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Romance de estreia de Rita Carelli, ‘Terrapreta’ é recebido com elogios pela crítica francesa

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“Terrapreta”, o primeiro romance de Rita Carelli, vencedor no Brasil do importante prêmio São Paulo de literatura em 2022, acaba de ser traduzido para o francês. Publicado pela editora Metailié, o livro chega às livrarias com elogios de críticos literários.

“Um primeiro romance de uma grande elegância de estilo” (Livres Hebdo) ou “um romance fulgurante” (Page des Libraires) são alguns dos elogios da imprensa especializada francesa sobre “Terre Noire”, traduzido para o francês por Marine Duval. A importante revista semanal Télérama deu a nota três “T”, equivalente a muito bom, ao romance de Rita Carelli. “Quando na Amazônia, o mito prevalece sobre a realidade”, resume a crítica.

“Terrapreta” é um romance de formação que leva o leitor a uma aldeia do Alto Xingu, seguindo os passos de uma adolescente que viu a sua vida alterada subitamente depois da morte inesperada da mãe e vai morar com o pai antropólogo. Em contato com a cosmovisão dos indígenas, a adolescente se transforma. O livro articula tempos e lugares, transitando entre São Paulo, Xingu e Paris. Fala de povos indígenas, sua relação com a floresta e tradições, mas também denuncia o impacto das mudanças climáticas.

Rita Carelli não veio a França para participar do lançamento de “Terre Noire”, mas conversou com a RFI pelo telefone. Ela ficou surpresa com a recepção francesa positiva de seu primeiro romance.

Leia trechos ou clique na foto principal para assistir a entrevista completa

RFI: Você fala francês, já morou em Paris e seu pai, Vincent Carelli, tem origem francesa. O que está achando dessa recepção literária do livro aqui na França?

Rita Carelli: Eu estou muito contente. Acho que a França e o Brasil são países que têm um namoro, uma relação de curiosidade mútua. Mesmo assim, eu estou surpresa com a recepção de “Terra Preta” na França e muito entusiasmada porque a França realmente é um país de leitores. As pessoas leem, os jornalistas leem os livros, as pessoas publicam críticas e isso para quem escreve é profundamente gratificante.

A crítica francesa ressalta que o livro mistura antropologia, ecologia e ficção. O romance é escrito na primeira pessoa, levando o leitor a pensar que ele contém dados autobiográficos. É um livro autobiográfico?

Ele tem traços em comum com a minha vida, né? Eu de fato convivi com muitos povos indígenas, principalmente a partir do trabalho dos meus pais. A minha mãe era antropóloga e o meu pai é indigenista. Mas ele é um tanto ficcional também. Ele tem um ponto de partida bastante autobiográfico, que é a morte da mãe. Eu de fato perdi minha mãe aos 14 anos. É um ponto de transformação dessa personagem que vai se abrir a outros mundos, a outras formas de viver. Mas depois o romance toma o seu rumo. As relações que a Ana vai ter com os seus amigos indígenas dentro da comunidade é realmente uma via ficcional.

No final, há uma observação alertando que todos os personagens são fictícios e que mesmo as palavras indígenas utilizadas são inventadas. Por que essa advertência, esse cuidado?

Eu bebi de um complexo cultural que é o Alto Xingu, que é um conjunto de vários povos divididos, às vezes, em mais de uma aldeia. E eu não quis localizar o livro numa única aldeia porque eu fiz mais de uma viagem para o Alto Xingu em diferentes aldeias. Então, eu criei essa língua, enfim, essas palavras, para deixar claro que eu estava tratando de uma região que, claro, tem traços culturais comuns, mas tem também suas diferenças. Foi a forma que encontrei de também usar histórias que ouvi em diferentes aldeias e fazer um pouco essa síntese cultural que tem no livro.

Seu livro coloca essa questão central da mediação. Hoje há emergência de muitos escritores indígenas, como Ailton Krenak que assina a orelha do seu livro e foi o primeiro indígena nomeado para a Academia Brasileira de Letras, e o debate sobre a pertinência dessas histórias serem contadas por pessoas de fora das comunidades. Como você se situa nesse debate?

Atuando em diferentes frentes. Inclusive, os livros do Ailton sou eu que organizo, assino a pesquisa. Tem a minha produção pessoal, mas tem também eu colocar a minha caneta à disposição. Eu estou sempre articulando, colaborando com a obra justamente de autores indígenas. Eu acho que a gente está nesse momento em que o lugar de fala tomou uma dimensão muito importante. É um momento muito bonito. Eu vou costurando meu caminho a partir dessas alianças. No meu trabalho, eu tomo muito esse cuidado de não falar pelos indígenas. Por isso que tem essa personagem, que é uma personagem não indígena, que está ali aprendendo com eles, né? Mas é essa personagem que dá a mão para o leitor e que leva o leitor para esse passeio.

Hoje, existem inúmeros livros recentes, livros de ficção, sendo publicados sobre a Amazônia. Tem um efeito de moda ou é a urgência climática, essa ameaça enorme, que tem feito isso?

Eu acho que as duas coisas e aí você vai ver autores fazendo isso com mais ou menos propriedade, com um mergulho mais ou menos profundo. Eu acho que a nossa sociedade está se dando conta de que a gente está num beco sem saída, que está exaurindo o planeta. Nossa sociedade está encontrando barreiras físicas para essa ideia de progresso incondicional, infinito, para esse impulso consumista inabalável. No momento em que algumas pessoas começam a perceber que talvez essa forma de estar no planeta não seja mais viável, é natural que a gente comece a se voltar para outras formas de estar no planeta. No Brasil, obviamente, a gente começa a se voltar para os pensadores de matriz africana e para os pensadores indígenas. Eu acho que é um fenômeno também coletivo, que é uma resposta à nossa crise civilizatória.

Você disse que sempre volta às aldeias indígenas onde você cresceu. No final do livro, a Ana volta à aldeia num momento em que ela está queimando. A reação dos indígenas em relação a essa destruição é um pouco menos alarmista do que a nossa, como você mostra no livro?

No livro, é muito latente o estrago ambiental, a transformação ocorrida durante apenas 15 anos. Eu queria que o livro tivesse também esse caráter de denúncia, esse caráter político. O Ailton (Krenak), fala isso: ‘nós, povos indígenas, já vimos muitos fins de mundo. Talvez vocês estejam enfrentando o primeiro de vocês agora’. Eu acho que isso marca de fato uma outra forma de encarar esse fim de mundo que a gente está vivendo agora.

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“Terrapreta”, o primeiro romance de Rita Carelli, vencedor no Brasil do importante prêmio São Paulo de literatura em 2022, acaba de ser traduzido para o francês. Publicado pela editora Metailié, o livro chega às livrarias com elogios de críticos literários.

“Um primeiro romance de uma grande elegância de estilo” (Livres Hebdo) ou “um romance fulgurante” (Page des Libraires) são alguns dos elogios da imprensa especializada francesa sobre “Terre Noire”, traduzido para o francês por Marine Duval. A importante revista semanal Télérama deu a nota três “T”, equivalente a muito bom, ao romance de Rita Carelli. “Quando na Amazônia, o mito prevalece sobre a realidade”, resume a crítica.

“Terrapreta” é um romance de formação que leva o leitor a uma aldeia do Alto Xingu, seguindo os passos de uma adolescente que viu a sua vida alterada subitamente depois da morte inesperada da mãe e vai morar com o pai antropólogo. Em contato com a cosmovisão dos indígenas, a adolescente se transforma. O livro articula tempos e lugares, transitando entre São Paulo, Xingu e Paris. Fala de povos indígenas, sua relação com a floresta e tradições, mas também denuncia o impacto das mudanças climáticas.

Rita Carelli não veio a França para participar do lançamento de “Terre Noire”, mas conversou com a RFI pelo telefone. Ela ficou surpresa com a recepção francesa positiva de seu primeiro romance.

Leia trechos ou clique na foto principal para assistir a entrevista completa

RFI: Você fala francês, já morou em Paris e seu pai, Vincent Carelli, tem origem francesa. O que está achando dessa recepção literária do livro aqui na França?

Rita Carelli: Eu estou muito contente. Acho que a França e o Brasil são países que têm um namoro, uma relação de curiosidade mútua. Mesmo assim, eu estou surpresa com a recepção de “Terra Preta” na França e muito entusiasmada porque a França realmente é um país de leitores. As pessoas leem, os jornalistas leem os livros, as pessoas publicam críticas e isso para quem escreve é profundamente gratificante.

A crítica francesa ressalta que o livro mistura antropologia, ecologia e ficção. O romance é escrito na primeira pessoa, levando o leitor a pensar que ele contém dados autobiográficos. É um livro autobiográfico?

Ele tem traços em comum com a minha vida, né? Eu de fato convivi com muitos povos indígenas, principalmente a partir do trabalho dos meus pais. A minha mãe era antropóloga e o meu pai é indigenista. Mas ele é um tanto ficcional também. Ele tem um ponto de partida bastante autobiográfico, que é a morte da mãe. Eu de fato perdi minha mãe aos 14 anos. É um ponto de transformação dessa personagem que vai se abrir a outros mundos, a outras formas de viver. Mas depois o romance toma o seu rumo. As relações que a Ana vai ter com os seus amigos indígenas dentro da comunidade é realmente uma via ficcional.

No final, há uma observação alertando que todos os personagens são fictícios e que mesmo as palavras indígenas utilizadas são inventadas. Por que essa advertência, esse cuidado?

Eu bebi de um complexo cultural que é o Alto Xingu, que é um conjunto de vários povos divididos, às vezes, em mais de uma aldeia. E eu não quis localizar o livro numa única aldeia porque eu fiz mais de uma viagem para o Alto Xingu em diferentes aldeias. Então, eu criei essa língua, enfim, essas palavras, para deixar claro que eu estava tratando de uma região que, claro, tem traços culturais comuns, mas tem também suas diferenças. Foi a forma que encontrei de também usar histórias que ouvi em diferentes aldeias e fazer um pouco essa síntese cultural que tem no livro.

Seu livro coloca essa questão central da mediação. Hoje há emergência de muitos escritores indígenas, como Ailton Krenak que assina a orelha do seu livro e foi o primeiro indígena nomeado para a Academia Brasileira de Letras, e o debate sobre a pertinência dessas histórias serem contadas por pessoas de fora das comunidades. Como você se situa nesse debate?

Atuando em diferentes frentes. Inclusive, os livros do Ailton sou eu que organizo, assino a pesquisa. Tem a minha produção pessoal, mas tem também eu colocar a minha caneta à disposição. Eu estou sempre articulando, colaborando com a obra justamente de autores indígenas. Eu acho que a gente está nesse momento em que o lugar de fala tomou uma dimensão muito importante. É um momento muito bonito. Eu vou costurando meu caminho a partir dessas alianças. No meu trabalho, eu tomo muito esse cuidado de não falar pelos indígenas. Por isso que tem essa personagem, que é uma personagem não indígena, que está ali aprendendo com eles, né? Mas é essa personagem que dá a mão para o leitor e que leva o leitor para esse passeio.

Hoje, existem inúmeros livros recentes, livros de ficção, sendo publicados sobre a Amazônia. Tem um efeito de moda ou é a urgência climática, essa ameaça enorme, que tem feito isso?

Eu acho que as duas coisas e aí você vai ver autores fazendo isso com mais ou menos propriedade, com um mergulho mais ou menos profundo. Eu acho que a nossa sociedade está se dando conta de que a gente está num beco sem saída, que está exaurindo o planeta. Nossa sociedade está encontrando barreiras físicas para essa ideia de progresso incondicional, infinito, para esse impulso consumista inabalável. No momento em que algumas pessoas começam a perceber que talvez essa forma de estar no planeta não seja mais viável, é natural que a gente comece a se voltar para outras formas de estar no planeta. No Brasil, obviamente, a gente começa a se voltar para os pensadores de matriz africana e para os pensadores indígenas. Eu acho que é um fenômeno também coletivo, que é uma resposta à nossa crise civilizatória.

Você disse que sempre volta às aldeias indígenas onde você cresceu. No final do livro, a Ana volta à aldeia num momento em que ela está queimando. A reação dos indígenas em relação a essa destruição é um pouco menos alarmista do que a nossa, como você mostra no livro?

No livro, é muito latente o estrago ambiental, a transformação ocorrida durante apenas 15 anos. Eu queria que o livro tivesse também esse caráter de denúncia, esse caráter político. O Ailton (Krenak), fala isso: ‘nós, povos indígenas, já vimos muitos fins de mundo. Talvez vocês estejam enfrentando o primeiro de vocês agora’. Eu acho que isso marca de fato uma outra forma de encarar esse fim de mundo que a gente está vivendo agora.

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