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'Vivo em pânico': brasileiras no sul do Líbano testemunham escalada de violência com guerra na região

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Elas são mães de família e moram no sul do Líbano, diariamente convivendo com bombas e sirenes no meio da escalada provocada pelo assassinato dos líderes do Hamas e do Hezbollah na quarta-feira (31), e a promessa de retaliação do Irã e de seus aliados contra Israel. Palco de conflitos mundiais e regionais há décadas, o Líbano se prepara para se transformar, mais uma vez, em um "tabuleiro de War" regional. Assustadas, brasileiras que moram na região contaram à RFI como sobrevivem no meio do caos.

A conversa com Christiane, 44 anos, mãe de duas filhas, de 17 e 23 anos, começa com um apelo. Ela não deseja revelar o nome da cidade onde mora, no sul do Líbano, por medo de retaliações. Ela é a única brasileira residente no local.

"Estamos vivendo uma vida saída do Big Brother, se você me entende. É como se fosse isso. Você sabe que nem tudo posso falar pelo telefone, porque aqui tudo é vigiado. [Sobre] muitas coisas não podemos nos abrir, tudo bem?", justifica, se desculpando.

Christiane conta que vive no Líbano há 24 anos. "Eu moro bem na fronteira. Já faz 10 meses que eu estou fora de casa. A minha situação não é nada boa, porque tive que sair da minha casa somente com uma mala, com algumas roupas. A situação é a mesma onde meu marido trabalha, na fronteira, então fechou todas as portas", relata a brasileira. "Faz uns tempos que eu estou morando aqui; eu viajei para o Brasil e fiquei lá uns três meses, agora já vai fazer um mês que eu voltei, porque a minha filha tem que fazer prova do governo para entrar na faculdade. Se ela não fazer essa prova do governo, ela não pode se matricular", explica. "Então eu tive que fazer isso por minha filha. É um esforço que vale a pena para mim, porque minha filha é uma das primeiras [alunas] da escola. Ela é muito inteligente, muito estudiosa. Então valeu a pena, mesmo sabendo que eu tinha que enfrentar tudo isso que eu estou enfrentando de novo", conta.

Eu tento fazer o meu dia parecer o mais normal possível, porque se não a gente fica louca, entra em depressão, dá tremedeira, sintomas de depressão. Então a gente tenta não pensar muito no que está acontecendo.

"Meu dia a dia é sempre uma caixinha de surpresa", relata Christiane. "Quase diariamente, ou às vezes até duas vezes ao dia, tem uma explosão no céu. Não é bomba, quero deixar bem claro. Mas o barulho é como se fosse três vezes o de uma bomba. Um barulho muito forte. Pode ser de dia, pode ser de tarde, pode ser à noite. E já fizeram de madrugada também", conta. "São aviões que passam e fazem um barulho estrondoso. Tão estrondoso que já teve pessoas que morreram de ataque cardíaco. É insuportável. É um medo tão grande, mas tão grande, que chega a secar a boca, sabe?", testemunha a brasileira.

Aviões israelenses voaram baixo sobre Beirute nesta terça-feira (6), com explosões supersônicas que causaram pânico, pouco antes de um discurso planejado pelo líder do movimento libanês Hezbollah, Hassan Nasrallah, de acordo com jornalistas da agência AFP. "Aeronaves israelenses romperam a barreira do som sobre a capital e várias regiões em duas ocasiões", completou a Agência Nacional de Notícias (ANI). O acontecimento parece uma ilustração da narrativa das brasileiras que moram no sul do Líbano.

"Você pode estar no banho, fazendo uma comida, pode estar andando na rua, de repente vem esse barulho e as casas, as janelas, tudo se movimenta, é insuportável", diz Christiane. "É tão forte que um bebê recém-nascido se sacode, se assusta. Temos que conviver com isso. Então, quando bate uma porta da sua casa com vento ou cai uma panela, você praticamente já se assusta. E é assim que eu vivo, em pânico, com qualquer barulho", afirma.

"Como um jogo"

"Fora isso, eu tenho uma sensação que a gente vive como um jogo. É um jogo. A gente tem medo de ir no mercado, tem medo de comprar uma fruta na feira, tem medo de ir numa loja porque a gente não sabe quem está ao nosso redor, quem está dentro do carro que está atrás de você ou na sua frente, ou quem está com você na loja. Então a gente anda assim, meio em pânico. E você pode ser o alvo, entendeu? Então, a gente vive em pânico todos os dias", suspira Christiane.

Ela explica porque não considera a possibilidade de voltar a morar no Brasil. "Não tem como largar tudo. Começar do zero no Brasil, por exemplo, não é bem assim. Eu moro aqui há 24 anos. Eu tenho minha casa própria, meu marido tem o trabalho dele, não tem como você começar do zero. Tem gente pior do que eu, que está ainda mais próxima da fronteira", conta. "Preciso estar aqui pela minha família, não tenho como começar do zero no Brasil", afirma. "As pessoas perguntam como eu consigo viver num país assim... Mas é a mesma coisa se você está em qualquer país. Você comprou sua casa, trabalhou anos para construir, tem sua família e vive bem, e de repente tudo vira... Como é que se faz? Vamos para outro lugar e começamos do zero? E se não der certo em outro lugar? Há muitas coisas envolvidas... Tem muitos brasileiros nessa situação aqui. Eu não sou a única", diz.

"O que mais me deixa deprimida é porque parece que a situação está piorando. Hoje, às vezes você está bem, está sorrindo, de repente vem uma notícia que te deixa mais para baixo, preocupada, e você não dorme a noite inteira, não come", relata Christiane.

"Temos uma tensão 24 horas por dia", conta a podóloga brasileira Lenny Souza, que mora na cidade de Mahrakk, a oito minutos de Tyre, no sul do Líbano. "A realidade que estamos vivendo, principalmente agora, esses últimos dias, depois desse ataque terrível que teve em Beirute, é que não sabemos se daqui a um segundo, um minuto, meia hora, uma hora ou se daqui a dois dias teremos uma guerra aberta... Estamos vivendo essa guerra diária já faz muito tempo, principalmente para nós que estamos aqui no sul. Hoje eu não considero local nenhum no Líbano seguro. O realidade é que, no momento, estão atacando em qualquer lugar", diz Lenny, mãe de três meninas.

Moro no Líbano há 12 anos, e é a primeiraz vez que passo por uma situação tão difícil. Estamos vivendo em uma guerra.

"Não adianta a gente dizer o contrário. Desde o dia 7 de outubro de 2023 estamos vivendo, sim, uma guerra. Moro no sul do Líbano e todas as brasileiras que aqui moram têm vivido 24 horas de tensão. Muitas brasileiras gostariam de ir embora, de retornar ao Brasil nesse momento, mas infelizmente não têm condições financeiras para estar bancando a sua volta ao seu país", conta.

"Muitas vezes você está dirigindo e não sabe se o carro da sua frente ou de trás é alvo e pode ser atacado, e você pode ser atingido. Você não sabe se o prédio do seu lado vai ser atacado e, de repente, a sua casa ou o prédio onde você mora pode ser atingido", relata a podóloga.

Lenny conta que muitas brasileiras que não têm condições de sair do sul do Líbano, até mesmo nas cidades mais próximas à fronteira. "Se bancar financeiramente, sair de suas casas e ter que alugar uma casa em algum outro território do Líbano que seja um pouco mais tranquilo, não há condições, pois os aluguéis hoje em dia aqui, depois da situação toda que está passando com o país, estão um absurdo. E para você manter sem o seu trabalho, sem estar trabalhando, manter o seu aluguel ou o seu alimento com os seus filhos, é uma situação muito complicada e crítica", relata a brasileira.

Estocando alimentos

Lenny Souza conta que a população começa a estocar alimentos para uma "guerra total". "Sim, podemos dizer que em Beirute há muitas pessoas que estão vivendo normalmente, que no sul do Líbano há alguma cidades que ainda estão vivendo normalmente, com as pessoas indo trabalhar. Mas para nós, brasileiros, que nunca presenciamos e nem passamos por uma guerra, é complicado. É complicado você estar dentro da sua casa, de repente fazendo suas tarefas do dia a dia, e os aviões de guerra fazem um barulho terrível, a gente se assusta, os nossos filhos se assustam", afirma Souza.

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A conversa com Christiane, 44 anos, mãe de duas filhas, de 17 e 23 anos, começa com um apelo. Ela não deseja revelar o nome da cidade onde mora, no sul do Líbano, por medo de retaliações. Ela é a única brasileira residente no local.

"Estamos vivendo uma vida saída do Big Brother, se você me entende. É como se fosse isso. Você sabe que nem tudo posso falar pelo telefone, porque aqui tudo é vigiado. [Sobre] muitas coisas não podemos nos abrir, tudo bem?", justifica, se desculpando.

Christiane conta que vive no Líbano há 24 anos. "Eu moro bem na fronteira. Já faz 10 meses que eu estou fora de casa. A minha situação não é nada boa, porque tive que sair da minha casa somente com uma mala, com algumas roupas. A situação é a mesma onde meu marido trabalha, na fronteira, então fechou todas as portas", relata a brasileira. "Faz uns tempos que eu estou morando aqui; eu viajei para o Brasil e fiquei lá uns três meses, agora já vai fazer um mês que eu voltei, porque a minha filha tem que fazer prova do governo para entrar na faculdade. Se ela não fazer essa prova do governo, ela não pode se matricular", explica. "Então eu tive que fazer isso por minha filha. É um esforço que vale a pena para mim, porque minha filha é uma das primeiras [alunas] da escola. Ela é muito inteligente, muito estudiosa. Então valeu a pena, mesmo sabendo que eu tinha que enfrentar tudo isso que eu estou enfrentando de novo", conta.

Eu tento fazer o meu dia parecer o mais normal possível, porque se não a gente fica louca, entra em depressão, dá tremedeira, sintomas de depressão. Então a gente tenta não pensar muito no que está acontecendo.

"Meu dia a dia é sempre uma caixinha de surpresa", relata Christiane. "Quase diariamente, ou às vezes até duas vezes ao dia, tem uma explosão no céu. Não é bomba, quero deixar bem claro. Mas o barulho é como se fosse três vezes o de uma bomba. Um barulho muito forte. Pode ser de dia, pode ser de tarde, pode ser à noite. E já fizeram de madrugada também", conta. "São aviões que passam e fazem um barulho estrondoso. Tão estrondoso que já teve pessoas que morreram de ataque cardíaco. É insuportável. É um medo tão grande, mas tão grande, que chega a secar a boca, sabe?", testemunha a brasileira.

Aviões israelenses voaram baixo sobre Beirute nesta terça-feira (6), com explosões supersônicas que causaram pânico, pouco antes de um discurso planejado pelo líder do movimento libanês Hezbollah, Hassan Nasrallah, de acordo com jornalistas da agência AFP. "Aeronaves israelenses romperam a barreira do som sobre a capital e várias regiões em duas ocasiões", completou a Agência Nacional de Notícias (ANI). O acontecimento parece uma ilustração da narrativa das brasileiras que moram no sul do Líbano.

"Você pode estar no banho, fazendo uma comida, pode estar andando na rua, de repente vem esse barulho e as casas, as janelas, tudo se movimenta, é insuportável", diz Christiane. "É tão forte que um bebê recém-nascido se sacode, se assusta. Temos que conviver com isso. Então, quando bate uma porta da sua casa com vento ou cai uma panela, você praticamente já se assusta. E é assim que eu vivo, em pânico, com qualquer barulho", afirma.

"Como um jogo"

"Fora isso, eu tenho uma sensação que a gente vive como um jogo. É um jogo. A gente tem medo de ir no mercado, tem medo de comprar uma fruta na feira, tem medo de ir numa loja porque a gente não sabe quem está ao nosso redor, quem está dentro do carro que está atrás de você ou na sua frente, ou quem está com você na loja. Então a gente anda assim, meio em pânico. E você pode ser o alvo, entendeu? Então, a gente vive em pânico todos os dias", suspira Christiane.

Ela explica porque não considera a possibilidade de voltar a morar no Brasil. "Não tem como largar tudo. Começar do zero no Brasil, por exemplo, não é bem assim. Eu moro aqui há 24 anos. Eu tenho minha casa própria, meu marido tem o trabalho dele, não tem como você começar do zero. Tem gente pior do que eu, que está ainda mais próxima da fronteira", conta. "Preciso estar aqui pela minha família, não tenho como começar do zero no Brasil", afirma. "As pessoas perguntam como eu consigo viver num país assim... Mas é a mesma coisa se você está em qualquer país. Você comprou sua casa, trabalhou anos para construir, tem sua família e vive bem, e de repente tudo vira... Como é que se faz? Vamos para outro lugar e começamos do zero? E se não der certo em outro lugar? Há muitas coisas envolvidas... Tem muitos brasileiros nessa situação aqui. Eu não sou a única", diz.

"O que mais me deixa deprimida é porque parece que a situação está piorando. Hoje, às vezes você está bem, está sorrindo, de repente vem uma notícia que te deixa mais para baixo, preocupada, e você não dorme a noite inteira, não come", relata Christiane.

"Temos uma tensão 24 horas por dia", conta a podóloga brasileira Lenny Souza, que mora na cidade de Mahrakk, a oito minutos de Tyre, no sul do Líbano. "A realidade que estamos vivendo, principalmente agora, esses últimos dias, depois desse ataque terrível que teve em Beirute, é que não sabemos se daqui a um segundo, um minuto, meia hora, uma hora ou se daqui a dois dias teremos uma guerra aberta... Estamos vivendo essa guerra diária já faz muito tempo, principalmente para nós que estamos aqui no sul. Hoje eu não considero local nenhum no Líbano seguro. O realidade é que, no momento, estão atacando em qualquer lugar", diz Lenny, mãe de três meninas.

Moro no Líbano há 12 anos, e é a primeiraz vez que passo por uma situação tão difícil. Estamos vivendo em uma guerra.

"Não adianta a gente dizer o contrário. Desde o dia 7 de outubro de 2023 estamos vivendo, sim, uma guerra. Moro no sul do Líbano e todas as brasileiras que aqui moram têm vivido 24 horas de tensão. Muitas brasileiras gostariam de ir embora, de retornar ao Brasil nesse momento, mas infelizmente não têm condições financeiras para estar bancando a sua volta ao seu país", conta.

"Muitas vezes você está dirigindo e não sabe se o carro da sua frente ou de trás é alvo e pode ser atacado, e você pode ser atingido. Você não sabe se o prédio do seu lado vai ser atacado e, de repente, a sua casa ou o prédio onde você mora pode ser atingido", relata a podóloga.

Lenny conta que muitas brasileiras que não têm condições de sair do sul do Líbano, até mesmo nas cidades mais próximas à fronteira. "Se bancar financeiramente, sair de suas casas e ter que alugar uma casa em algum outro território do Líbano que seja um pouco mais tranquilo, não há condições, pois os aluguéis hoje em dia aqui, depois da situação toda que está passando com o país, estão um absurdo. E para você manter sem o seu trabalho, sem estar trabalhando, manter o seu aluguel ou o seu alimento com os seus filhos, é uma situação muito complicada e crítica", relata a brasileira.

Estocando alimentos

Lenny Souza conta que a população começa a estocar alimentos para uma "guerra total". "Sim, podemos dizer que em Beirute há muitas pessoas que estão vivendo normalmente, que no sul do Líbano há alguma cidades que ainda estão vivendo normalmente, com as pessoas indo trabalhar. Mas para nós, brasileiros, que nunca presenciamos e nem passamos por uma guerra, é complicado. É complicado você estar dentro da sua casa, de repente fazendo suas tarefas do dia a dia, e os aviões de guerra fazem um barulho terrível, a gente se assusta, os nossos filhos se assustam", afirma Souza.

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