Akira Kurosawa (Parte 14) - Akira Kurosawa e a Vocação Médica
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Pra quem não sabe, o tema da vocação médica foi um dos interesses de Akira Kurosawa e resultou em 2 filmes: Duelo Silencioso (1949) e Barba-Ruiva (1965).
Em Duelo Silencioso, acompanhamos o Dr. Kyoji Fujisaki (interpretado por Toshiro Mifune), um jovem médico idealista que contraiu sífilis durante o seu serviço na Segunda Guerra Mundial, ao cortar-se acidentalmente com uma lâmina contaminada enquanto realizava uma operação em um paciente infectado.
Contaminado com esta doença infecciosa que, além de ser praticamente incurável, marca seu portador com um estigma social, Fujisaki volta para a clínica presidida por seu pai, em silêncio, tratando-se em segredo com Salvarsan (um medicamento para tratar sífilis).
Fujisaki, também em silêncio, cancela o noivado com Misao, sua noiva há seis anos, sem explicação, pois não deseja que ela tenha que esperar vários anos até que ele se recupere (isso se ele se recuperar).
O filme todo é baseado em Fujisaki sofrendo em silêncio, engolindo o choro, enquanto continua exercendo sua vocação médica - pois os pacientes são mais importantes.
Costumo dizer que Duelo Silencioso é o filme mais cristão de Akira Kurosawa.
O personagem principal (Dr. Fujisaki) encarna a ideia do homem que se coloca a serviço do próximo enquanto dissolve em consecutivos atos de autosacrifício baseado no amor. Todo filme é pautado na resignação marmórea de um homem que constantemente engole o choro da sua dor existêncial.
Em Barba-Ruiva (1965) acompanhamos o desenvolvimento da relação entre um médico chamado Dr. Niide (apelidado como Barba-Ruiva e interpretado por Toshiro Mifune) e seu novo estagiário, um jovem arrogante e inteligente que ambiciona ser o médico das elites do país.
Ambos são os únicos médicos em Koishikawa, um distrito de Edo marcado pela pobreza e pela doença. Os personagens são colocados em perspectivas opostas: um vê a medicina apenas como carreira, enquanto o outro vê a medicina como uma vocação humanística. Aos poucos, em contato com o sofrimento dos pobres e necessitados, o jovem rebelde vai se tornando mais parecido com Barba-Ruiva e começa a se afeiçoar ao local que antes odiava.
O filme não apenas apresenta uma maravilhosa jornada de crescimento pessoal para o personagem principal, mas também é um dos melhores exemplos de filmes em que os personagens secundários possuem um peso dramático e narrativo igualmente importante.
Muitas vezes, os personagens principais são utilizados apenas como meio de conectar outras histórias dentro do enredo – ou seja, são facilitadores de narrativas diegéticas dentro da narrativa do filme.
Ao longo do filme, várias histórias paralelas são contadas através dos personagens moribundos, em que eles próprios são protagonistas de seus próprios universos.
Vale pontuar que O Barba-Ruiva é um filme baseado numa coleção de contos de Shugoro Yamamoto de 1959 chamado Akahige Shinryōtan. Por isso a necessidade do filme se ramificar em várias histórias.
No entanto, as fontes literárias deste filme se diversificam.
A subtrama envolvendo a jovem Otoyo (interpretada por Terumi Niki), que é resgatada de um bordel, é baseada num romance chamado Humilhados e Ofendidos de Fiódor Dostoiévski.
Em resumo, trata-se de um dos melhores filmes de Akira Kurosawa. Inclusive, no Japão, já foi considerado o magnum opus do diretor.
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