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São merdas meu senhor são merdas. Uma conversa com Nunes da Rocha.
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No Telhal ninguém lê Camões, e é pena. Talvez fizessem mais sentido dele. Cá fora os usos que se lhe dão, diga-se de passagem, também não são melhores. Até nos vícios já fomos mais sinceros. Já bebemos com outra honestidade, exactamente por nos sabermos sem escapatória, desertávamos intimamente pondo-nos a inventar com uma ferocidade que por estes dias tem andado desaparecida. Por indisposição do olhar e consequente nervura no pensamento, o nosso sentido de aproveitamento da realidade parece ter metido baixa, sofre de ansiedade, vertigens do camandro. As propostas que chegam entre as persianas não são demasiado tentadoras, por isso desta vez nos recolhemos a atirar conversa fora, com Nunes da Rocha, poeta de asa sofrida, que nos “diz uma pilhéria/ dá um peido em décimas/ e depois/ arremete caga-lume/ da noite ao Sol”. É dos últimos que foram revelando esse talento de andar a monte, e vai por aí fora, pelas províncias do pânico face ao mundo, com o Lima o Ângelo mailo Gancho António. Corre os balcões dando corda a uma fantasia turva, sem inchaço moral ou calo histórico, com palito nos dentes e asco a olear mecanismo no tasco. Há por aí demasiada conversa dominical, e o que procurámos foi fugir-lhe seguindo o poeta aos trambolhões por um lugar onde acabam comboios com ferrugem e destreza. O próprio Nunes da Rocha é uma espécie de longa composição, de gente que se esqueceu do destino que levava, uma comunidade que desandou a dar ao pedal. Entre as suas penas, se nos pusermos à espreita, dá para catar muita dessa gente, e apetece citar Albert Cossery nas suas Cores da Infâmia: "Impermeável ao drama e à desolação, esta chusma de gente carreava uma espantosa variedade de personagens pacificadas pela sua ociosidade; operários sem trabalho, artesões sem clientela, intelectuais desinteressados da glória, funcionários administrativos expulsos das repartições por falta de cadeiras, diplomados das universidades vergados ao peso da sua ciência estéril, enfim, os eternos trocistas, filósofos amorosos da sombra e da quietude que dela emana, para quem a deterioração espectacular da sua cidade tinha sido especialmente concebida para lhes aguçar o sentido crítico."
76 episódios
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No Telhal ninguém lê Camões, e é pena. Talvez fizessem mais sentido dele. Cá fora os usos que se lhe dão, diga-se de passagem, também não são melhores. Até nos vícios já fomos mais sinceros. Já bebemos com outra honestidade, exactamente por nos sabermos sem escapatória, desertávamos intimamente pondo-nos a inventar com uma ferocidade que por estes dias tem andado desaparecida. Por indisposição do olhar e consequente nervura no pensamento, o nosso sentido de aproveitamento da realidade parece ter metido baixa, sofre de ansiedade, vertigens do camandro. As propostas que chegam entre as persianas não são demasiado tentadoras, por isso desta vez nos recolhemos a atirar conversa fora, com Nunes da Rocha, poeta de asa sofrida, que nos “diz uma pilhéria/ dá um peido em décimas/ e depois/ arremete caga-lume/ da noite ao Sol”. É dos últimos que foram revelando esse talento de andar a monte, e vai por aí fora, pelas províncias do pânico face ao mundo, com o Lima o Ângelo mailo Gancho António. Corre os balcões dando corda a uma fantasia turva, sem inchaço moral ou calo histórico, com palito nos dentes e asco a olear mecanismo no tasco. Há por aí demasiada conversa dominical, e o que procurámos foi fugir-lhe seguindo o poeta aos trambolhões por um lugar onde acabam comboios com ferrugem e destreza. O próprio Nunes da Rocha é uma espécie de longa composição, de gente que se esqueceu do destino que levava, uma comunidade que desandou a dar ao pedal. Entre as suas penas, se nos pusermos à espreita, dá para catar muita dessa gente, e apetece citar Albert Cossery nas suas Cores da Infâmia: "Impermeável ao drama e à desolação, esta chusma de gente carreava uma espantosa variedade de personagens pacificadas pela sua ociosidade; operários sem trabalho, artesões sem clientela, intelectuais desinteressados da glória, funcionários administrativos expulsos das repartições por falta de cadeiras, diplomados das universidades vergados ao peso da sua ciência estéril, enfim, os eternos trocistas, filósofos amorosos da sombra e da quietude que dela emana, para quem a deterioração espectacular da sua cidade tinha sido especialmente concebida para lhes aguçar o sentido crítico."
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