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Panama Papers: “A criatividade de quem quer esconder dinheiro não tem limites”

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Esta segunda-feira, começou o julgamento de 27 pessoas no caso dos Panama Papers, oito anos depois do escândalo que revelou um vasto sistema de criação de offshores através de uma empresa no Panamá, a Mossack Fonseca. Micael Pereira, repórter no jornal português Expresso e membro do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, que trabalhou nos Panama Papers, falou-nos sobre esta investigação e sublinhou que “a criatividade de quem quer esconder dinheiro não tem limites”.

RFI: O que são os Panama Papers?

Micael Pereira, Jornalista: Os Panama Papers são um projecto de investigação baseado numa fuga de informação com mais de 11 milhões de ficheiros. Essa fuga de informação foi partilhada por um jornal alemão, o Süddeutsche Zeitung, com o ICIJ - que é uma organização sem fins lucrativos, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação - e que conseguiu reunir algumas centenas de jornalistas de todo o mundo para explorar estes documentos. Ora, estes documentos, esta fuga de informação tem origem num escritório de advogados no Panamá, Mossack Fonseca, que vendia serviços essencialmente de ocultação a clientes em todo o mundo. Quando eu digo ocultação é criação de companhias offshore para que tornasse mais fácil esconder a detenção de dinheiro em bancos na Suíça e noutros países.

Mas criar e ter uma empresa offshore, com o objectivo a obter melhores condições de tributação fiscal, não é uma prática ilegal, em si...

Isso depende de caso a caso. Embora possamos dizer que não basta ter uma arma para matar alguém, mas é preciso ter uma arma para matar alguém, no sentido em que muitos destes casos que foram relatados por jornalistas e por muitos meios de comunicação acabaram por se provar ser casos relacionados com fuga aos impostos, branqueamento de capitais, corrupção...

Evasão fiscal...

Evasão fiscal foi a situação mais comum e é, na verdade, a situação mais comum neste tipo de recurso a companhias offshore.

Quais foram os casos mais mediáticos?

Houve muitos casos em todo o mundo. Um dos casos foi com o primeiro-ministro da Islândia que foi apanhado, de surpresa, numa entrevista filmada, quando foi revelado que a família dele tinha contas offshore. Isso levou inclusive à resignação do primeiro-ministro. Mas houve outros casos. Lembro-me do ex-primeiro-ministro [britânico] David Cameron, do Lionel Messi, melhor futebolista do mundo, do primeiro-ministro do Paquistão. Houve casos praticamente em todo o mundo.

E em Portugal e no mundo lusófono?

Em Portugal, a fuga de informação permitiu revelar o uso de companhias offshore por uma série de pessoas, dezenas de figuras públicas, empresários. E também permitiu perceber, com muito detalhe, uma série de esquemas usados pelo Grupo Espírito Santo. A maior parte das revelações ou as mais significativas revelações relacionadas com Portugal - e também com países lusófonos, sobretudo Angola - estiveram relacionadas com o Grupo Espírito Santo, havendo a coincidência de o Banco Espírito Santo ter colapsado em 2014, portanto dois anos antes das revelações dos “Panama Papers”. Eu diria que o caso mais relevante dentro dessa esfera, ligado ao Grupo Espírito Santo, tem a ver com o processo do ex-primeiro-ministro português José Sócrates. O Expresso conseguiu encontrar documentação nos “Panama Papers” que revelavam como o esquema de branqueamento de capitais, de lavagem de dinheiro, foi feito para fazer chegar o dinheiro, a corrupção, ao primeiro-ministro José Sócrates, numa altura em que o ex-primeiro-ministro estava a ser investigado pelo Ministério Público em Portugal.

Qual o impacto que esta investigação, os “Panama Papers”, teve? Conseguiu, de certa forma, ajudar no combate à corrupção?

Eu julgo que os “Panama Papers” trouxeram uma série de coisas positivas. Para já, foi a maior revelação do género feita até à altura e a maior colaboração entre os jornalistas. Revelou que é possível haver jornalistas em todo o mundo capazes de colaborarem uns com os outros para revelar este tipo de situações, este tipo de histórias, portanto, teve logo à partida impacto. Depois fez com que as regras mudassem em uma série de países. Houve, inclusive, uma comissão dedicada aos “Panama Papers” no Parlamento Europeu, que trouxe uma série de iniciativas para reforçar o combate à evasão fiscal e ao branqueamento de capitais. No próprio Panamá, onde agora este julgamento está a começar e que tem no banco dos réus os fundadores deste escritório de advogados da Mossack Fonseca, essas regras também foram reforçadas depois dos “Panama Papers”. Portanto, houve uma série de coisas boas a sair daí.

Cinco anos depois dos “Panamá Papers”, houve os “Pandora Papers”, em que o Micael também participou na investigação. Continuou e continua a ser igualmente possível arranjar estratagemas para uma fuga massiva aos impostos?

Sim, sim. Não falta espaço para a criatividade no mundo offshore. É verdade. Também é verdade que depois dos “Panama Papers”, que foram lançados em 2016, levando à produção de histórias nos anos seguintes, a verdade é que, também do ponto de vista do jornalismo de investigação, tem havido muitos outros projectos que têm sido capazes de trazer outras revelações sobre usos semelhantes ou muito parecidos deste tipo de estruturas, de companhias offshores, precisamente para esconder e para fugir. A criatividade e os recursos de quem quer esconder dinheiro não tem limites, mas a luta continua, digamos assim, do ponto de vista do jornalismo de investigação.

Há 27 pessoas em julgamento, nomeadamente, os fundadores do escritório de advogados baseado no Panamá, Mossack Fonseca, e outros advogados, assim como ex-funcionários da empresa extinta. Mas os “Panama Papers” implicaram imensos nomes em todo o mundo. Quais são as expectativas relativamente a este julgamento?

Eu acho que será um exemplo e as expectativas são que sirva de exemplo. Eu sei que os procuradores do Ministério Público pedem 12 anos de prisão para os dois fundadores do escritório de advogados. Eu acredito que, no final, é possível ou provável que haja uma condenação, não digo condenação tal e qual o Ministério Público pede, mas acredito que irá haver uma condenação e que essa condenação servirá de exemplo para outros empresários e advogados que oferecem este tipo de serviços, para eles pensarem duas vezes antes de se envolverem neste tipo de actividades.

Estruturalmente, se este tipo de empresas existe é porque há procura. Não deveriam ser também os milionários que as procuram e as usam a irem para o banco dos réus?

Alguns desses milionários acabam por ir parar aos bancos dos réus, como tem sido o caso de Ricardo Salgado, ex-presidente do Banco Espírito Santo. Não são só milionários que usam estes esquemas. Também há criminosos, em muitos casos de criminalidade organizada, às vezes até de crime violento, tráfico de droga e outros tipos de crimes. Acontece - se calhar menos vezes do que nós gostaríamos - que muitas destas pessoas acabam por se sentar no banco dos réus quando são expostas por investigações jornalísticas ou pela capacidade de procuradores, inspectores da polícia de reunirem informação e de conseguirem cooperar uns com os outros. Portanto, isso de alguma forma vai acontecendo.

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Esta segunda-feira, começou o julgamento de 27 pessoas no caso dos Panama Papers, oito anos depois do escândalo que revelou um vasto sistema de criação de offshores através de uma empresa no Panamá, a Mossack Fonseca. Micael Pereira, repórter no jornal português Expresso e membro do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, que trabalhou nos Panama Papers, falou-nos sobre esta investigação e sublinhou que “a criatividade de quem quer esconder dinheiro não tem limites”.

RFI: O que são os Panama Papers?

Micael Pereira, Jornalista: Os Panama Papers são um projecto de investigação baseado numa fuga de informação com mais de 11 milhões de ficheiros. Essa fuga de informação foi partilhada por um jornal alemão, o Süddeutsche Zeitung, com o ICIJ - que é uma organização sem fins lucrativos, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação - e que conseguiu reunir algumas centenas de jornalistas de todo o mundo para explorar estes documentos. Ora, estes documentos, esta fuga de informação tem origem num escritório de advogados no Panamá, Mossack Fonseca, que vendia serviços essencialmente de ocultação a clientes em todo o mundo. Quando eu digo ocultação é criação de companhias offshore para que tornasse mais fácil esconder a detenção de dinheiro em bancos na Suíça e noutros países.

Mas criar e ter uma empresa offshore, com o objectivo a obter melhores condições de tributação fiscal, não é uma prática ilegal, em si...

Isso depende de caso a caso. Embora possamos dizer que não basta ter uma arma para matar alguém, mas é preciso ter uma arma para matar alguém, no sentido em que muitos destes casos que foram relatados por jornalistas e por muitos meios de comunicação acabaram por se provar ser casos relacionados com fuga aos impostos, branqueamento de capitais, corrupção...

Evasão fiscal...

Evasão fiscal foi a situação mais comum e é, na verdade, a situação mais comum neste tipo de recurso a companhias offshore.

Quais foram os casos mais mediáticos?

Houve muitos casos em todo o mundo. Um dos casos foi com o primeiro-ministro da Islândia que foi apanhado, de surpresa, numa entrevista filmada, quando foi revelado que a família dele tinha contas offshore. Isso levou inclusive à resignação do primeiro-ministro. Mas houve outros casos. Lembro-me do ex-primeiro-ministro [britânico] David Cameron, do Lionel Messi, melhor futebolista do mundo, do primeiro-ministro do Paquistão. Houve casos praticamente em todo o mundo.

E em Portugal e no mundo lusófono?

Em Portugal, a fuga de informação permitiu revelar o uso de companhias offshore por uma série de pessoas, dezenas de figuras públicas, empresários. E também permitiu perceber, com muito detalhe, uma série de esquemas usados pelo Grupo Espírito Santo. A maior parte das revelações ou as mais significativas revelações relacionadas com Portugal - e também com países lusófonos, sobretudo Angola - estiveram relacionadas com o Grupo Espírito Santo, havendo a coincidência de o Banco Espírito Santo ter colapsado em 2014, portanto dois anos antes das revelações dos “Panama Papers”. Eu diria que o caso mais relevante dentro dessa esfera, ligado ao Grupo Espírito Santo, tem a ver com o processo do ex-primeiro-ministro português José Sócrates. O Expresso conseguiu encontrar documentação nos “Panama Papers” que revelavam como o esquema de branqueamento de capitais, de lavagem de dinheiro, foi feito para fazer chegar o dinheiro, a corrupção, ao primeiro-ministro José Sócrates, numa altura em que o ex-primeiro-ministro estava a ser investigado pelo Ministério Público em Portugal.

Qual o impacto que esta investigação, os “Panama Papers”, teve? Conseguiu, de certa forma, ajudar no combate à corrupção?

Eu julgo que os “Panama Papers” trouxeram uma série de coisas positivas. Para já, foi a maior revelação do género feita até à altura e a maior colaboração entre os jornalistas. Revelou que é possível haver jornalistas em todo o mundo capazes de colaborarem uns com os outros para revelar este tipo de situações, este tipo de histórias, portanto, teve logo à partida impacto. Depois fez com que as regras mudassem em uma série de países. Houve, inclusive, uma comissão dedicada aos “Panama Papers” no Parlamento Europeu, que trouxe uma série de iniciativas para reforçar o combate à evasão fiscal e ao branqueamento de capitais. No próprio Panamá, onde agora este julgamento está a começar e que tem no banco dos réus os fundadores deste escritório de advogados da Mossack Fonseca, essas regras também foram reforçadas depois dos “Panama Papers”. Portanto, houve uma série de coisas boas a sair daí.

Cinco anos depois dos “Panamá Papers”, houve os “Pandora Papers”, em que o Micael também participou na investigação. Continuou e continua a ser igualmente possível arranjar estratagemas para uma fuga massiva aos impostos?

Sim, sim. Não falta espaço para a criatividade no mundo offshore. É verdade. Também é verdade que depois dos “Panama Papers”, que foram lançados em 2016, levando à produção de histórias nos anos seguintes, a verdade é que, também do ponto de vista do jornalismo de investigação, tem havido muitos outros projectos que têm sido capazes de trazer outras revelações sobre usos semelhantes ou muito parecidos deste tipo de estruturas, de companhias offshores, precisamente para esconder e para fugir. A criatividade e os recursos de quem quer esconder dinheiro não tem limites, mas a luta continua, digamos assim, do ponto de vista do jornalismo de investigação.

Há 27 pessoas em julgamento, nomeadamente, os fundadores do escritório de advogados baseado no Panamá, Mossack Fonseca, e outros advogados, assim como ex-funcionários da empresa extinta. Mas os “Panama Papers” implicaram imensos nomes em todo o mundo. Quais são as expectativas relativamente a este julgamento?

Eu acho que será um exemplo e as expectativas são que sirva de exemplo. Eu sei que os procuradores do Ministério Público pedem 12 anos de prisão para os dois fundadores do escritório de advogados. Eu acredito que, no final, é possível ou provável que haja uma condenação, não digo condenação tal e qual o Ministério Público pede, mas acredito que irá haver uma condenação e que essa condenação servirá de exemplo para outros empresários e advogados que oferecem este tipo de serviços, para eles pensarem duas vezes antes de se envolverem neste tipo de actividades.

Estruturalmente, se este tipo de empresas existe é porque há procura. Não deveriam ser também os milionários que as procuram e as usam a irem para o banco dos réus?

Alguns desses milionários acabam por ir parar aos bancos dos réus, como tem sido o caso de Ricardo Salgado, ex-presidente do Banco Espírito Santo. Não são só milionários que usam estes esquemas. Também há criminosos, em muitos casos de criminalidade organizada, às vezes até de crime violento, tráfico de droga e outros tipos de crimes. Acontece - se calhar menos vezes do que nós gostaríamos - que muitas destas pessoas acabam por se sentar no banco dos réus quando são expostas por investigações jornalísticas ou pela capacidade de procuradores, inspectores da polícia de reunirem informação e de conseguirem cooperar uns com os outros. Portanto, isso de alguma forma vai acontecendo.

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