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Sessões espíritas numa cidade assombrada. Conversa com José Smith Vargas e Fernando Ramalho

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Querem convencer-nos de que estamos encurralados na estação morta e que daqui não há saída, que não nos resta alternativa senão seguir adiante e acatar os maus modos e destratos da época que nos calhou viver. Enquanto isso, enquanto prosseguem na sonegação dos melhores espíritos desta geração, garantem-nos que o problema é que nos falta o génio e a invenção ou o grau de empenho necessário. Pintam-nos como um bando omisso, ou então assemelhando-nos a uma multidão de palhaços miseráveis, abandonados na ponte, olhando para baixo, para o nosso circo submerso. E alguns acreditam que somos só isto. O retrato degradante que nos fazem. Querem-nos trancados diante de espelhos que deformam cada gesto, servindo-nos como eco e reflexo essa forma fantasmagórica que se ergue dentro de alguma jaula. Se abrimos a boca os velhos olham-nos como se tivéssemos disparado uma arma contra o seu silêncio. Conseguimos ouvir a ferrugem a descascar os ossos deles, e a chuva e o frio a atravessar-lhes as correntes sanguíneas, deixando por vezes que irrompa por um momento nos seus olhares moribundos. Continuam a censurar-nos considerando que não estamos adequadamente vestidos para um funeral. E tudo por aqui são funerais. Parece que estão ali desde sempre, colados aos bancos de madeira. Ninguém se lembra sequer de os ter visto de pé, andando por aí. Estão ali todos os dias, todas as semanas, todos os anos, fumando ou mascando seja o que for, tagarelando invariavelmente sobre as politiquices e fingindo que decidem o que fazer com o país. Do país só ouvimos rangidos, como os de um imenso navio fantasma atravessando vagas que nem lá estão. Encalhou há muito. E o tal mar português também deixou de existir. Ninguém o olha e consegue acreditar que seja ainda uma criatura viva, lembrando apenas um fóssil imperturbado pelo desenrolar da eternidade. Para nos distraírem, muitas vezes têm lojas perto dos cafés com letreiros afixados onde se pode ler: "Vendem-se canários". Mas, entrando, damo-nos conta de que o pipilar que se ouve não passa de uma gravação. Passa-se algo semelhante com todos os sinais de vida que exibem. E é a partir disto que é suposto que cada nova geração recomponha o passado. Ora, como nos diz John Dos Passos, que tinha antepassados lusos, "em tempos fáceis, a história é uma espécie de arte ornamental, mas em tempos de perigo somos levados ao registo escrito por uma necessidade premente de encontrar respostas para os mistérios de hoje. Em tempos de mudança e de perigo, quando há uma areia movediça de medo sob a racionalidade humana, uma sensação de continuidade desde gerações passadas pode estender-se como tábua de salvação através do presente assustador e levar-nos a ultrapassar esse engano idiota, que bloqueia o bom pensamento, que é o de que o 'Agora' é incomum". Roubam-nos o dia de amanhã aldrabando os registos sobre o que se passou ontem. Por isso insistimos em criar um catálogo de exemplares raros e que eles tentam por todos os meios fumigar e exterminar. E desta vez, com José Smith Vargas, deixamo-nos levar pelo seu traço nervoso e mordaz, pelo seu modo de se esquivar a impressões gastas, captando a incerteza ao desenhar e escrever uma crónica das transformações a que têm sido sujeitas as próprias cidades onde vivemos, rejeitando conclusões apressadas, agarrando os elementos espectrais de vidas interrompidas ou sufocadas pelo triunfo dos valores especulativos e a fragilidade que da própria existência fez apenas os termos de um negócio.

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