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“O Sudão vive num caos humanitário”

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A comunidade internacional reuniu-se esta segunda-feira, 15 de Abril, em Paris e comprometeu- se a ajudar o Sudão com mais de 2 mil milhões de dólares. Há um ano que os confrontos entre as diferentes facções militares mergulharam o país numa guerra civil violenta, deixando cerca de 25 milhões de sudaneses, cerca de metade da população, a precisarem de ajuda humanitária.

Em entrevista à RFI, a professora de Relações Internacionais na Universidade de Coimbra, Daniela Nascimento, considera que o país vive numa situação de caos humanitário.

RFI: O Sudão está em guerra há um ano. Qual é o actual estado do país?

Daniela Nascimento, professora de Relações Internacionais na Universidade de Coimbra: A situação actual no Sudão é de uma crise humanitária que se agrava a cada dia que passa. São 12 meses de uma guerra particularmente violenta, confrontos que não poupam a população civil e com um custo humano significativo. Estima-se que cerca de 15 mil pessoas já tenham morrido, em resultado dos confrontos entre os dois grupos militares.

O custo humano também se verifica do ponto de vista do número de pessoas que se viram forçadas a sair ou a deslocar-se no Sudão. Uma estimativa das Nações Unidas revela que pelo menos 8 milhões de pessoas estão deslocadas forçadamente, cerca de 2 milhões procuraram refúgio nos países vizinhos, como é o caso do Chade, Egipto e Sudão do Sul. Estamos a falar de países que também são bastante instáveis e frágeis, o que também não facilita a sua situação, nem a sua segurança.

A situação actual [no Sudão] é de caos humanitário. Uma das maiores crises humanitárias que vivemos no mundo hoje em dia.

A ONU alerta para a vaga de refugiados, se não se fizer nada. O que precisa de ser feito para evitar que esta situação se torne pior? Se é possível, ainda, tornar-se pior…

Se a guerra continuar, eu diria que é sempre possível a situação tornar-se pior. A meu ver, a única maneira de parar a situação de caos humanitário-mas também do ponto de vista daquilo que é a garantia de assistência humanitária à população sudanesa- é acabar com a guerra. Cerca de metade da população sudanesa, 25 milhões de pessoas, dependem de ajuda humanitária de organizações internacionais e não governamentais que têm imensa dificuldade em manter-se activas no terreno, em virtude das condições de insegurança.

As partes beligerantes já afirmaram a sua resistência à presença de actores internacionais. Há uns meses, as próprias Nações Unidas foram consideradas “persona non grata” no território sudanês. A única forma de parar com esta situação é parar a guerra e encetar esforços direcionados à tentativa de resolução e ao diálogo entre as partes. O que, honestamente, me parece difícil, mas que deve pelo menos tentar-se.

A comunidade internacional está preocupada com a situação de fome iminente no país. Há dificuldades no acesso à saúde. Como é que se deixou o Sudão chegar a esta realidade?

Eu diria que, por variadíssimas razões, a comunidade internacional não está suficientemente atenta, nem em alerta para a situação humanitária que se vive no Sudão. Uma dessas razões tem a ver com um certo grau de negligência para com um país que se tornou pouco relevante para a comunidade internacional e para a agenda internacional. A partir do momento em que se assinou o acordo de paz, em 2011, com o Sul e depois, obviamente, em virtude das circunstâncias que vivemos, pelo menos desde Outubro do ano passado, com todo o foco mediático e, sobretudo, com o envolvimento de grandes potências- ou de potências que poderiam ter aqui um papel mais significativo do ponto de vista negocial- a estar direcionado para aquilo que se passa no Médio Oriente e em Gaza, desviando a atenção mediática do Sudão.

O Sudão está a ser vítima de esquecimento?

Sim, o Sudão é vítima de esquecimento e não é só de agora. Há muitos anos que se verifica uma situação de grande fragilidade política, social, económica e de segurança. Eu diria que desde 2011, quando o Sudão do Sul se torna independente e pouco tempo depois resvala para uma guerra civil, que a comunidade internacional abandonou aquilo que era o seu compromisso com um processo de estabilização no território sudanês.

Considero que há aqui uma responsabilidade clara por parte da comunidade internacional que inicialmente estava muito comprometida com a estabilização do país- nomeadamente os Estados Unidos e a própria União Europeia. Em virtude das circunstâncias de se ter posto fim formal à guerra, houve uma desresponsabilização daquilo que é um caminho mais difícil, resultando em mais um episódio de guerra e de enorme instabilidade no Sudão. Isto tem um custo humano significativo para uma população que espera há décadas por uma oportunidade de paz.

Há relatos de crimes contra a humanidade, nomeadamente de mulheres violadas por militares. Como é que se poderá fazer justiça num país onde as instituições não funcionam?

É difícil fazer justiça no Sudão. Lembremos que o antigo Presidente sudanês- deposto por via daquilo que foi a revolução civil e democrática em 2019- está preso no Sudão à espera de ser julgado por crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Violações graves que foram cometidas por Omar al-Bashir durante os 30 anos em que esteve no poder.

No entanto, as autoridades sudanesas recusaram-se a enviar Omar al-Bashir para o Tribunal Penal Internacional-TPI- onde está indiciado por esses crimes. Aquela ideia de que as instituições sudanesas, no momento da transição democrática, iriam encarregar-se do seu julgamento e da justiça devida não se verifico, porque o país não tem instituições capazes de levar a cabo esses processos.

A verdade é que vivemos hoje no Sudão uma situação de extensiva prática de violações graves dos direitos humanos, dos quais a violação como arma de guerra tem sido prática recorrente, sobretudo em regiões controladas pelas Forças de Apoio Rápido, lideradas pelo general Mohamed Hamdan Dagalo, mas não exclusivamente. Os relatos têm sido muito mais significativos do lado das forças contrárias às Forças Armadas sudanesas.

Esta guerra opõe o exército comandado pelo general Abdel Fattah al-Burhan contras as Forças Paramilitares de Apoio Rápido, lideradas pelo general General Mohamed Hamdan Dagalo. A última vez que se falou em negociações, ou num cessar-fogo foi há seis meses. O que é que impede as partes de voltarem à mesa de negociações?

Nenhuma das figuras que lidera esta guerra está disponível a ceder. Tornou-se, de facto, uma guerra pelo poder entre duas figuras de relevo, do ponto de vista daquilo que tem sido a trajectória histórica do Sudão, muito marcada pela forte presença dos militares nas estruturas governativas. Aquilo que é uma relutância para negociar resulta de uma tentativa de tomar o poder, por ambas as partes, pelo todo. Nos últimos meses, assistimos ao périplo do general Mohamed Hamdan Dagalo pelo continente africano, encontrando-se com altas figuras e representantes da União Europeia, numa espécie de campanha de charme para tentar ser legitimado enquanto actor político no Sudão. Mas a verdade é que estamos perante dois militares que têm uma lógica de actuação que é sobretudo de luta pelo poder.

Lembremos que o general Mohamed Hamdan é responsável por crimes contra a humanidade e de genocídio cometidos no Darfur, em 2003, enquanto líder das chamadas milícias Janjaweed, patrocinadas pelo Governo de Omar al-Bashir, aquando da disputa militar que surgiu na sequência do processo de paz mais alargado com o Sul. Estamos a falar de duas pessoas que não estão minimamente comprometidas com a paz, com a estabilidade e nem com a transição democrática. Trata-se de uma luta pelo poder e- até esse poder ser conquistado pela força- é desta forma que estes dois líderes se vão posicionar. A não ser que haja uma lógica de maior assertividade por parte da comunidade internacional.

Ontem, na Conferencência Internacional de Paris, a comunidade internacional anunciou mais de 2 mil milhões de dólares de ajuda humanitária para o Sudão. Esta ajuda é suficiente?

A ajuda humanitária nunca é suficiente. Os apelos das organizações humanitárias nunca são correspondidos com os montantes necessários. Chegamos, a dada altura, a uma circunstância em que a própria assistência humanitária que se consegue- por muito fundamental que seja para a sobrevivência diária de milhares e milhões de pessoas- é sempre, de alguma maneira, insustentável do ponto de vista daquilo que é a necessidade de uma solução ou de uma resposta muito mais alargada. Todavia, demonstra, pelo menos, alguma vontade em recuperar alguma atenção relativamente àquilo que se passa no Sudão.

Num país onde os Médicos Sem Fronteiras afirmam que morrem crianças de duas em duas horas. Onde crianças são recrutadas para o conflito. Toda esta situação que parece não ser reconhecida pela comunidade internacional e que é reveladora de uma crise humanitária sem precedentes…

[Reveladora] de uma crise humanitária e de uma guerra sem regras. Estamos cada vez mais perante circunstâncias de um conflito violento, onde nenhumas das partes respeita as regras de direito internacional e humanitário.

O recrutamento de crianças soldado, a destruição extensiva e deliberada de infra-estruturas civis, estima-se que cerca de 80% das infra-estruturas médicas no Sudão tenham sido destruídas. Há um total desrespeito por aquilo que são as garantias e salvaguardas de direitos e de princípios fundamentais. Estão em causa estes [direitos] naquilo que é uma guerra violenta nas ruas, nas cidades, e onde a própria destruição de infra-estruturas civis, a utilização de civis como alvos da guerra, se tornou uma estratégia deliberada de ambas as partes, numa tentativa de conquistar o tal poder que se pretende.

O Reino Unido anunciou novas sanções contra as empresas que apoiam os beligerantes. Esta pode ser uma solução?

As sanções são sempre um instrumento possível de activar nestas circunstâncias e aqui têm, obviamente, um intuito. Neste caso concreto, as sanções anunciadas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros britânico vêm exactamente nesse sentido, sendo direcionado a indivíduos ou estruturas que, de alguma maneira, estão a suportar a guerra no Sudão. Procuram minar um pouco aquilo que são as condições materiais para o desenvolvimento desta guerra.

Contudo, não podemos esquecer, por exemplo, aquilo que tem sido o apoio à guerra por parte de países vizinhos ou não tão próximos a esta guerra. Refiro-me ao envolvimento de Wagner, apoiando as Forças de Apoio Rápido. As ligações muito importantes do ponto de vista daquilo que foi o patrocínio, quanto mais não seja no início dos confrontos militares, de países como a Arábia Saudita, o Qatar, os Emirados Árabes Unidos, que têm uma responsabilidade fundamental neste processo.

As sanções são um instrumento possível, mas não são a solução para a resolução desta guerra.

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Em entrevista à RFI, a professora de Relações Internacionais na Universidade de Coimbra, Daniela Nascimento, considera que o país vive numa situação de caos humanitário.

RFI: O Sudão está em guerra há um ano. Qual é o actual estado do país?

Daniela Nascimento, professora de Relações Internacionais na Universidade de Coimbra: A situação actual no Sudão é de uma crise humanitária que se agrava a cada dia que passa. São 12 meses de uma guerra particularmente violenta, confrontos que não poupam a população civil e com um custo humano significativo. Estima-se que cerca de 15 mil pessoas já tenham morrido, em resultado dos confrontos entre os dois grupos militares.

O custo humano também se verifica do ponto de vista do número de pessoas que se viram forçadas a sair ou a deslocar-se no Sudão. Uma estimativa das Nações Unidas revela que pelo menos 8 milhões de pessoas estão deslocadas forçadamente, cerca de 2 milhões procuraram refúgio nos países vizinhos, como é o caso do Chade, Egipto e Sudão do Sul. Estamos a falar de países que também são bastante instáveis e frágeis, o que também não facilita a sua situação, nem a sua segurança.

A situação actual [no Sudão] é de caos humanitário. Uma das maiores crises humanitárias que vivemos no mundo hoje em dia.

A ONU alerta para a vaga de refugiados, se não se fizer nada. O que precisa de ser feito para evitar que esta situação se torne pior? Se é possível, ainda, tornar-se pior…

Se a guerra continuar, eu diria que é sempre possível a situação tornar-se pior. A meu ver, a única maneira de parar a situação de caos humanitário-mas também do ponto de vista daquilo que é a garantia de assistência humanitária à população sudanesa- é acabar com a guerra. Cerca de metade da população sudanesa, 25 milhões de pessoas, dependem de ajuda humanitária de organizações internacionais e não governamentais que têm imensa dificuldade em manter-se activas no terreno, em virtude das condições de insegurança.

As partes beligerantes já afirmaram a sua resistência à presença de actores internacionais. Há uns meses, as próprias Nações Unidas foram consideradas “persona non grata” no território sudanês. A única forma de parar com esta situação é parar a guerra e encetar esforços direcionados à tentativa de resolução e ao diálogo entre as partes. O que, honestamente, me parece difícil, mas que deve pelo menos tentar-se.

A comunidade internacional está preocupada com a situação de fome iminente no país. Há dificuldades no acesso à saúde. Como é que se deixou o Sudão chegar a esta realidade?

Eu diria que, por variadíssimas razões, a comunidade internacional não está suficientemente atenta, nem em alerta para a situação humanitária que se vive no Sudão. Uma dessas razões tem a ver com um certo grau de negligência para com um país que se tornou pouco relevante para a comunidade internacional e para a agenda internacional. A partir do momento em que se assinou o acordo de paz, em 2011, com o Sul e depois, obviamente, em virtude das circunstâncias que vivemos, pelo menos desde Outubro do ano passado, com todo o foco mediático e, sobretudo, com o envolvimento de grandes potências- ou de potências que poderiam ter aqui um papel mais significativo do ponto de vista negocial- a estar direcionado para aquilo que se passa no Médio Oriente e em Gaza, desviando a atenção mediática do Sudão.

O Sudão está a ser vítima de esquecimento?

Sim, o Sudão é vítima de esquecimento e não é só de agora. Há muitos anos que se verifica uma situação de grande fragilidade política, social, económica e de segurança. Eu diria que desde 2011, quando o Sudão do Sul se torna independente e pouco tempo depois resvala para uma guerra civil, que a comunidade internacional abandonou aquilo que era o seu compromisso com um processo de estabilização no território sudanês.

Considero que há aqui uma responsabilidade clara por parte da comunidade internacional que inicialmente estava muito comprometida com a estabilização do país- nomeadamente os Estados Unidos e a própria União Europeia. Em virtude das circunstâncias de se ter posto fim formal à guerra, houve uma desresponsabilização daquilo que é um caminho mais difícil, resultando em mais um episódio de guerra e de enorme instabilidade no Sudão. Isto tem um custo humano significativo para uma população que espera há décadas por uma oportunidade de paz.

Há relatos de crimes contra a humanidade, nomeadamente de mulheres violadas por militares. Como é que se poderá fazer justiça num país onde as instituições não funcionam?

É difícil fazer justiça no Sudão. Lembremos que o antigo Presidente sudanês- deposto por via daquilo que foi a revolução civil e democrática em 2019- está preso no Sudão à espera de ser julgado por crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Violações graves que foram cometidas por Omar al-Bashir durante os 30 anos em que esteve no poder.

No entanto, as autoridades sudanesas recusaram-se a enviar Omar al-Bashir para o Tribunal Penal Internacional-TPI- onde está indiciado por esses crimes. Aquela ideia de que as instituições sudanesas, no momento da transição democrática, iriam encarregar-se do seu julgamento e da justiça devida não se verifico, porque o país não tem instituições capazes de levar a cabo esses processos.

A verdade é que vivemos hoje no Sudão uma situação de extensiva prática de violações graves dos direitos humanos, dos quais a violação como arma de guerra tem sido prática recorrente, sobretudo em regiões controladas pelas Forças de Apoio Rápido, lideradas pelo general Mohamed Hamdan Dagalo, mas não exclusivamente. Os relatos têm sido muito mais significativos do lado das forças contrárias às Forças Armadas sudanesas.

Esta guerra opõe o exército comandado pelo general Abdel Fattah al-Burhan contras as Forças Paramilitares de Apoio Rápido, lideradas pelo general General Mohamed Hamdan Dagalo. A última vez que se falou em negociações, ou num cessar-fogo foi há seis meses. O que é que impede as partes de voltarem à mesa de negociações?

Nenhuma das figuras que lidera esta guerra está disponível a ceder. Tornou-se, de facto, uma guerra pelo poder entre duas figuras de relevo, do ponto de vista daquilo que tem sido a trajectória histórica do Sudão, muito marcada pela forte presença dos militares nas estruturas governativas. Aquilo que é uma relutância para negociar resulta de uma tentativa de tomar o poder, por ambas as partes, pelo todo. Nos últimos meses, assistimos ao périplo do general Mohamed Hamdan Dagalo pelo continente africano, encontrando-se com altas figuras e representantes da União Europeia, numa espécie de campanha de charme para tentar ser legitimado enquanto actor político no Sudão. Mas a verdade é que estamos perante dois militares que têm uma lógica de actuação que é sobretudo de luta pelo poder.

Lembremos que o general Mohamed Hamdan é responsável por crimes contra a humanidade e de genocídio cometidos no Darfur, em 2003, enquanto líder das chamadas milícias Janjaweed, patrocinadas pelo Governo de Omar al-Bashir, aquando da disputa militar que surgiu na sequência do processo de paz mais alargado com o Sul. Estamos a falar de duas pessoas que não estão minimamente comprometidas com a paz, com a estabilidade e nem com a transição democrática. Trata-se de uma luta pelo poder e- até esse poder ser conquistado pela força- é desta forma que estes dois líderes se vão posicionar. A não ser que haja uma lógica de maior assertividade por parte da comunidade internacional.

Ontem, na Conferencência Internacional de Paris, a comunidade internacional anunciou mais de 2 mil milhões de dólares de ajuda humanitária para o Sudão. Esta ajuda é suficiente?

A ajuda humanitária nunca é suficiente. Os apelos das organizações humanitárias nunca são correspondidos com os montantes necessários. Chegamos, a dada altura, a uma circunstância em que a própria assistência humanitária que se consegue- por muito fundamental que seja para a sobrevivência diária de milhares e milhões de pessoas- é sempre, de alguma maneira, insustentável do ponto de vista daquilo que é a necessidade de uma solução ou de uma resposta muito mais alargada. Todavia, demonstra, pelo menos, alguma vontade em recuperar alguma atenção relativamente àquilo que se passa no Sudão.

Num país onde os Médicos Sem Fronteiras afirmam que morrem crianças de duas em duas horas. Onde crianças são recrutadas para o conflito. Toda esta situação que parece não ser reconhecida pela comunidade internacional e que é reveladora de uma crise humanitária sem precedentes…

[Reveladora] de uma crise humanitária e de uma guerra sem regras. Estamos cada vez mais perante circunstâncias de um conflito violento, onde nenhumas das partes respeita as regras de direito internacional e humanitário.

O recrutamento de crianças soldado, a destruição extensiva e deliberada de infra-estruturas civis, estima-se que cerca de 80% das infra-estruturas médicas no Sudão tenham sido destruídas. Há um total desrespeito por aquilo que são as garantias e salvaguardas de direitos e de princípios fundamentais. Estão em causa estes [direitos] naquilo que é uma guerra violenta nas ruas, nas cidades, e onde a própria destruição de infra-estruturas civis, a utilização de civis como alvos da guerra, se tornou uma estratégia deliberada de ambas as partes, numa tentativa de conquistar o tal poder que se pretende.

O Reino Unido anunciou novas sanções contra as empresas que apoiam os beligerantes. Esta pode ser uma solução?

As sanções são sempre um instrumento possível de activar nestas circunstâncias e aqui têm, obviamente, um intuito. Neste caso concreto, as sanções anunciadas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros britânico vêm exactamente nesse sentido, sendo direcionado a indivíduos ou estruturas que, de alguma maneira, estão a suportar a guerra no Sudão. Procuram minar um pouco aquilo que são as condições materiais para o desenvolvimento desta guerra.

Contudo, não podemos esquecer, por exemplo, aquilo que tem sido o apoio à guerra por parte de países vizinhos ou não tão próximos a esta guerra. Refiro-me ao envolvimento de Wagner, apoiando as Forças de Apoio Rápido. As ligações muito importantes do ponto de vista daquilo que foi o patrocínio, quanto mais não seja no início dos confrontos militares, de países como a Arábia Saudita, o Qatar, os Emirados Árabes Unidos, que têm uma responsabilidade fundamental neste processo.

As sanções são um instrumento possível, mas não são a solução para a resolução desta guerra.

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