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Bônus 09: "Dostoiévski-Trip", de Vladímir Sorókin

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Vladímir Sorókin transforma escritores em drogas na peça “Dostoiévski-Trip”
Escrito por Benedito Costa, publicado pelo Plural.
Então temos sete personagens a procura de algo: no caso, uma droga e daí o “trip” do título “Dostoiévski-Trip”, de Vladímir Sorókin. A peça, de um ato só, pode ser dividida em três partes. Num primeiro momento, as personagens contam que tipo de drogas usam ou que já teriam usado. Cada droga tem o nome de um escritor.
Difícil estabelecer se cada escritor citado (cada droga citada) revela algo sobre cada um dos personagens, ou se o próprio Sorókin (ou a voz que ele criou para essa peça) faz uma seleção do que seria apropriado e do que não seria apropriado no caminho que cada leitor pavimenta para sua leitura. Os escritores são vários: Kafka, Thomas Mann, Joyce, Tolstói, Dickens, Beauvoir, Nabokov etc.
Pela descrição que cada personagem faz de cada droga, é possível estabelecer “leituras” a partir de cada escritor-droga citado, mas as menções são tão rápidas que isso deve se diluir na encenação, de modo que impossibilita inferências rápidas e precisas. De todo modo, o leitor (talvez diferentemente do espectador) tem tempo de fazer pausas e avaliar cada caso. Não busquei esse caminho de análise porque achei inútil.
Num segundo momento, quando os personagens conseguem uma droga em particular, eles são deslocados para o universo das personagens de Dostoiévski. A droga que ingeriram leva o nome do escritor russo. As personagens não apenas “assumem”, então, papéis das obras de Dostoiévski como levam ao extremo características particulares de cada personagem citada.
Num terceiro momento (quando os efeitos da droga começam a arrefecer?), as personagens de Sorókin caminham de volta ao cenário original e aí começam grande monólogos em que cada um conta sua vida. O gatilho para cada narrativa é um comentário feito pela personagem precedente. Certamente, é o auge da peça – e sua maior força.
A conclusão a que chegam (e que conto aqui porque não é surpresa para ninguém) é a de que “Dostoiévski em estado puro mata”. O químico que vende a droga admite que é necessário diluir “Dostoiévski” muito provavelmente porque o público atual não o suporta mais, ou melhor, não “aguenta” Dostoiévski em estado puro. Então, ele sugere que tomem Stephen King.
Narrada dessa forma, ela parece óbvia. Mas não é. Há muitos caminhos que podem ser percorridos ao analisar essa peça e a produção escrita de Vladímir Sorókin, um dos expoentes da literatura russa contemporânea.
Embora a tendência seja a de apontar Dostoiévski como o auge da produção literária russa, Sorókin não é um autor para leituras fechadas e óbvias. Isso pode muito bem ser o contrário: uma crítica severa à necessidade de construirmos cânones. Isso não quer dizer que haja uma crítica negativa ao castelo de escrita deixado por Dostoiévski e que foi (e continua sendo) base de leitura para escritores do mundo todo.
Se em outro grande escritor russo moderno, Dovlátov, a ironia é mais sutil, mas não menos ardente e iconoclasta, principalmente em “Parque Górki”, aqui a ironia é rasgada e nada comedida, indo às raias da loucura. Evidentemente, loucura e efeito de drogas são algo muito próximo nessa peça e na mirabolante escrita dela (e que não se perca de vista que ela foi escrita para encenação).
O detalhe interessante é que em outros autores russos, como o próprio Dovlátov, é o álcool – grave problema de saúde pública na Rússia – que serve de mote para o desvelamento de determinadas verdades (de um crime ao sentido hediondo da vida), mas aqui é a droga, cada vez mais comum entre jovens russos notadamente pós-perestroika.
Há outras situações curiosas, como o mercado cultural – e como ele destrói tudo ou abarca tudo e transforma tudo em produto, justamente num país que foi o centro do comunismo soviético, discussão também presente em Dovlátov –, o vazio da vida pós-moderna, ou pós-perestroika, ou do capitalismo tardio, a busca pelas soluções rápidas, como a droga etc.
De todo modo, não se pode perder de vista que o autor usou nomes de outros autores para nomear as drogas e não nomes de empresas, por exemplo, como a Sony e o McDonald’s. De todo modo, uma peça – e notadamente os textos de Sorókin – tem múltiplas camadas. Trocar Dostoiévski por King pode remeter à troca de um escritor por outro, ou à troca de todo um sistema político por outro.
Sim, o leitor ou o espectador lembrará de Pirandello (“Seis personagens em busca de um autor”). Não é muito clara a relação entre Sorókin e Pirandello, numa primeira vista, mas eu não descartaria essa investigação. Há muito de nonsense e absurdo nessa peça e, claro, fica complicado analisá-la sozinha, principalmente porque o teatro contemporâneo abriu os tentáculos para todas as direções, como a dança, o vídeo, os efeitos visuais etc. Ou seja, para os mais variados discursos e possibilidades. Interessante notar, também, a nudez do palco: não há grandes elementos que ajudem a traduzir a peça, sendo ela bem centrada na voz dos atores. Claro, isso dependerá de cada diretor, até mesmo porque não há exigências severas de montagem indicadas por Sorókin.
A tradução da Editora 34 é de Arlete Cavaliere, que escreveu uma das melhores análises sobre a literatura russa contemporânea que li em muitos anos. Lendo a peça, você pode se deliciar com a análise precisa e erudita da tradutora.
Sorókin é leitura obrigatória para quem deseja conhecer literatura russa contemporânea.
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Difícil estabelecer se cada escritor citado (cada droga citada) revela algo sobre cada um dos personagens, ou se o próprio Sorókin (ou a voz que ele criou para essa peça) faz uma seleção do que seria apropriado e do que não seria apropriado no caminho que cada leitor pavimenta para sua leitura. Os escritores são vários: Kafka, Thomas Mann, Joyce, Tolstói, Dickens, Beauvoir, Nabokov etc.
Pela descrição que cada personagem faz de cada droga, é possível estabelecer “leituras” a partir de cada escritor-droga citado, mas as menções são tão rápidas que isso deve se diluir na encenação, de modo que impossibilita inferências rápidas e precisas. De todo modo, o leitor (talvez diferentemente do espectador) tem tempo de fazer pausas e avaliar cada caso. Não busquei esse caminho de análise porque achei inútil.
Num segundo momento, quando os personagens conseguem uma droga em particular, eles são deslocados para o universo das personagens de Dostoiévski. A droga que ingeriram leva o nome do escritor russo. As personagens não apenas “assumem”, então, papéis das obras de Dostoiévski como levam ao extremo características particulares de cada personagem citada.
Num terceiro momento (quando os efeitos da droga começam a arrefecer?), as personagens de Sorókin caminham de volta ao cenário original e aí começam grande monólogos em que cada um conta sua vida. O gatilho para cada narrativa é um comentário feito pela personagem precedente. Certamente, é o auge da peça – e sua maior força.
A conclusão a que chegam (e que conto aqui porque não é surpresa para ninguém) é a de que “Dostoiévski em estado puro mata”. O químico que vende a droga admite que é necessário diluir “Dostoiévski” muito provavelmente porque o público atual não o suporta mais, ou melhor, não “aguenta” Dostoiévski em estado puro. Então, ele sugere que tomem Stephen King.
Narrada dessa forma, ela parece óbvia. Mas não é. Há muitos caminhos que podem ser percorridos ao analisar essa peça e a produção escrita de Vladímir Sorókin, um dos expoentes da literatura russa contemporânea.
Embora a tendência seja a de apontar Dostoiévski como o auge da produção literária russa, Sorókin não é um autor para leituras fechadas e óbvias. Isso pode muito bem ser o contrário: uma crítica severa à necessidade de construirmos cânones. Isso não quer dizer que haja uma crítica negativa ao castelo de escrita deixado por Dostoiévski e que foi (e continua sendo) base de leitura para escritores do mundo todo.
Se em outro grande escritor russo moderno, Dovlátov, a ironia é mais sutil, mas não menos ardente e iconoclasta, principalmente em “Parque Górki”, aqui a ironia é rasgada e nada comedida, indo às raias da loucura. Evidentemente, loucura e efeito de drogas são algo muito próximo nessa peça e na mirabolante escrita dela (e que não se perca de vista que ela foi escrita para encenação).
O detalhe interessante é que em outros autores russos, como o próprio Dovlátov, é o álcool – grave problema de saúde pública na Rússia – que serve de mote para o desvelamento de determinadas verdades (de um crime ao sentido hediondo da vida), mas aqui é a droga, cada vez mais comum entre jovens russos notadamente pós-perestroika.
Há outras situações curiosas, como o mercado cultural – e como ele destrói tudo ou abarca tudo e transforma tudo em produto, justamente num país que foi o centro do comunismo soviético, discussão também presente em Dovlátov –, o vazio da vida pós-moderna, ou pós-perestroika, ou do capitalismo tardio, a busca pelas soluções rápidas, como a droga etc.
De todo modo, não se pode perder de vista que o autor usou nomes de outros autores para nomear as drogas e não nomes de empresas, por exemplo, como a Sony e o McDonald’s. De todo modo, uma peça – e notadamente os textos de Sorókin – tem múltiplas camadas. Trocar Dostoiévski por King pode remeter à troca de um escritor por outro, ou à troca de todo um sistema político por outro.
Sim, o leitor ou o espectador lembrará de Pirandello (“Seis personagens em busca de um autor”). Não é muito clara a relação entre Sorókin e Pirandello, numa primeira vista, mas eu não descartaria essa investigação. Há muito de nonsense e absurdo nessa peça e, claro, fica complicado analisá-la sozinha, principalmente porque o teatro contemporâneo abriu os tentáculos para todas as direções, como a dança, o vídeo, os efeitos visuais etc. Ou seja, para os mais variados discursos e possibilidades. Interessante notar, também, a nudez do palco: não há grandes elementos que ajudem a traduzir a peça, sendo ela bem centrada na voz dos atores. Claro, isso dependerá de cada diretor, até mesmo porque não há exigências severas de montagem indicadas por Sorókin.
A tradução da Editora 34 é de Arlete Cavaliere, que escreveu uma das melhores análises sobre a literatura russa contemporânea que li em muitos anos. Lendo a peça, você pode se deliciar com a análise precisa e erudita da tradutora.
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