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Por que evidências da mudança do clima, como enchentes no RS, não bastam para convencer negacionistas?

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As enchentes históricas no Rio Grande do Sul, o terceiro desastre climático no Estado em menos de um ano, fazem o Brasil sentir na pele o que os cientistas têm alertado há anos sobre as mudanças do clima que já ocorrem e vão se aprofundar. Mas as águas nos telhados das casas não bastaram para convencer uma minoria de brasileiros de que as alterações climáticas existem e, principalmente, são causadas pela ação humana. Como explicar a persistência do negacionismo, mesmo diante das evidências?

Lúcia Müzell, da RFI Brasil em Paris

Uma ampla maioria de brasileiros, em torno de 90%, conforme pesquisas realizadas antes e depois da tragédia, reconhecem o problema. Entretanto, cerca de 15 a 20% dissociam a responsabilidade humana sobre o aquecimento do planeta e preferem acreditar em outras explicações.

Essas versões vão desde os ciclos naturais da Terra até estudos sobre o espaço – como o projeto sobre a ionosfera Haarp, realizado nos Estados Unidos – ou conspirações internacionais que teriam forjado, de propósito, um volume excepcional de chuvas no Estado brasileiro.

A RFI conversou com dois pesquisadores que estudam este comportamento – um, do ponto de vista da assimilação da informação, e o outro focado nos mecanismos cerebrais da crença em teorias do complô. Sebastian Dieguez, pesquisador no Laboratório de Neurociências Cognitivas e Neurológicas da Universidade de Friburgo, na Suíça, afirma que não é novo o conspiracionismo emergir em meio a situações trágicas.

"Os rumores e as informações falsas sempre circularam facilmente em todo o tipo de períodos angustiantes e preocupantes. Mas o que estamos vendo cada vez mais é essa angústia, esse medo, serem tão fácil e estrategicamente explorados por diferentes movimentos e ideologias”, indica o neurocientista. "Eles têm sabido se aproveitar dessas preocupações de uma forma cínica, oportunista, para se propagarem ou para ganharem dinheiro."

Negar o problema é solução mais fácil

O linguista Albin Wagener, pesquisador de ciências da linguagem e da informação na Universidade Católica de Lille, observa que a mudança do clima aparece como um tema “complexo demais” e sua compreensão pode não ser simples, inclusive para aqueles com níveis elevados de escolaridade. Sua escala é tão vasta e suas consequências, tão graves, que muitos têm dificuldade de acreditar que o homem possa ter sido o causador de uma anomalia dessa magnitude – e uma reação natural humana à tragédia é a negação.

"É como num luto: quando você perde uma pessoa, você tem um período de negação porque essa informação é muito dura para você. O paralelo é esse: temos que fazer o luto do mundo de antes, tanto o luto do clima de antes, que está mudando, quanto da nossa organização social e econômica, que não é mais adaptada a essa situação. Foi ela que destruiu o planeta”, explica.

"Só que tudo isso é informação demais: termos que transformar a economia, o consumo, a sociedade. Outra reação muito humana é querer se proteger – e a negação é uma forma de proteção”, aponta.

Nas redes, todo o tipo de teses são propagadas

Políticos e um número insignificante de cientistas captaram e exploram esse sentimento, assim como formadores de opinião e produtores de conteúdo amadores. Na maioria das vezes, essas pessoas jamais estudaram climatologia – mas a celebridade delas confere credibilidade às teses alternativas.

A abundância de todo o tipo de informações pelas redes sociais pode parecer ter democratizado o conhecimento, mas também virou um canal aberto para a propagação de teorias sem qualquer comprovação científica, nota Wagener.

"Com as redes sociais e a forma com a qual a própria imprensa se estruturou nos últimos anos, entramos em uma sociedade em que todas as opiniões são equivalentes. Na televisão, vemos pesquisadores ao lado de comentaristas e políticos, o que dá a impressão de que todas as opiniões sobre um assunto valem – só que isso não é verdade”, ressalta. "Um pesquisador é especialista na sua área de estudos, e ninguém mais em volta é, a princípio. Isso tem um peso, causa um efeito que a gente muitas vezes não percebe, mas que ajuda a embaralhar a nossa percepção das coisas."

O negacionismo climático nasceu há mais de quatro décadas, no meio complotista e neoconservador americano – que, por definição, é avesso à ecologia. A natureza, alegam seus adeptos, é uma mera fonte de recursos à serventia dos seres humanos.

Assim, a redução das emissões de gases de efeito estufa, causadores do aquecimento anormal do planeta, é vista como um freio para a atividade econômica e o livre mercado. Não à toa, o setor petroleiro foi um dos que mais contribuíram para divulgar o lobby negacionista.

O neurocientista Sebastian Dieguez ressalta que o movimento é parecido com o dos antivacinas, e é marcado por diversos tipos de adesões. "Algumas pessoas simplesmente não se interessam muito pelo assunto e adotam a opinião de alguém que elas conhecem. Não são necessariamente extremistas, só não se importam”, cita. “E temos uma nova onda, que estamos chamando de novos complotistas, que surgiu por volta de 2016, com a ascensão dos movimentos populistas e antissistemas, Donald Trump e o Brexit, e se reforçou muito durante a pandemia”, complementa.

Para estes últimos, o tema foi rapidamente politizado e assimilado na polarização entre direita e esquerda. "Muitas vezes, eles precisam ser contra e assumir essa posição se quiserem demonstrar a sua lealdade a este grupo político ao qual pertencem. A pessoa pode temer ser rejeitada pelo grupo, ser considerada como não tão engajada assim. Então ela acha que precisa se associar a essa crença que está circulando entre os seus pares, assim como precisa seguir os influenciadores, os veículos e grupos de informação que a impulsionam”, detalha Dieguez.

Como combater o negacionismo?

Quanto ao futuro, os dois pesquisadores ressaltam que o contato mais próximo com a realidade das mudanças do clima "é um dos remédios incontornáveis contra o negacionismo”. “Acho que as pessoas deveriam buscar encontrar mais aquelas que enfrentam as dificuldades do clima todos os dias nas suas atividades, como os agricultores, independentemente dos seus posicionamentos políticos. Talvez assim elas vejam o quanto o problema é concreto, os eventos são graves, com impactos econômicos, sociais, culturais e migratórios muito fortes”, sublinha segundo Albin Wagener.

O cientista da Universidade de Friburgo avalia que o maior acesso à informação certificada também pode ser uma solução valiosa – porém é ineficaz nos casos de radicalismo contra a ciência.

"Às vezes, é simplesmente o tempo que vai fazer com que o assunto saia do foco e a pessoa mude de ideia mais tarde. E também vemos muito as pessoas percebendo que houve algo de imoral por trás daquela posição que elas assumiram. É o caso de quando um político enriquece graças a este apoio”, lembra. "De toda a forma, é algo que pode levar muito tempo e é um caminho pessoal que a pessoa deve decidir seguir. É muito difícil de tirar alguém à força das suas convicções.”

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Lúcia Müzell, da RFI Brasil em Paris

Uma ampla maioria de brasileiros, em torno de 90%, conforme pesquisas realizadas antes e depois da tragédia, reconhecem o problema. Entretanto, cerca de 15 a 20% dissociam a responsabilidade humana sobre o aquecimento do planeta e preferem acreditar em outras explicações.

Essas versões vão desde os ciclos naturais da Terra até estudos sobre o espaço – como o projeto sobre a ionosfera Haarp, realizado nos Estados Unidos – ou conspirações internacionais que teriam forjado, de propósito, um volume excepcional de chuvas no Estado brasileiro.

A RFI conversou com dois pesquisadores que estudam este comportamento – um, do ponto de vista da assimilação da informação, e o outro focado nos mecanismos cerebrais da crença em teorias do complô. Sebastian Dieguez, pesquisador no Laboratório de Neurociências Cognitivas e Neurológicas da Universidade de Friburgo, na Suíça, afirma que não é novo o conspiracionismo emergir em meio a situações trágicas.

"Os rumores e as informações falsas sempre circularam facilmente em todo o tipo de períodos angustiantes e preocupantes. Mas o que estamos vendo cada vez mais é essa angústia, esse medo, serem tão fácil e estrategicamente explorados por diferentes movimentos e ideologias”, indica o neurocientista. "Eles têm sabido se aproveitar dessas preocupações de uma forma cínica, oportunista, para se propagarem ou para ganharem dinheiro."

Negar o problema é solução mais fácil

O linguista Albin Wagener, pesquisador de ciências da linguagem e da informação na Universidade Católica de Lille, observa que a mudança do clima aparece como um tema “complexo demais” e sua compreensão pode não ser simples, inclusive para aqueles com níveis elevados de escolaridade. Sua escala é tão vasta e suas consequências, tão graves, que muitos têm dificuldade de acreditar que o homem possa ter sido o causador de uma anomalia dessa magnitude – e uma reação natural humana à tragédia é a negação.

"É como num luto: quando você perde uma pessoa, você tem um período de negação porque essa informação é muito dura para você. O paralelo é esse: temos que fazer o luto do mundo de antes, tanto o luto do clima de antes, que está mudando, quanto da nossa organização social e econômica, que não é mais adaptada a essa situação. Foi ela que destruiu o planeta”, explica.

"Só que tudo isso é informação demais: termos que transformar a economia, o consumo, a sociedade. Outra reação muito humana é querer se proteger – e a negação é uma forma de proteção”, aponta.

Nas redes, todo o tipo de teses são propagadas

Políticos e um número insignificante de cientistas captaram e exploram esse sentimento, assim como formadores de opinião e produtores de conteúdo amadores. Na maioria das vezes, essas pessoas jamais estudaram climatologia – mas a celebridade delas confere credibilidade às teses alternativas.

A abundância de todo o tipo de informações pelas redes sociais pode parecer ter democratizado o conhecimento, mas também virou um canal aberto para a propagação de teorias sem qualquer comprovação científica, nota Wagener.

"Com as redes sociais e a forma com a qual a própria imprensa se estruturou nos últimos anos, entramos em uma sociedade em que todas as opiniões são equivalentes. Na televisão, vemos pesquisadores ao lado de comentaristas e políticos, o que dá a impressão de que todas as opiniões sobre um assunto valem – só que isso não é verdade”, ressalta. "Um pesquisador é especialista na sua área de estudos, e ninguém mais em volta é, a princípio. Isso tem um peso, causa um efeito que a gente muitas vezes não percebe, mas que ajuda a embaralhar a nossa percepção das coisas."

O negacionismo climático nasceu há mais de quatro décadas, no meio complotista e neoconservador americano – que, por definição, é avesso à ecologia. A natureza, alegam seus adeptos, é uma mera fonte de recursos à serventia dos seres humanos.

Assim, a redução das emissões de gases de efeito estufa, causadores do aquecimento anormal do planeta, é vista como um freio para a atividade econômica e o livre mercado. Não à toa, o setor petroleiro foi um dos que mais contribuíram para divulgar o lobby negacionista.

O neurocientista Sebastian Dieguez ressalta que o movimento é parecido com o dos antivacinas, e é marcado por diversos tipos de adesões. "Algumas pessoas simplesmente não se interessam muito pelo assunto e adotam a opinião de alguém que elas conhecem. Não são necessariamente extremistas, só não se importam”, cita. “E temos uma nova onda, que estamos chamando de novos complotistas, que surgiu por volta de 2016, com a ascensão dos movimentos populistas e antissistemas, Donald Trump e o Brexit, e se reforçou muito durante a pandemia”, complementa.

Para estes últimos, o tema foi rapidamente politizado e assimilado na polarização entre direita e esquerda. "Muitas vezes, eles precisam ser contra e assumir essa posição se quiserem demonstrar a sua lealdade a este grupo político ao qual pertencem. A pessoa pode temer ser rejeitada pelo grupo, ser considerada como não tão engajada assim. Então ela acha que precisa se associar a essa crença que está circulando entre os seus pares, assim como precisa seguir os influenciadores, os veículos e grupos de informação que a impulsionam”, detalha Dieguez.

Como combater o negacionismo?

Quanto ao futuro, os dois pesquisadores ressaltam que o contato mais próximo com a realidade das mudanças do clima "é um dos remédios incontornáveis contra o negacionismo”. “Acho que as pessoas deveriam buscar encontrar mais aquelas que enfrentam as dificuldades do clima todos os dias nas suas atividades, como os agricultores, independentemente dos seus posicionamentos políticos. Talvez assim elas vejam o quanto o problema é concreto, os eventos são graves, com impactos econômicos, sociais, culturais e migratórios muito fortes”, sublinha segundo Albin Wagener.

O cientista da Universidade de Friburgo avalia que o maior acesso à informação certificada também pode ser uma solução valiosa – porém é ineficaz nos casos de radicalismo contra a ciência.

"Às vezes, é simplesmente o tempo que vai fazer com que o assunto saia do foco e a pessoa mude de ideia mais tarde. E também vemos muito as pessoas percebendo que houve algo de imoral por trás daquela posição que elas assumiram. É o caso de quando um político enriquece graças a este apoio”, lembra. "De toda a forma, é algo que pode levar muito tempo e é um caminho pessoal que a pessoa deve decidir seguir. É muito difícil de tirar alguém à força das suas convicções.”

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