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Um país em liberdade condicional. Entrevista a Carlos Matos Gomes

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Nove séculos depois, com tanto desaire, tantos tombos e ilusões a naufragar neste sangue, está difícil vir tirar do prego as três sílabas que em tempos cunhámos em cobre e nos foram devolvidas em plástico, esta vaga pertença sobre a qual vemos acumularem-se juros impossíveis de saldar na loja de penhores inglesa onde a deixámos, temporariamente apenas, só enquanto nos curávamos de outra carraspana. De lá para cá, ficou tudo a preto-e-branco, só do estrangeiro é que ainda apanhamos uma emissão a cores. Este país que é uma imensa culpa, mais que só um remorso, esta dívida transmitida entre as gerações, e com tanta dificuldade em explicar porquê. A viagem medonha terminou, mas o enjoo persiste, o desequilíbrio nos sentidos, a sensação de que o mar não são lágrimas, mas um vómito de séculos. E então voltamos ao tombadilho, procuramos um capitão desde o último episódio em que houve um sinal de coragem, de força, e de súbito vem-nos a sensação de que se Portugal alguma vez teve algum fulgor, isso deu-se nos momentos em que se viu lançado numa visão recém-descoberta de si mesmo, uma espécie de heresia contra o repertório de atitudes cínicas, a tacanhez auto-indulgente, a cobardia oficial, os protocolos achincalhantes e essa desgraçada reputação que sempre nos precede. Um forte murro nas trombas pode ser o gesto mais fraterno quando vivemos apoiados num sonho a cair de podre. “Porque chega o momento/ em que até o sonho é uma ironia/ e o despertar um simulacro”, como notou Juarroz. De Abril foi resistindo um género de bazófia popular, como se aquele povo miúdo tivesse despertado certa manhã todo audacioso, com vontade de pedir contas por décadas de tirania e aviltamento. Para não nos perdermos nesse nevoeiro por onde se vai retomando os mesmos passos desolados, quisemos ouvir por uma vez um dos nossos capitães, Carlos Matos Gomes, um homem que persiste à margem dessas bêbadas fantasmagorias, lúcido e desafiador, sem receio de confrontar o passado nem de descompor as tretas que alinham para o nosso consumo diário, para não deixar que no futuro ninguém coza de vez esta tremenda bebedeira. Fomos ouvir este coronel reformado, escritor (assinando com o pseudónimo Carlos Vale Ferraz) e um dos autores mais empenhados em garantir que algum dia despertamos deste estado de estupor para sabermos o que fomos, que coisas fizemos, antes de nos rendermos a esta condição de menoridade, de apatia, de servidão alegre e voluntária.

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Nove séculos depois, com tanto desaire, tantos tombos e ilusões a naufragar neste sangue, está difícil vir tirar do prego as três sílabas que em tempos cunhámos em cobre e nos foram devolvidas em plástico, esta vaga pertença sobre a qual vemos acumularem-se juros impossíveis de saldar na loja de penhores inglesa onde a deixámos, temporariamente apenas, só enquanto nos curávamos de outra carraspana. De lá para cá, ficou tudo a preto-e-branco, só do estrangeiro é que ainda apanhamos uma emissão a cores. Este país que é uma imensa culpa, mais que só um remorso, esta dívida transmitida entre as gerações, e com tanta dificuldade em explicar porquê. A viagem medonha terminou, mas o enjoo persiste, o desequilíbrio nos sentidos, a sensação de que o mar não são lágrimas, mas um vómito de séculos. E então voltamos ao tombadilho, procuramos um capitão desde o último episódio em que houve um sinal de coragem, de força, e de súbito vem-nos a sensação de que se Portugal alguma vez teve algum fulgor, isso deu-se nos momentos em que se viu lançado numa visão recém-descoberta de si mesmo, uma espécie de heresia contra o repertório de atitudes cínicas, a tacanhez auto-indulgente, a cobardia oficial, os protocolos achincalhantes e essa desgraçada reputação que sempre nos precede. Um forte murro nas trombas pode ser o gesto mais fraterno quando vivemos apoiados num sonho a cair de podre. “Porque chega o momento/ em que até o sonho é uma ironia/ e o despertar um simulacro”, como notou Juarroz. De Abril foi resistindo um género de bazófia popular, como se aquele povo miúdo tivesse despertado certa manhã todo audacioso, com vontade de pedir contas por décadas de tirania e aviltamento. Para não nos perdermos nesse nevoeiro por onde se vai retomando os mesmos passos desolados, quisemos ouvir por uma vez um dos nossos capitães, Carlos Matos Gomes, um homem que persiste à margem dessas bêbadas fantasmagorias, lúcido e desafiador, sem receio de confrontar o passado nem de descompor as tretas que alinham para o nosso consumo diário, para não deixar que no futuro ninguém coza de vez esta tremenda bebedeira. Fomos ouvir este coronel reformado, escritor (assinando com o pseudónimo Carlos Vale Ferraz) e um dos autores mais empenhados em garantir que algum dia despertamos deste estado de estupor para sabermos o que fomos, que coisas fizemos, antes de nos rendermos a esta condição de menoridade, de apatia, de servidão alegre e voluntária.

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