoje a passar da presença activa à inércia da conservação universitária. Assentando firmemente numa profunda e ramificada anatomia de referências clássicas e bíblicas, expressando-se numa sintaxe e num vocabulário peculiares, o arco completo da poesia inglesa, do diálogo mútuo que liga Chaucer e Spenser a Tennyson e a Eliot, ultrapassa rapidamente a capacidade de apreensão da leitura natural. Há uma vibração de fundo da consciência e da linguagem que se transforma hoje em material de arquivo.”

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